Ordem
do dia é a proteção da democracia, e não a promoção da democracia
Nos
últimos dez anos ou mais, populistas autoritários vêm conquistando uma vitória
inesperada após a outra pelo mundo afora. Eles chegaram ao poder na Índia e
no Brasil, nas Filipinas e nos Estados Unidos.
E,
embora Jair Bolsonaro e Rodrigo Duterte tenham inicialmente sido
ridicularizados como líderes incompetentes que não tardariam a perder o poder,
eles vêm se mostrando surpreendentemente
hábeis em conservar sua popularidade ou em concentrar o poder em suas
próprias mãos.
Nos
últimos dez anos, os exemplos de políticos populistas sendo afastados de seus
cargos por meio de eleições livres e justas têm sido escassos. Foi isso que fez
da derrota
de Donald Trump para Joe Biden um motivo tão forte para otimismo. Pela
primeira vez em uma década, os cidadãos de uma democracia poderosa olharam a
política populista de perto e decidiram que haviam visto o bastante. Parecia
que a maré poderia estar virando, finalmente. O contra-ataque democrático
estava prestes a começar.
Agora, quatro meses mais tarde, está ficando claro que o inimigo poderoso continua forte diante de um contra-ataque hesitante. A democracia americana continua frágil. Trump conseguiu convencer dezenas de milhões de americanos que a eleição foi fraudulenta e ajudou a inspirar um ataque sem precedentes contra o Capitólio. Ainda é muito possível que em 2024 Trump ou um sucessor escolhido a dedo se erga como ameaça populista renovada às instituições do país.
Líderes
autoritários continuam a se fortalecer em outros países. Segundo relatório
recente da Freedom House, o mundo ingressou no 15º ano de uma “recessão
democrática”. Com
a Índia, a democracia mais populosa do mundo, tendo sido rebaixada para
o status de “parcialmente livre”, hoje menos de uma em cada cinco pessoas no
mundo vive em um país livre.
Fato
mais preocupante de todos, possivelmente, é que ainda não está claro se aqueles
que travam o contra-ataque terão a coragem de colocar suas convicções em
prática. O Fidesz, partido de Viktor Orbán, foi finalmente excluído do Partido
do Povo Europeu, de centro-direita. Mas a União Europeia ainda não tem qualquer
plano sólido para frear o grave retrocesso democrático que vem ocorrendo em seu
meio.
E
países como a Alemanha estão seguindo adiante com o gasoduto Nordstream 2,
expondo democracias vulneráveis como a Ucrânia a pressão ainda maior dos
autocratas no Kremlin.
Enquanto
isso, Biden está fazendo o que pode para fazer jus a seu suposto papel de líder
do mundo livre. Na Conferência de Segurança de Munique, ele fez um discurso
excelente reafirmando seu compromisso com os valores democráticos e o
relacionamento transatlântico, e sua administração está seguindo adiante com planos
para uma cúpula global sobre a democracia.
Mas
a administração também enfrenta limitações políticas e estratégicas sérias.
Politicamente, muitos democratas hoje encaram com profunda desconfiança
qualquer coisa que cheire a “promoção da democracia”. E, estrategicamente
falando, a administração precisa descobrir como enfraquecer governos populistas
na Polônia e Índia ao mesmo tempo em que busca a cooperação deles em seus
esforços para enfraquecer a influência de ditaduras como Rússia e China.
Tudo
isso sugere que os próximos anos irão se converter em uma gigantesca
oportunidade perdida.
Naquela
que pode acabar sendo a última vez que os líderes de grandes países da Europa e
da América do Norte procuram preservar instituições democráticas, eles vão se
ater ao manual democrático tradicional —e realizar lamentavelmente pouco.
Não
é inevitável que seja assim. Se líderes de Paris a Washington levarem a sério a
intenção de resistir à ressurgência autocrática, eles precisarão mudar sua
abordagem de três maneiras chaves.
Em
primeiro lugar, precisam encarar o dilema autocrático de frente. A necessidade
de cooperar com democracias menos que perfeitas para conter as autocracias
totais é real. Mas a Europa e os Estados Unidos devem fazer uma distinção clara
e pública entre alianças táticas, que podem incluir países como Polônia e
Índia, e parcerias estratégicas estreitas, que devem ser reservadas a países
que conservam e defendem a democracia liberal e o Estado de Direito.
Em
segundo lugar, devem reconhecer que as ditaduras estão em ascendência. O
objetivo principal não deve ser o de exportar a democracia a países hoje
autocráticos, uma perspectiva incerta e difícil —é preservar as instituições
democráticas de países como Índia e Brasil, onde essas instituições hoje estão ameaçadas.
A ordem do dia é a proteção da democracia, não a promoção da democracia.
Assim,
a Rádio Europa Livre deve começar a fazer transmissões em polonês, e a Voz da
América, em hindi.
Democracias
da Europa e da América devem evitar censurar plataformas de mídia social que
podem facilmente ser emuladas por candidatos a ditadores em todo o mundo. E
precisam adotar legislação para impedir empresas domésticas de punir seus
funcionários por criticar regimes autocráticos que estão tentando sufocar o
livre discurso em países democráticos.
Finalmente,
elas precisam reformar as instituições fundamentais da aliança ocidental. A
União Europeia é supostamente alicerçada sobre um compromisso com valores
democráticos como o Estado de Direito. A Otan é supostamente fundamentada sobre
o engajamento com a aliança transatlântica.
Mas
ambas hoje incluem países que não podem ser sancionados ou expulsos, apesar de
terem passado a opor-se abertamente a essas metas. Isso precisa mudar –mesmo
que exija uma reforma radical dessas instituições importantes, ou até mesmo sua
recriação total.
A
janela de oportunidade para resistir à autocracia e defender a democracia
permanece aberta, por enquanto. Mas ela voltará a se fechar muito rapidamente,
a não ser que nossos líderes comecem a agir com coragem e visão.
*Yascha Mounk, O cientista social Yascha Mounk é professor associado na Universidade Johns Hopkins e autor de "O Povo contra a Democracia".
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