- O Estado de S. Paulo
Preocupação é compreensível, mas o Simplifica Já não é a solução adequada
as últimas semanas tem ganhado destaque no debate sobre a reforma tributária uma proposta desenvolvida pelos grandes municípios conhecida como Simplifica Já. Tal proposta, consolidada na Emenda 144 à PEC 110, mantém a separação entre o ICMS (estadual) e o ISS (municipal), divergindo das propostas da Câmara (PEC 45) e do Senado (PEC 110), que propõem unificar o ICMS, o ISS e tributos federais (PIS, Cofins e IPI) num único Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Pela proposta do Simplifica Já, o ICMS passaria a ter legislação nacional unificada e seria cobrado de forma centralizada, por meio de um comitê gestor. A alíquota incidente nas transações interestaduais seria reduzida progressivamente, em até cinco anos, de modo a que no final da transição o ICMS fosse cobrado no destino.
Já no caso do ISS, a proposta também sugere unificar nacionalmente a legislação, estabelecendo uma alíquota mínima e uma alíquota máxima do imposto. Cada município deveria definir uma única alíquota interna, que seria aplicável a todos os serviços sujeitos ao ISS. Nas operações intermunicipais, o ISS seria cobrado de forma centralizada por meio de um comitê gestor, sendo destinada parcela equivalente à alíquota mínima para o município de origem e a diferença entre a alíquota interna e a alíquota mínima para o município de destino, após uma transição de dez anos.
A proposta do Simplifica Já nasceu de uma preocupação dos grandes municípios com os efeitos da substituição do ISS pelo IBS, que incide sobre uma base ampla de bens e serviços e cuja receita é distribuída proporcionalmente ao consumo. Parte da preocupação deve-se à potencial perda de receita de alguns municípios que são grandes arrecadadores de ISS. Parte se deve à percepção de que a receita do ISS tende a crescer mais que a receita do IBS, por causa da tendência de aumento da participação dos serviços no PIB.
A preocupação dos grandes municípios é compreensível, mas o Simplifica Já não é a solução adequada. O principal problema da proposta é que ela tem um impacto muito negativo sobre o crescimento. A manutenção da segmentação entre a tributação de mercadorias e de serviços inevitavelmente leva a incidências cumulativas que afetam negativamente o investimento e as exportações.
Adicionalmente, mantêm-se algumas importantes distorções do sistema atual, como a menor tributação da construção em alvenaria comparativamente à construção com estruturas pré-fabricadas, o que reduz a produtividade.
A consequência é que o custo social da proposta é muito superior ao benefício dos grandes municípios. Em 15 anos, os municípios ganhariam no máximo 0,4% do PIB de receita, enquanto a redução do PIB, relativamente ao que resultaria da aprovação da PEC 45, seria de pelo menos 3%.
Adicionalmente, apesar do nome, o Simplifica Já resulta num sistema mais complexo que o do IBS previsto na PEC 45. Enquanto neste último haveria apenas um imposto e um sistema de cobrança, no Simplifica Já haveria pelo menos três tributos (incluindo um federal) e três regimes diferenciados de cobrança.
Por fim, um dos grandes problemas do Simplifica Já é que ele mantém o perfil não cooperativo do federalismo brasileiro, ao abrir – equivocadamente – um espaço de disputa entre municípios e Estados pela base tributária. Ao manter a segmentação entre o ICMS e o ISS, perde não apenas a sociedade como um todo, mas perdem os próprios municípios, cuja receita depende hoje mais da parcela municipal (cota parte) do ICMS que do ISS.
A preocupação dos grandes municípios com o impacto da reforma tributária é pertinente. Mas a solução não é a que estão propondo. Há alternativas em discussão que contemplam as preocupações desses municípios sem prejudicar a sociedade e sem esgarçar ainda mais o federalismo fiscal brasileiro. Soluções são construídas pelo diálogo, e não por modelos que desconsideram os interesses da sociedade e dos demais entes da Federação.
*Diretor do Centro de Cidadania Fiscal
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