Quando
um ministro do STF está sujeito ao arbítrio, então é certo que o problema é de
'Todo Mundo'
Ou
bem nos afinamos com o devido processo legal ou estamos condenados à crise
permanente. Jair Bolsonaro não caiu da árvore dos acontecimentos rotineiros. É
o mal que brotou na terra devastada, em que se conjuraram todos os ódios contra
a institucionalidade. Aqui e ali, vejo até jornalistas de boa-fé a indagar:
"Mas,
afinal, aquilo que Sérgio Cabral delatou não tem de ser investigado?".
A simples pergunta já carrega a semente da destruição do Estado de Direito e da
própria democracia. O ato de Guidali afronta fundamentos da já amalucada lei de
delações.
Até a Lava Jato do Rio havia se negado a celebrar um acordo com Cabral, assim como a de Curitiba recusara a proposta de Antonio Palocci. A PF tomou para a si a empreitada. Contra a manifestação da Procuradoria-Geral da República, Edson Fachin homologou o acordo. Inquéritos foram abertos e encerrados após nova manifestação da PGR. E havia o tal anexo contra Toffoli, anteriormente recusado pelo próprio MPF.
Não
é persecução penal, mas caçada pessoal. A lei 12.850 —excrescência aprovada em
2013, quando Dilma estava nas cordas em razão dos delírios opostos e combinados
que tomavam as ruas— torna o país refém ou de chantageados pelo que chamo Papol
(Partido da Polícia, que inclui setores da PF, do MP e do Judiciário) ou de
pilantras, como Cabral e Palocci, que resolvem falar depois de saberem o que
não sabem sobre eles.
O
pedido de investigação contra Toffoli é um acinte e um deboche. Cabral,
que se confessou "viciado em poder e dinheiro" —e seria,
então, de se indagar por que estaria curado—, afirma a um policial federal que
ouviu dizer que o ministro, quando no TSE, teria vendido uma sentença. O que há
além da fala do delator? Nada!
Foi
o bastante para Guidali. É o mesmo delegado que teve a ousadia de pedir, em
2019, a prisão
temporária da ex-presidente Dilma Rousseff para que esta, alegou ele,
não criasse obstáculos a uma investigação sobre algo supostamente ocorrido
cinco anos antes. Estupefaciente! Essa rotina de abusos tem de ter fim.
Não
é aceitável uma lei que permita a delação "em qualquer fase da persecução
penal", como está no texto, ou bandidos conduzirão a Justiça e a polícia,
ao invés de ser conduzidos. Não é aceitável ter um Ministério Público com poder
de polícia, o que a Constituição não lhe confere. Não é aceitável uma Polícia
Federal com poder de Ministério Público, o que a lei também não lhe faculta.
Eis uma boa pauta para Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara. Mas ele está
muito ocupado tentando cassar prerrogativas da oposição ou alimentando teorias
conspiratórias sobre urna eletrônica.
Engana-se
quem acha que essa questão diz respeito apenas a Toffoli. Como numa peça de Gil
Vicente, ela fala de "Todo Mundo" e de "Ninguém". Quando um
ministro do STF está sujeito ao arbítrio, então é certo que o problema é de
"Todo Mundo", e, por consequência, "Ninguém" está seguro.
A
força-tarefa do Rio recusou a patuscada de Cabral, mas a Lava Jato era e, em
espírito, é mais ampla do que o Ministério Público. E, por isso, um bolsão da
PF resolveu levar a farra acusatória de Cabral adiante. Duvido que Guidali
acredite que o caso prosperará. Ocorre que a eficácia da iniciativa não está na
abertura da investigação —que se sabe impossível nos termos dados—, mas na
depredação do STF. Nesse sentido, o objetivo foi alcançado.
A quem interessa? A todos os autoritários que ajudaram a matar quase 430 mil pessoas. Bolsonaro e a necropolítica são legados do ataque às instituições, de que o pedido do delegado morista é expressão.
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