Bolsonaro
chegou ao ponto de não retorno com o Congresso, com as concessões que fez em
relação ao Orçamento
Para
um candidato a autocrata, a dependência do presidente Jair Bolsonaro de sua
base no Congresso é surpreendente, como ficou evidente na série de reportagens
do jornal “O Estado de S. Paulo” sobre a apropriação de uma fatia do Orçamento
pela cúpula parlamentar alinhada ao Planalto.
O
presidente pode passar seu tempo chamando o relator da CPI da Covid de
“vagabundo” e o vice-presidente do colegiado de “senador Dpvat”, mas ao
promover um varejo de negociações em troca de apoio, ao criar uma gigantesca
Codevasf e loteá-la entre caciques políticos, Bolsonaro indicou de que forma
quer levar sua relação com o Legislativo. Um modelo nada inovador, que deve se
amplificar no futuro próximo.
“Cachorro quando morde galinha pela primeira vez, sente o gosto de sangue e vai querer morder sempre”, comentou um veterano da política, o ex-deputado e ex-ministro das Comunicações Miro Teixeira, que teve 11 mandatos na Câmara e hoje é um dos coordenadores da pré-campanha presidencial de Ciro Gomes. Em outras palavras, do ponto que se chegou não há retorno: o presidente perdeu sua autonomia para determinar a execução do Orçamento.
Bolsonaro
percorre, a galope, uma estrada que já foi percorrida por seus antecessores
pós-Constituição de 1988, sobretudo pelos presidentes petistas, pontua Miro.
“Fernando Henrique Cardoso se elegeu com maioria absoluta nas duas eleições que
disputou e montou sua base parlamentar a um custo relativamente baixo”, diz.
Lula, Dilma e agora Bolsonaro depararam-se com o dilema de entregar o pescoço
ao vampiro ou arcar com as consequências políticas do isolamento.
No
começo dos anos 90, recorda Miro, emendas individuais do parlamento nem sequer
tinham limite. “Eu mesmo fui autor de uma emenda de valor equivalente a US$ 70
milhões, negociada entre Brizola e Collor, para custear a construção da Linha
Vermelha”, relembra.
Com
o escândalo dos anões do Orçamento, em 1993, as regras mudaram. Para evitar o
controle da Comissão Mista por pequenos grupos, seu total de integrantes
dobrou, mas sua importância como formuladora do Orçamento diminuiu.
Paulatinamente, à medida que a força parlamentar do governo federal diminuía, o
Congresso voltou a avançar. E em marcha acelerada o Orçamento foi se tornando
impositivo e a participação parlamentar, crescente. A Constituição mudou quatro
vezes entre 2015 para permitir a imposição das emendas individuais e de
bancada.
Bolsonaro
demonstrou disposição de romper com isso? O presidente ensaiou um movimento. As
convocações para manifestações de 15 de março de 2020, momento do começo de
pandemia, eram contra o Congresso e tinham a disputa orçamentária como gatilho.
Mas isso foi efêmero. Em algum momento entre março e junho do ano passado
Bolsonaro se rendeu. E então começou sua associação vitoriosa com Arthur Lira.
Por
coisas assim, para Miro, as chances de Bolsonaro se tornar um autocrata são
nulas. “Falar em ameaça à democracia começa a ficar ridículo” diz. Miro
exagera, e muito. Mas enveredar a discussão política para este caminho é algo
que interessa ao presidente. A intimidação e o blefe são duas de suas armas. E
ter vivido no baixo clero do Congresso lhe ensinou algo.
O
Brasil está entre os países do mundo que exportam commodities e importam
capital. Essa vulnerabilidade do Brasil a variáveis que o país não tem como
controlar faz com que ciclos econômicos tenham alta correlação com a
instabilidade política. Dinheiro caro lá fora e uma crise de commodities são
fatores que colocam governos em zona de turbulência. Quando acontece o inverso
os presidentes de turno têm mais facilidade de consolidar seu poder. O cenário
econômico externo é um dos trunfos do presidente Jair Bolsonaro para 2022, se
ele souber aproveitar as oportunidades que se abrem.
Está
se desenhando um miniciclo de commodities no mundo, com taxas de juros baixas
nos mercados avançados. É um miniciclo porque se baseia em fatores
conjunturais. “Vamos viver uma dinâmica favorável ao Brasil, mas sem o fôlego
da registrada nos anos 2000”, opina Thomaz Favaro, diretor para o Cone Sul da
consultoria Control Risks. Durará pouco, mas deverá estar em curso no segundo
semestre do próximo ano, quando Bolsonaro buscará seu segundo mandato.
O
problema para a economia brasileira, ressalva Favaro, é que o panorama externo
não fornece todas as chaves. O Brasil vive uma situação fiscal delicada, que
motivou a criação de um teto constitucional de gastos draconiano. A tentação de
rompê-lo é e seguirá cada vez mais forte, sobretudo se as pesquisas indicarem,
como foi o caso do levantamento do Datafolha divulgado anteontem, que a
reeleição de Bolsonaro está seriamente ameaçada pela oposição.
Um
Bolsonaro ainda mais gastador no próximo ano será recebido com preocupação por
aqueles que influem na liberação de capital para o país.
A
pandemia é outra sombra. Presume-se que a tragédia sanitária brasileira
arrefeça no segundo semestre do próximo ano, mas todos os erros cometidos até
agora deixam cicatrizes, inclusive na economia. E as contaminações por covid-19
podem se estender se a vacinação atrasar por falta de insumos.
Pior
para Bolsonaro seria se a eleição presidencial fosse disputada antes. Favaro vê
um cenário complexo para a manutenção da direita no poder em países como Chile
(sucessão em novembro deste ano) e Colômbia (em maio de 2022). No caso do
Chile, as eleições para a assembleia constituinte que serão disputadas neste
domingo já devem indicar o que se pode esperar para a sucessão de Sebastián
Piñera.
As duas grandes coligações que deram as cartas na política chilena desde 1990 estão se fragmentando. A união entre socialistas e democratas-cristãos já não existe mais, do lado da centro-esquerda. Do lado da direita, os extremistas estão se descolando dos moderados. O quadro se pulveriza e não é um absurdo supor, segundo Favaro, que a esquerda poderá voltar ao poder no país andino.
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