terça-feira, 15 de setembro de 2020

Carlos Andreazza - De mal (Toffoli) a pior (Fux)?

- O Globo

STF virou espécie de tribunal de pequenas causas políticas e fulanizadas

Poderá não ser ruim a presidência de um ministro ruim? Toffoli nunca foi um bom; jamais um guardião da Constituição. Nem jurista respeitável. Tampouco um garantista, categoria na qual vai incluído. Talvez seja a própria definição individual da biruta em que se transformou o Supremo, corte constitucional que tem orientado sua posição ao ritmo e ao norte dos ventos de ocasião — a própria definição dos dois anos de Toffoli à frente do STF.

Período que poderia ser ilustrado pelo modo como — defendendo, com ardor, o sigilo de dados fiscais — o então presidente do Supremo mandou suspender casos criminais baseados em informações de órgãos de controle e, pouco depois, de repente, afrouxando a convicção, voltou atrás. Também ele, Toffoli, “editor de um país inteiro”, entre os maiores responsáveis pelo recrudescimento da febre monocrática que converteu aquela corte em matriz da insegurança jurídica no Brasil e, pois, numa espécie de tribunal de pequenas causas políticas e fulanizadas.

Poucos constrangimentos públicos serão mais vergonhosos do que a maneira como as partes se acostumaram a usar os plantões judiciários no STF, sabedores de como se manifestaria cada uma das eminências a respeito dos temas de interesse — e aproveitando a janela para obter a canetada do plantonista da vez.

Esse recurso oportunista foi explorado ao estado da arte na gestão de Toffoli. Gestão que tem como marca maior aquele inquérito viciado, dito das fake news, de cujo bojo sairia, entre outras arbitrariedades, a censura à revista “Crusoé”. Toffoli foi o formulador de um inquérito em que o tribunal é vítima, investigador e julgador. Inquérito que deriva de o ministro ser um agente político com poderes de juiz.

Um juiz que, presidindo o Supremo, tinha agenda, claro, de agente político; e que, manipulando regimentos para além do estado de direito, e tendo Alexandre de Moraes como infantaria, alcançou o objetivo: tocar o terror nos milicianos bolsonaristas e baixar o ânimo do discurso golpista de Bolsonaro. O STF agindo como polícia para enfrentar milícia. A curto prazo: com sucesso.

Sou pessimista, porém, sobre o futuro. Ou não se deve imaginar esse precedente de força autoritária nas mãos de um André Mendonça, ou de um Marcelo Bretas, qualquer dos dois terrivelmente bolsonarista? Não nos esqueçamos: somos governados pelo ressentimento.

E, então, Fux; que quer ser, como presidente do STF, o que nunca foi como membro do tribunal. Um conflito insolúvel, sua prática trombando com o prometido, e que resultaria na dubiedade de seu discurso de posse; que fala em a Constituição sair fortalecida da crise em curso, como se fosse possível fortalecê-la arquitetando puxadinhos de direito criativo como os que têm caracterizado os votos do ministro.

A legitimidade e a autoridade das respostas do Supremo às nossas incertezas estão desacreditadas porque, não raro, oferecidas sem fundamento na Constituição. Estão em xeque porque togados como Fux julgam-se ressignificadores — editores, segundo Toffoli — do que vai escrito na Carta. Um texto, de acordo com o novo presidente do tribunal, ora a ser preservado, ora ressignificado. Um balanço degenerante, que convida ao direito da opinião pública, aquele que joga pra galera; que faz justiceiros, heróis, mitos e picaretas; que desmonta o que deveria ser edifício de autocontenção.

Não dá para ser militante e guardião da Constituição. O STF tem de se afastar de palanque e de guilda. Se o lava-jatista Fux quer ser, como presidente, o que jamais foi como ministro, terá de aposentar a fluência monocrática com que tem se imposto; e, por exemplo, jamais matar no peito novamente algo como a manutenção, por anos, de auxílio-moradia a magistrados. Também ele responsável por intervenção — em 2018 — promotora de censura, aquela que impediu que o ex-presidente Lula, então preso, desse uma entrevista à “Folha”.

A combinação entre memória e lógica duvida de que Fux possa ser um combatente do “ativismo judicial” — porque isso significaria combater a si mesmo. Mas mudarei de opinião se o ministro souber explicar qual é a regência, sob a gramática da Constituição, de uma “corte eminentemente constitucional”, como define o Supremo, ante um tal “sentimento constitucional do povo”— sendo necessário, primeiro, explicar o que seria tal coisa.

De explicação não carece o óbvio: o populismo judicial foi fator decisivo para que nos afundássemos nesta depressão. Aquele direito colhido em manifestações de rua que, em vez de aperfeiçoar, dinamitou o financiamento empresarial de campanhas eleitorais; sem medir as consequências, sem considerar o que viria no lugar. Registro também que, simplificadas, afirmações como a que cito a seguir — do discurso de Fux — estão na boca daqueles marginais que pedem intervenção no STF: “A efetividade da Constituição é tanto maior quando se alia ao sentimento constitucional do povo”.

A efetividade da Constituição é tanto maior quando respeitada a Constituição.

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