sexta-feira, 14 de maio de 2021

Vera Magalhães - O fator Aras de sucesso da CPI

- O Globo

O governo Bolsonaro parece ter se animado com o entrevero entre Omar Aziz e Renan Calheiros em razão do pedido de prisão, negado pelo presidente da CPI da Covid, do ex-assessor Fabio Wajngarten. Não parece um caminho próspero apostar em rachar o grupo de senadores que vem sendo chamado de G7. Ao menos, não agora. Mais promissora é uma aposta no fator Aras de empastelamento da CPI. Mas ele depende de outra equação, bastante complexa.

Na configuração atual, a CPI tem sete votos seguros pela aprovação do relatório do senador alagoano, agora mais “revigorado”, para usar o adjetivo da moda, para responsabilizar Bolsonaro depois que o presidente resolveu declarar guerra pública a ele, em sua base eleitoral.

O PSD de Gilberto Kassab, que poderia ser o partido “pêndulo” no placar da CPI, tem atuado bem fechado. Além de Aziz, que tem sido bastante duro com as tentativas de manobra dos governistas, e eloquente ao apontar graves erros por parte do governo, o outro senador do partido, Otto Alencar (BA), que é médico, tem sido responsável por algumas das inquisições mais duras no colegiado.

Quebrar esse alinhamento do PSD com a oposição poderia até funcionar, mas fica difícil num cenário de desgaste de Bolsonaro nas pesquisas e de negociações avançadas de Kassab para dar outro destino ao partido nas urnas em 2022, que não o palanque reeleitoral do presidente.

Mantido esse quadro, portanto, o relatório de Renan deverá ser aprovado pela maioria da CPI. Os governistas, em menor número e muito titubeantes em termos de estratégia, terão dificuldade para produzir um relatório paralelo e para aprová-lo.

Uma vez aprovado, o relatório tem como destino o Ministério Público Federal. E aqui chegamos a Aras. Dificilmente a CPI concluirá seus trabalhos até julho, quando Bolsonaro tem de indicar o substituto de Marco Aurélio Mello para o Supremo Tribunal Federal.

Se Aras tiver sido o escolhido, um novo procurador-geral da União terá de ser nomeado por Bolsonaro. E será ele a analisar o relatório da CPI quando este chegar à sua mesa.

Se, no entanto, o atual procurador-geral tiver sido preterido pela segunda vez para o STF, como existe grande possibilidade de que seja, procuradores avaliam que sua lealdade a Bolsonaro terá vida mais curta: ele engolirá a derrota em seco enquanto ainda depender do presidente para ser reconduzido para a função, de novo à revelia da lista tríplice e tendo contra si forte oposição da carreira dos procuradores.

Mas, a partir de outubro, procuradores apostam que Aras pode dar um “grito de independência”, até para ter uma segunda metade de mandato menos questionada internamente e não deixar o posto carimbado como engavetador, a exemplo do que ocorreu com Geraldo Brindeiro nos anos FHC.

Também contaria para esse desembarque o paulatino agravamento da situação do presidente, com obstáculos para além da própria CPI: a pororoca de escândalos que deverá surgir com o veio do Orçamento secreto em várias pastas, a tragédia no enfrentamento da pandemia e o reflexo que esses fatores, combinados à grave crise econômica, produzirão na avaliação de Bolsonaro.

Tudo depende do timing que Aras levará para analisar o relatório da CPI e oferecer ou não denúncia a partir dele. Em 2006, Antonio Fernando Souza agiu pari passu à CPI dos Correios e denunciou 40 pessoas pelo mensalão antes mesmo de o relatório final da comissão mista ter sido aprovado.

Mas não precisa ser assim, e Aras poderá segurar o caso para ter Bolsonaro em mãos quando chegar a hora de o presidente reconduzi-lo, em setembro.

Por tudo isso, não basta analisar com lupa a dinâmica da CPI. A responsabilização efetiva de Bolsonaro, Pazuello e companhia depende de outros fatores bastante intrincados, que só ficarão mais claros à medida.

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