Pode
ser pelo cansaço da beligerância, pela visibilidade da corrupção e ineficiência
A
campanha eleitoral de 2022 já começou e uma das preocupações dos que buscam uma
saída para a crise política iniciada com o impeachment de 2016 e a crise
econômica que veio junto é como evitar que a próxima eleição seja dominada pelo
populismo. Mas o que é o populismo e por que é preciso evitá-lo?
O
termo “populismo” surgiu no século 19 para designar tanto o movimento político
de intelectuais russos de estimular a mobilização dos camponeses contra os
czares quanto o antigo Partido Populista americano, precursor do Partido
Democrata, que buscava os votos dos agricultores contra os grupos e
instituições consideradas de elite. No século 20, na América Latina, foi usado
para descrever a atuação de políticos como Juan Perón, na Argentina, Getúlio
Vargas e Ademar de Barros, no Brasil, e Haya de la Torre, no Peru, e é usado
hoje para se referir a políticos como Hugo Chávez e Evo Morales, na América
Latina, e Donald Trump, Viktor Orbán e Tayyip Erdogan em outras partes.
Existe muita controvérsia sobre o que é e como interpretar o populismo, mas sua característica principal é a existência de líderes políticos que estabelecem uma relação forte e personalizada com setores importantes da sociedade, passando por cima das instituições e dos partidos políticos tradicionais.
O
populismo pode se apresentar como movimento progressista, quando suas bandeiras
são a distribuição de benefícios e a ampliação dos direitos da população mais
pobre, ou como conservador, quando suas bandeiras são a defesa de determinados
setores da sociedade contra os demais. Mas ele é, sobretudo, antidemocrático,
autoritário e, em última análise, irracional, por agir sempre buscando efeitos
políticos imediatos, sem se preocupar ou ignorando consequências de longo
prazo.
O
populismo não nasce no vazio, mas se apoia na identificação dos desejos e
necessidades de setores significativos da população que se sentem
marginalizados e preteridos do jogo político e das ações dos governos. Nisso
ele não é diferente de outras formas de mobilização política. Mas difere na
medida em que seus líderes proclamam ser os únicos representantes da parte boa
e moralmente aceitável do “povo”, transformando as disputas políticas numa luta
entre o bem e o mal, e não numa competição entre diferentes partidos e
correntes de opinião igualmente legítimos.
A
política populista é uma política de identidade, seus líderes proclamam que
merecem apoio porque integram e representam a “parte boa” da sociedade (o povo,
a nação, as pessoas virtuosas, os pobres, determinada religião, os nativos ou
os brancos), e por isso não precisam apresentar seus programas e ideias, basta
exibir suas virtudes e atacar a legitimidade de seus oponentes (ver Müller,
Jan-Werner. What is
Populism?, University of Pennsylvania Press, 2016).
Com
isso as disputas eleitorais se radicalizam e os resultados só são reconhecidos
como legítimos pelos populistas quando ganham. Uma vez no poder, líderes
populistas tendem a desmontar as instituições estabelecidas, substituídas por
seguidores leais, e consolidam seu poder pela distribuição de benefícios a seus
apoiadores, desprezando as formalidades legais que possam existir.
Eles
também se opõem, sistematicamente, aos produtores de ideias e pensamentos
independentes, como a imprensa e as universidades, já que entendem ser eles, e
mais ninguém, que sabem o que “o povo” quer e o que deve ser feito.
Nem
todos os movimentos populistas têm todas essas características e podem se modificar
em diferentes momentos e circunstâncias. Mas, no limite, ao desmontar as
instituições estabelecidas, substituí-las pelo poder pessoal do líder e não
reconhecer a legitimidade da oposição, o populismo se aproxima do fascismo; e
ao ignorar o Estado de Direito se aproxima dos cleptocratas, sempre dispostos a
vender seu apoio a quem estiver no poder.
Numa
disputa eleitoral, a força do populismo é grande, porque os argumentos de
superioridade moral, identidade e virtudes pessoais de um líder são muito mais
simples e fáceis de comunicar do que argumentos complicados sobre pluralismo,
respeito a instituições e políticas públicas complexas. No entanto, o populismo
também pode ser derrotado, pelo grande número de pessoas que exclui de seu
“povo”, pelo cansaço da beligerância permanente que alimenta e pela
visibilidade da corrupção e da ineficiência com que governa.
A
primeira condição para vencer o populismo é entender e ter respostas melhores
para os problemas legítimos que ele pretende representar – pobreza,
insegurança, discriminação, a ineficiência do serviço público, a corrupção dos
políticos. A segunda é não excluir nem desconsiderar os populistas e seus
seguidores, ou seja, não fazer com os populistas o que eles fazem com seus
oponentes. E a terceira é entender que o processo político-eleitoral não é,
simplesmente, um confronto de argumentos e programas políticos, mas também um
jogo de imagens e identificações que se dão, cada vez mais, nas redes sociais,
e depende de líderes que possam apresentar-se de modo verdadeiro e convincente.
Não
é fácil, mas não é impossível.
*Sociólogo, é membro da Academia Brasileira de Ciências
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