sexta-feira, 14 de maio de 2021

Claudia Safatle - Reforma do PIS-Cofins é positiva no pós pandemia

- Valor Econômico

Os dois impostos respondem por cerca de 90% das demandas judiciais da área tributária

É possível votar, neste ano, a proposta de unificação do PIS e da Cofins em um único imposto: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), conforme projeto de lei 3887/20 enviado pelo governo ao Congresso em meados do ano passado. O relatório apresentado anteontem pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), na última reunião da Comissão Mista Temporária da Reforma Tributária, é uma síntese de duas PEC (propostas de emenda constitucional), as de número 45 e 110. Nele, o relator acatou a sugestão de juntar cinco impostos - ICMS, IPI, PIS/Cofins e ISS - no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

A diferença entre contribuição e imposto é que, no primeiro caso, a União não reparte a receita com os Estados e municípios. Ribeiro, porém, cuidou para que o imposto arrecadado em operações que geram crédito não seja dividido com os entes da federação, para que a receita se destine à devolução dos créditos às empresas. O ponto central da CBS (ou IBS) é o crédito financeiro: tudo que a empresa comprar vai gerar crédito desde que esteja destacado em nota fiscal.

PIS e Cofins são os impostos mais complexos do já intrincado sistema tributário brasileiro, responsáveis por cerca de 90% da demanda judicial. O emaranhado de contenciosos chegou a tal ponto que a simplificação é boa tanto para o setor privado quanto para a Receita Federal.

Na concepção do PIS/Cofins, só os insumos diretamente usados na produção geram crédito. Como não há clareza sobre esse conceito, os insumos geradores de crédito acabam sendo objeto de interpretação. As empresas têm que fazer a declaração com todas as compras que foram efetuadas e o que avalia que gerou crédito. Tal declaração é submetida à Receita Federal, que vai reavaliar o pedido, num processo de imensa burocracia para as empresas, elevados custos para o fisco e farta lista de disputas na Justiça. O crédito financeiro coloca um ponto final nesse cipoal.

O projeto de lei concebido pela pasta da Economia foi enviado ao Congresso como sendo a primeira fase de uma ampla reforma tributária. Ele sugere a criação da CBS com alíquota geral de 12% incidente sobre a receita bruta, mas mantendo a alíquota sobre o sistema financeiro em 5,8%. As empresas sujeitas à incidência monofásica, como as produtoras e importadoras de combustíveis e de cigarros, pagariam conforme tabela que consta do PL.

Empresas que hoje optam pelo lucro presumido e pagam alíquota de 3,65% sobre o faturamento terão de migrar para a alíquota maior durante um prazo que deverá ser determinado na legislação.

O projeto estabelece, ainda, que a CBS será apurada e recolhida pelas empresas mensalmente e incidirá sobre operações com bens e serviços no mercado interno e em importações. Receitas decorrentes de exportação ficam isentas da nova contribuição, assim como produtos da cesta básica, templos religiosos, sindicatos, federações e confederações, dentre outros. Os créditos acumulados poderão ser usados para abatimento da contribuição a pagar ou para compensar débitos com outros tributos federais.

O Executivo não previu, no projeto de lei de sua autoria, diferentes alíquotas para o setor de serviços, hoje subtributado pelo PIS/Cofins. Este é um segmento da economia que se opõe radicalmente à proposta como consta do projeto de lei, mas o governo está sensível à reivindicação do setor, de continuar tendo tratamento privilegiado na incidência da CBS. Tudo começou há anos, quando a indústria era produtora de bens de luxo, como os automóveis, e tinha produtividade destacada em relação às demais áreas da economia. Por tais condições, ela pagava mais impostos. Hoje quem tem essas condições é o setor de serviços, com softwares e etc., mas mesmo assim o governo pretende ceder.

Não se previu o benefício fiscal para o setor de serviços porque, no projeto de ampla reforma tributária que o Ministério da Economia trabalhava, constava a criação do Imposto sobre Transações que substituiria o imposto sobre a folha de pagamento das empresas e daí por diante. Agora, a ideia da reforma fatiada torna mais factível, politicamente, a aprovação da fusão do PIS/Cofins na CBS.

Segundo técnicos, o segredo da proposta de unificação dos dois impostos é começar com três alíquotas e fazer uma convergência lenta para o patamar superior. Assim evita-se impacto inflacionário e, também, não se prejudica a área de serviços no pós-pandemia.

Na última reforma do PIS/Cofins, em 2003, um conjunto de empresas, responsáveis por 21% da arrecadação de ambos os tributos optou pelo regime cumulativo. Elas declaram com base no lucro presumido e pagam, atualmente, alíquota de 3,65%. Já 62% optaram pelo não cumulativo e pagam alíquota de 9,25% sobre o valor adicionado. Os 21% são empresas de construção civil e pequenas e médias empresas comerciais e prestadoras de serviços. Dessas, pelos cálculos do governo, menos de 10% passariam a pagar mais impostos quando da migração para o regime não cumulativo.

Sob a garantia de que as alterações que estavam sendo feitas no PIS/Cofins seriam “neutras” para a carga tributária, o Ministério da Fazenda patrocinou um espetacular aumento da receita. A arrecadação que era de 3,5% do PIB em 2003, com as tais medidas, saltou para 4,1% do PIB em 2004. Em 2019 a receita de ambos correspondeu à 4,15% do PIB e, com a aprovação do projeto de lei do Executivo, com a alíquota de 12%, a arrecadação do PIS/Cofins deve chegar a 4,38% do PIB. Mas haverá, em contrapartida, aumento do crédito financeiro o que gera um impacto fiscal negativo.

Desde o governo de Dilma Rousseff que a reforma do PIS/Cofins está em discussão, o que torna mais fácil a sua aprovação ainda neste ano. Principalmente porque a proposta do governo é por projeto de lei, enquanto que a do relator, deputado Aguinaldo Ribeiro, é PEC, que exige quórum qualificado. Outras partes que podem ser votadas são a transformação do IPI em um imposto seletivo para bebidas e cigarros e o passaporte tributário, que daria uma autorização para o fisco fazer acordos com empresas que estão recorrendo à Justiça ou pretendem recorrer.

Já as demais etapas da reforma tributária fatiada - que trariam mexidas importantes no Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a fusão do ICMS com o Imposto sobre Serviços (ISS) - devem ficar para uma próxima administração federal.

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