Recobrando
a liberdade de ir e vir, o ex-presidente Lula reanima velhos contatos
Discretamente,
como convém a quem ainda não ganhou
certificado de inocência nem a plena reabilitação política, o
ex-presidente Lula vai
escrevendo, na prática, seu roteiro de candidato. A manifestação
da volta, pensada por ele mesmo, um retrato fiel do velho Lula de
sempre, contém indicação ampla sobre o que se deve observar nos passos
seguintes. Tanto no que revelou como no que escondeu.
A pandemia foi a
preliminar de efeito político imediato. A simples menção às ações necessárias
já resultou na troca do
ministro da Saúde. Satisfez o eleitorado só pelo contraste entre
suas palavras de mero bom senso e a realidade política atual, forjada na
irracionalidade.
Recobrando a liberdade de ir e vir, mesmo que em modo virtual, Lula reanima velhos contatos. Chama a atenção de empresários e convoca políticos amigos, como os caciques do MDB. Partido disseminado por todos os Estados, o MDB é uma federação de lideranças neutras ideologicamente, que agrega civis e militares, empresários e sindicatos, capital e interior, uma salada de referências na sociedade.
Ainda neste campo sua agenda registra o Centrão. O bloco dá sustentação fiel ao presidente Jair Bolsonaro. Mas governo e eleição são duas coisas diferentes, o Centrão está aí, para o que der e vier.
O
que ainda não estava implícito nem explícito, mas não surpreende, são os
movimentos e conversas de Lula no terreno delicado de suas relações com os
militares.
A
atualização do episódio, já
desgastado, da pressão do general
Villas Bôas sobre o STF, em 2018, simplifica os efeitos do
constrangimento da época. Agora, Lula está tão aberto às conversas com
militares que seus partidários consideram natural uma aproximação objetiva, de
alto nível.
Citam
o general Carlos
Alberto dos Santos Cruz, ex-secretário de Governo nos primeiros
meses da administração Jair Bolsonaro, como um dos nomes para compor a chapa,
como vice-presidente. União que permitiria ampla composição, como se deu com o
falecido industrial José Alencar nos
mandatos presidenciais de Lula.
O
interesse por Santos Cruz revela dois aspectos das preocupações do candidato
Lula. Primeiro, o resgate das boas relações com as Forças
Armadas. Segundo, a expectativa de colaboração efetiva do general,
expurgado do atual governo por um dos filhos do presidente. Saiu como vítima de
fake news, uma prática depois banalizada, e deixou a impressão de ser o mais
preparado dos colaboradores militares do governo.
Estes
movimentos visam também modular a tentativa de politizar o Exército por parte do
candidato à reeleição, seu adversário. O presidente Jair Bolsonaro, embora de
origem militar, desviou-se do padrão de atuação e comportamento das Forças
Armadas. A ambiguidade com que se refere ao "meu
Exército" sugere mais seu lado miliciano do que
propriamente militar.
Lado
este, por sinal, que está em crescimento e ebulição. Certamente não foram as
Forças Armadas que atuaram nos violentos episódios de intimidação moral e
ameaça física à cardiologista Ludhmila
Hajjar, convidada para integrar o governo. Convite recusado depois
de dois dias de terror sob o comando do gabinete do ódio.
A
investida evidenciou como está avançada a ocupação do território por esta
milícia extremista, violenta, agressiva e ilegal do bolsonarismo. Prática de um
terrorismo contemporizado pelo presidente, que consolou a vítima com um covarde
"faz parte".
Expansão esta que chegou com força ao Congresso. Os presidentes da Câmara e do Senado pagam caro a fatura da sua eleição: o deputado Arthur Lira entregou joias da coroa parlamentar a deputadas da barricada bolsonarista; o senador Rodrigo Pacheco engavetou CPI proposta, dentro das regras, por senadores que pretendem apurar a letal gestão da pandemia pelo presidente da República.
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