Negacionismo do presidente tem cálculo político
Jair
Messias Bolsonaro não é o primeiro presidente brasileiro cuja habilidade
política é subestimada pela maioria dos analistas. Durante um bom tempo,
duvidou-se da capacidade de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de governar o país.
Antes do petista, era quase unânime a opinião de que Itamar Franco, o vice que
assumiu o cargo em decorrência do primeiro impeachment da história do país _ de
Fernando Collor de Mello, em 1992 _, de tão “incompetente”, “tolo” e “turrão”
acabaria de afundar a nação no caos iniciado por seu antecessor.
Bolsonaro
passou 28 anos na Câmara dos Deputados com apenas uma preocupação: reeleger-se
a cada quatro anos. Não foi difícil, afinal, sua bandeira, única, sempre foi
defender privilégios e vantagens das corporações militares, o que,
evidentemente, significou apoiar, de um modo geral, os interesses da burocracia
estatal, o Estado dentro do Estado, o poder autóctone deste país,
patrimonialista por definição.
O atual presidente defendeu os soldos dos militares durante o período, provavelmente, de maior arrocho salarial do funcionalismo na história _ os primeiros anos de estabilização da economia, após o lançamento do Plano Real, em 1994. Com a queda abrupta dos índices de preços de cerca de 2.800% para 50% ao ano, o enorme desequilíbrio das contas públicas apareceu instantaneamente nos orçamentos, uma vez que, antes, a inflação crônica corroía o valor real da despesa, criando a ilusão de que o setor público não gastava mais do que arrecadava.
Entre
outras providências, coube ao primeiro primeiro presidente eleito no pós-Real _
Fernando Henrique Cardoso (PSDB) _ segurar a evolução dos salários do
funcionalismo civil e dos militares para conter, minimamente, o déficit
público. Ainda no primeiro mandato de FHC (1995-1998), o déficit nominal _
conceito que inclui todas as despesas, inclusive, os juros da dívida _ chegou a
7% do Produto Interno Bruto (PIB).
Para
o deputado Jair Bolsonaro, gritar contra o arrocho salarial de FHC e conquistar
votos na família militar foi mais fácil que decorar a tabuada do número 1. Isto
explica o ódio devotado por militares bolsonaristas ao ex-presidente. Em
entrevista ao Valor em 2019, o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de
Segurança Institucional (GSI), um dos mais próximos do presidente da República,
disse que "Lula é terrível, mas o Fernando Henrique era pior, hein?”, uma
óbvia referência ao principal alvo de Bolsonaro nos anos em que era visto
apenas como uma figura folclórica da direita brasileira.
Talvez,
nem em sonho Bolsonaro tivesse acreditado que, um dia, haveria a chance de sair
do folclore para tornar-se o primeiro mandatário do país com a 6a. maior
população do planeta, a quarta extensão territorial e a 12a. Maior economia (há
poucos anos, caminhava para ser a 5a. Maior, mas esta é outra história). Mas, a
tragédia inacreditável do governo da presidente Dilma Rousseff (PT) criou
oportunidade única para Bolsonaro ambicionar seu salto inesperado na política
nacional.
Em
2015, quando o país já ingressara no segundo ano da mais profunda e longa
recessão de sua história, provocada por sucessão inacreditável de equívocos de
política econômica cometidos pelo governo Dilma, Bolsonaro e seus seguidores
montaram estratégia nas redes sociais para fazer do então deputado o candidato
anti-PT, anti-Dilma, “anti-também-tudo-isso-daí”. Com a Operação Lava-Jato
fazendo estragos nas hostes tanto do PT quanto do PSDB, a economia atolada numa
recessão e o maior líder popular da história do país, Lula, encarcerado, o
atual presidente tornou-se rapidamente um fenômeno nas redes sociais, ignorado por
alguns, subestimado por muitos, entre os quais, o titular desta coluna.
“Quando
a campanha oficial começar, em agosto de 2018, o tempo diminuto de horário
eleitoral gratuito frente a outros candidatos fará de Bolsonaro o Celso
Russomano da disputa presidencial _ sempre larga na frente, mas nunca chega em
primeiro. Vai desidratar nas pesquisas”, dizia-se sobre as perspectivas
eleitorais de Bolsonaro. A cada previsão frustrada, analistas experientes da
cena política nacional faziam novas projeções, segundo as quais, o então
candidato do PSL naufragaria.
Nos
livros de História do Brasil, provavelmente na maioria deles, será dito que o
presidente ganhara a eleição de 2018 porque, a menos de um mês, sofreu um
atentado a faca que o afastou dos debates, de entrevistas e de eventos de
campanha com grande potencial de desgastar a imagem do candidato. Depois de
errar mais de uma vez em seus prognósticos sobre o destino político-eleitoral
de Bolsonaro, o titular desta coluna acredita que atribuir sua vitória à facada
é “brigar com a notícia”, como costuma dizer o nobre colega e escritor Sérgio
Leo, ex-colunista do Valor.
Bolsonaro
ganharia com ou sem facada. Ponto. Seu sucesso deveria ter convencido, senã0 a
todos, pelo menos à maioria, de que ninguém chega à presidência de uma das
maiores democracias do planeta, eleito pelo voto popular, destituído de
inteligência, astúcia, sagacidade política. Para as elites pensantes do país, é
mais simples manifestar o quão Bolsonaro é diferente _ para pior _ do que nós
somos e desejamos para o projeto de construção de uma nação nestas plagas.
Daí,
os erros de avaliação que ajudam a fortalecer o presidente e que, em alguns
casos, desvalorizam avanços institucionais na área econômica, notadamente, a
aprovação da independência do BC e da PEC emergencial, que criou novo marco
regulatório fiscal para todos os entes da Federação, fato que na prática
diminui sua compreensão e, portanto, sua legitimação na sociedade.
Na pandemia, com a ajuda do Congresso, Bolsonaro acabou por instituir o maior programa de redução de pobreza da história do país. Seu negacionismo tem cálculo político. Ele esticou a corda na negação da gravidade do vírus e os governadores foram obrigados a adotar medidas rígidas de isolamento, cujo efeito tem sido afastá-los da popularidade. No fim, o presidente virá com a solução, a vacina, que só a União tem condições de comprar em grande quantidade. Não adianta brigar com notícia, Bolsonaro será no momento agudo, aos olhos da população, o pai da vacina.
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