sexta-feira, 14 de maio de 2021

Rogério Werneck* - Entre Lula e Bolsonaro

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Ambos têm feito e farão o que lhes for possível para cercear o surgimento de outras candidaturas que possam ter viabilidade eleitoral

Falta de horizonte talvez seja a dificuldade mais séria do precário quadro econômico que hoje enfrenta o País. A esta altura, o mais importante passou a ser vislumbrar, em meio ao denso nevoeiro de incerteza, o que esperar de 2023, findo o mandato de Bolsonaro. Mas, para isso, é crucial tentar entender o que condicionará a travessia dos 16 meses e meio que nos separam das eleições.

A volta de Lula ao jogo político, como candidato a presidente já muito bem posicionado nas pesquisas de intenção de voto, estreita em grande medida o espaço de manobra com que esperava contar o Planalto, ao longo dessa travessia. A pesada aposta de Bolsonaro no Centrão pode acabar se revelando bem menos promissora do que de início lhe parecia.

É bom lembrar que boa parte dos integrantes do Centrão já esteve confortavelmente aninhada nos governos Lula e Dilma. E que, para muitos deles, a perspectiva de poder associada à candidatura de Lula pode se afigurar bem mais atraente que o compromisso com o projeto de reeleição de Bolsonaro. Especialmente, quando tudo indica que, na campanha de 2022, Lula pretende evitar erros crassos cometidos em 2018, movendo-se para o centro e apresentando-se ao eleitorado com discurso moderado.

Bolsonaro e Lula têm algo de muito importante em comum: ambos gostariam que a disputa de 2022 ficasse restrita a um mano a mano entre os dois. Têm feito e farão o que lhes for possível para cercear o surgimento de outras candidaturas que possam ter viabilidade eleitoral. O que pode acabar não sendo tão difícil, tendo em vista a tendência à fragmentação das forças políticas de centro.

Basta ter em conta a longa lista de pré-candidatos a presidente que, a menos de 17 meses da eleição, continuam a nutrir a esperança de se apresentar no portão de largada. Entre outros, Ciro GomesJoão DoriaLuciano HuckEduardo LeiteHenrique MandettaSergio Moro e, mais recentemente, Tasso Jereissati

Em que medida o desgaste imposto pela CPI prejudicará o projeto de reeleição de Bolsonaro? O que dizem os analistas políticos é que boa parte dos adversários do presidente – Lula, especialmente – esperam que a CPI o faça “sangrar”, mas não a ponto de dar ensejo à deflagração de um processo de impeachment. E que essa seria a diretriz com que deverá trabalhar o senador Renan Calheiros, relator da CPI. O problema é que assegurar esse tipo de sintonia fina pode ser difícil. Nunca se sabe ao certo em que poderá afinal redundar uma CPI tão tensa. 

Seja como for, o governo tem razões de sobra para se preocupar. Os desdobramentos da CPI poderão lhe ser extremamente danosos, a ponto de botar a perder o projeto da reeleição. A esperança do Planalto é que, com o avanço da vacinação, os danos da CPI sejam atenuados. Mas quantos meses mais serão necessários até que tal atenuação se faça sentir?

É preciso também ter em conta que as atribulações de Bolsonaro estão longe de estar restritas aos danos potenciais da CPI. Sem ir mais longe, basta lembrar que o Planalto acaba de ser flagrado em constrangedora coonestação de uma artimanha de assalto ao Tesouro orquestrada no Congresso. Há meses, parlamentares simpáticos ao governo vêm sendo agraciados com verbas orçamentárias alocadas a seu bel-prazer na distribuição de tratores superfaturados a prefeituras, ao arrepio de práticas republicanas de gestão orçamentária.

As estreitas possibilidades da configuração da disputa presidencial de 2022 vão, aos poucos, tomando forma. Com Lula se movendo para o centro, a disputa pelo eleitorado de centro-esquerda se tornará ainda mais acirrada do que já é. Caso a proliferação de candidaturas possa ser evitada, é o eleitorado de centro-direita que terá de ser conquistado pelo candidato de centro. O que parecerá tão mais factível quanto mais intensa for a fragilização de Bolsonaro, já claramente detectada em pesquisas mais recentes de intenção de voto.

Terão as forças políticas de centro a grandeza e a competência requeridas para jogar o jogo que precisam jogar?

*Economista, doutor pela Universidade Harvard, é Professor titular do Departamento de Economia da PUC-RIO

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