STF
à prova
Folha
de S. Paulo
Acusação
contra Toffoli precisa de resposta que preserve credibilidade da corte
Ao
pedir autorização para investigar acusações
feitas pelo ex-governador Sérgio Cabral contra o ministro Dias Toffoli, a
Polícia Federal colocou o Supremo Tribunal Federal sob inédita pressão.
Pela
primeira vez em sua história, a corte precisará decidir se um dos seus
integrantes deve ser investigado por suspeita de corrupção, ou se os indícios
apresentados contra ele são tão frágeis que o caso merece ser arquivado.
Cabral
diz que um dos seus operadores pagou R$ 4 milhões a Toffoli para que favorecesse
dois prefeitos em processos no Tribunal Superior Eleitoral. Segundo
ele, os pagamentos foram feitos por meio do escritório de advocacia da mulher
do ministro. Toffoli nega tudo, assim
como o suposto operador.
Condenado
a mais de 300 anos de prisão por corrupção e outros crimes, Cabral mudou sua
estratégia de defesa há dois anos e fechou um acordo de colaboração premiada
com a PF, passando a fornecer informações na tentativa de obter algum alívio
para suas penas.
O ministro Edson Fachin homologou o acordo e autorizou a abertura de vários inquéritos em 2020, mas Toffoli usou os poderes que tinha como presidente do tribunal na época para arquivar todos, argumentando que faltavam indícios mínimos para justificá-los.
Ao
apresentar ao Supremo novos pedidos de investigação, incluindo o caso de
Toffoli, a Polícia Federal disse ter feito averiguações preliminares para se
certificar de que existem caminhos para elucidar as suspeitas levantadas.
A
legislação brasileira recomenda tratar com extrema cautela delatores como
Cabral. Embora a prescrição seja ignorada frequentemente, sua palavra não vale
nada nos tribunais se não for acompanhada de provas e testemunhos que corroborem
suas afirmações.
Outros
acordos negociados pela PF, como o celebrado com o ex-ministro Antonio Palocci,
foram colocados em xeque depois que as acusações se revelaram infundadas e
foram descartadas pela Justiça.
A
Procuradoria-Geral da República, que negociou com Cabral antes da PF e
desprezou sua colaboração, endossou o arquivamento da primeira leva de
inquéritos, e tudo indica que fará o mesmo com o caso de Toffoli agora.
A
última palavra caberá ao plenário do Supremo, e uma resposta convincente será
essencial para preservar a credibilidade do tribunal. Ter um dos seus membros
investigados causaria enorme desgaste à instituição, mas o dano poderá ser
maior ainda se alegações merecedoras de crédito forem abafadas sem maiores
explicações.
Cartas na mesa
Folha
de S. Paulo
CPI
coleta mais uma evidência da negligência de Bolsonaro na busca por vacinas
A
CPI da Covid no Senado vem dispondo sobre a mesa cartas que embaralham a
estratégia tumultuosa de Jair Bolsonaro para impedi-la de trazer a lume
evidências sobre omissões de seu governo no enfrentamento da pandemia.
O
caso da vacina das empresas Pfizer e BioNTech oferece evidência cabal da mescla
trágica de leviandade, incompetência e negligência na origem de parte da
montanha de 430 mil cadáveres legados pela carência de imunizantes, de
distanciamento social, de coordenação federal, de exemplos de conduta vindos de
cima —de tudo o que era urgente e necessário.
A
carta da Pfizer divulgada pelo ex-secretário de Comunicação da
Presidência Fabio
Wajngarten na quarta-feira (12) foi o segundo documento, em meros nove
dias, a inculpar o presidente.
Antes,
houve a exibida pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta alertando o
Palácio do Planalto das consequências funestas de manter a política
negacionista arquitetada por Bolsonaro.
A
correspondência de setembro de 2020, assinada por Albert Bourla, diretor
mundial da farmacêutica, constitui só o elo intermediário em longa cadeia de
incúria. As primeiras tratativas da Pfizer com o governo brasileiro datam de
maio do ano passado, antes do ensaio clínico de fase 3 que viria a demonstrar
95% de eficácia da vacina.
Em
agosto, a empresa ofertou seu produto pela primeira vez ao Brasil, com opção
para 30 milhões ou 70 milhões de doses. Um pequeno lote de 1,5 milhão aportaria
aqui em dezembro de 2020, e o restante nos 12 meses subsequentes.
A
oferta foi ignorada. Em novembro, duas tentativas de retomar a negociação
fracassaram. Entre uma e outra, deu-se o envio da missiva mostrada na CPI por
Wajngarten, que testemunhou a senadores ter buscado Bolsonaro para interceder
pela reabertura dos contatos. Em vão.
Em
fevereiro, a empresa voltou à carga, então para vender 100 milhões de doses,
mas só em março se assinou o contrato que poderia ter sido fechado oito meses
antes.
O
Planalto tergiversou todo esse tempo, alegando cláusulas leoninas que outros
países, no entanto, aceitaram —isso quando Bolsonaro não lançava dúvidas sobre
a própria imunização, de par com outras manobras de sabotagem.
Quantas
vidas seriam salvas se Bolsonaro tivesse agido com a previdência imprescindível
ante a epidemia? A pergunta é retórica, mas a CPI poderá detalhar a extensão da
responsabilidade do presidente se esmerar-se na documentação de fatos
sobejamente conhecidos.
Lula é beneficiário da insatisfação com Bolsonaro
O
Globo
Apenas dois em cada cinco brasileiros dizem saber em quem votarão nas eleições de 2022, segundo a última pesquisa DataFolha. Com quase 60% dos votos indefinidos, qualquer análise dos números é prematura. Ainda assim, lidos com o devido cuidado, eles pintam um quadro que favorece o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é bastante ruim para o presidente Jair Bolsonaro e dificílimo para qualquer candidato que até agora tenha se apresentado como terceira via entre os dois.
Colocados
diante das opções, 41% dos eleitores escolhem Lula (espontaneamente, 21%) e
23%, Bolsonaro (espontaneamente, 17%). Num segundo turno entre os dois, a
distância chega a 23 pontos percentuais, patamar confortável para a vitória
lulista caso a eleição fosse hoje. Mais importante, Bolsonaro é rejeitado por
54% do eleitorado, maior taxa entre todos os candidatos e número que, se
mantido, inviabilizaria a reeleição. O voto lulista se concentra entre os
nordestinos, os que têm nível fundamental de escolaridade, os que ganham até
dois salários mínimos. O bolsonarista, entre empresários, entre quem ganha entre
5 a 10 salários mínimos e entre habitantes da Região Sul.
O
mesmo Datafolha constatou queda de seis pontos percentuais na aprovação de
Bolsonaro, que atingiu o patamar mais baixo desde o início do governo (24%). A
reprovação chegou a 45% do eleitorado, mesmo nível do auge da pandemia em junho
de 2020. Outra pesquisa, do PoderData, traça um cenário um pouco mais favorável
a Bolsonaro, que aparece empatado com Lula em intenções de voto, embora seja
derrotado por uma diferença de 15 pontos no segundo turno. Nessa sondagem,
ambos são rejeitados pela mesma quantidade de eleitores, aproximadamente metade
da amostra.
Independentemente
do termômetro usado, não há dúvida de que a gestão desastrosa da pandemia
atingiu em cheio a imagem do presidente, hoje dependente dos grupos mais fiéis
de eleitores. Nem de que o principal beneficiário desse descontentamento até
agora tem sido Lula, que recuperou seus direitos políticos e voltou a
reconquistar grupos de eleitores que o PT perdera, em particular os mais
pobres.
A
questão que as pesquisas deixam em aberto é se algum nome será capaz de romper
a polarização entre Lula e Bolsonaro. Até o momento, a resposta é negativa. Dos
apresentados ao eleitor, os de maior expressão são o ex-juiz Sergio Moro e o
ex-ministro Ciro Gomes (com 7% e 6%, respectivamente, no Datafolha). Na
pesquisa espontânea, apenas Ciro aparece, com 2%. Todos os demais são quase
ignorados, embora vários tenham potencial de voto evidente, seja pela
notoriedade, seja pelos baixos índices de rejeição.
Construir
uma terceira via com tanta gente pleiteando o posto não será tarefa trivial. O
primeiro desafio é tentar unir todos os que se opõem a Lula e Bolsonaro em
torno de um só nome — pois não haverá espaço para dois numa disputa já
polarizada. Iniciativas adotadas por Ciro ou pelo governador paulista, João
Doria, têm até o momento tido pouco efeito na mente do eleitor. A insatisfação
com Bolsonaro tem sido canalizada para Lula.
É
verdade que ainda é cedo para saber se o quadro desenhado pelas pesquisas
perdurará até o início da campanha eleitoral. Tudo pode acontecer. Mas, se
alguém tiver a intenção de se apresentar como alternativa viável à polarização,
o tempo está se esgotando.
Senado
tem de rejeitar ‘mãe de todas as boiadas’ aprovada na Câmara
O
Globo
A Câmara terminou de aprovar ontem aquela que ambientalistas têm chamado de “mãe de todas as boiadas”, o projeto da Lei Geral de Licenciamento Ambiental, de autoria do deputado Neri Geller (PP-MT), da Frente Parlamentar da Agropecuária. A intenção alegada é “desburocratizar” o andamento dos pedidos de licenciamento e dar “segurança jurídica” aos investidores. O que os deputados aprovaram, na verdade, foi uma espécie de liberou geral nas obras, sem maiores preocupações com o meio ambiente. É isso que precisa ser levado em conta no Senado, para onde seguirá o projeto.
Depois
que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), conferiu regime de urgência à
tramitação da proposta, nada menos que nove ex-ministros do Meio Ambiente
lançaram um alerta contra o projeto (Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krauze,
Izabella Teixeira, José Carlos Carvalho, José Goldemberg, José Sarney Filho,
Marina Silva e Rubens Ricupero).
Com
a pressão, houve atenuações: a mineração foi tirada do alcance da lei,
aprovaram-se normas pouco mais rígidas para a duplicação de estradas e, a
depender do local do empreendimento, haverá estudo de impacto ambiental. Apesar
de tudo isso, o texto aprovado continua a representar um enorme retrocesso. Por
vários motivos.
Acaba
com a exigência de análise de impacto ambiental de empreendimentos, pondo em
risco áreas de conservação e a biodiversidade. Entre os serviços dispensados,
estão distribuição de energia elétrica com baixa tensão, estações de tratamento
de água e esgoto, melhoramentos em instalações existentes, além de atividades
rurais como pecuária e cultivo agrícola.
O
principal foco das críticas é uma espécie de “licença autodeclaratória”,
chamada Licença por Adesão e Compromisso (LAC), com renovação automática pela
internet. Em princípio, a LAC seria destinada a projetos de baixo impacto
ambiental e pequeno porte, mas o critério é vago a ponto de abarcar a maioria
dos empreendimentos no Brasil (segundo a carta dos ministros, até barragens de
rejeitos minerais). Quase tudo poderá ser feito sem qualquer atenção a
desmatamento ou grilagem.
O
texto também permite ampliar hidrelétricas sem os devidos cuidados ambientais.
Ao contrário do que promete Geller, abrirá a porta a ainda mais judicializacão
nos pedidos de licenciamento em obras do tipo, com consequente aumento da
insegurança jurídica. Não custa lembrar o histórico sofrível do Brasil no
setor, em particular nas obras das hidrelétricas de Balbina, Santo Antônio,
Jirau e Belo Monte.
O
projeto de Geller também avança na desidratação do sistema de regulação ambiental
ao permitir que estados e municípios tenham regras próprias de licenciamento.
Incentiva disputa entre governadores e prefeitos para atrair investimentos e
abre outra porta à judicialização. Nessa guerra, o resultado previsível será
sempre a degradação ambiental. Pelo menos, o projeto ainda precisa passar pelo
Senado, onde precisa ser rejeitado.
Cenário sombrio
O
Estado de S. Paulo
Um
segundo turno entre Lula da Silva e Jair Bolsonaro oporia o atraso ao
retrocesso, a indecência à imoralidade, a desfaçatez ao cinismo
A
mais recente pesquisa de intenção de voto para a eleição presidencial de 2022
realizada pelo Datafolha mostra o ex-presidente Lula da Silva na liderança, com
41%. Em segundo lugar aparece o atual presidente, Jair Bolsonaro, com 23%.
A
distância entre o líder petista e o presidente Bolsonaro já impressiona, mas é
também impressionante o fato de que Lula possa vencer ainda no primeiro turno,
pois está somente seis pontos porcentuais abaixo da soma de todos os demais
candidatos apresentados (incluindo Bolsonaro). E esse dado causa admiração
especialmente porque Lula da Silva representa tudo o que o Brasil vem
repelindo, eleição após eleição, desde 2016.
Recorde-se,
porque aparentemente o País esqueceu, que Lula da Silva comanda com mão de
ferro um partido que protagonizou os maiores escândalos de corrupção da
história nacional. Digam o que disserem os advogados dos “guerreiros do povo
brasileiro”, como os petistas condenados foram chamados por seus
correligionários, o fato é que bilhões foram desviados da Petrobrás e de outras
fontes para financiar o projeto autoritário de poder lulopetista.
Recorde-se
ainda que Lula da Silva recuperou seus direitos políticos não por ter sido
absolvido das cabeludas acusações de corrupção que pesam contra ele, mas porque
o Supremo Tribunal Federal considerou que o ex-presidente não foi julgado em
foro adequado e que o juiz que o condenou na primeira instância era suspeito.
Ele não foi inocentado e os processos contra Lula continuam correndo.
O
partido de Lula da Silva, ademais, estrelou a mais profunda crise econômica da
história recente do País, fruto exclusivo da estatolatria lulopetista,
desperdiçando histórica oportunidade para promover um salto no desenvolvimento
nacional.
Ressalte-se
que esse desastre se deu, sobretudo, no governo de Dilma Rousseff, criatura de
Lula da Silva. O fato de que hoje o demiurgo de Garanhuns se esquece de citar
Dilma em seus discursos, torcendo para que os brasileiros se esqueçam do
terrível período entre 2011 e 2016, não faz da ex-presidente uma entidade
etérea do folclore nacional, ao lado do saci-pererê e da mula sem cabeça.
Dilma
Rousseff é bem real, e seu governo patrocinou um dramático retrocesso social, a
despeito da propaganda oficial petista. Entre 2014 e 2016, enquanto seu governo
festejava a realização da Copa do Mundo e da Olimpíada no Brasil, cresceu em
53% a fatia da população que vivia com renda inferior a um quarto de salário
mínimo por mês, conforme dados do IBGE.
É
essa impostura que o sr. Lula da Silva representa. O País já deveria ter
entendido com quem está lidando, pois lá se vão quatro décadas desde a fundação
do PT, mas aparentemente muitos eleitores ignoram ou relativizam as muitas
evidências de que Lula da Silva representa o atraso e, já testado e reprovado,
é incapaz de propor alternativas racionais e eficientes para tirar o Brasil de
sua imensa e longa crise.
Mantido
o cenário constatado pelo Datafolha, vislumbra-se ou um segundo turno entre
Lula da Silva e Bolsonaro ou até mesmo uma vitória do petista ainda no primeiro
turno, já que 54% declararam que não votarão no presidente de jeito nenhum e
somente 24% aprovam seu governo.
É
o pior dos mundos. Um segundo turno entre Lula da Silva e Jair Bolsonaro oporia
o atraso ao retrocesso, a indecência à imoralidade, a desfaçatez ao cinismo. É
impossível que o desfecho de tal disputa resulte em algo positivo para o País,
especialmente porque, em qualquer dos casos, o vencedor certamente aprofundará
a discórdia entre os brasileiros.
A
própria pesquisa, no entanto, indica que há uma boa chance de evitar tal
desastre. No levantamento com respostas espontâneas – quando o eleitor cita o
nome do candidato que lhe vem à cabeça –, 49% dos entrevistados dizem não saber
em quem pretendem votar. Há, portanto, um imenso campo para que um candidato de
centro, que defenda a responsabilidade na administração pública e resgate o
diálogo político como a essência da democracia, possa se apresentar a esse
significativo contingente de eleitores, cansados da gritaria petista e bolsonarista.
Discursos de ódio nas redes digitais
O
Estado de S. Paulo
Com
as redes sociais foram criadas condições para a proliferação da intolerância
A liberdade de expressão é um valor fundamental da democracia, mas não é absoluto. Expressões que atentem contra a própria liberdade de expressão ou outras liberdades fundamentais não podem ser toleradas. Como constatou o filósofo Karl Popper, a tolerância contém um aparente paradoxo: para que uma sociedade se mantenha tolerante, ela não pode tolerar a intolerância. O problema foi intensificado com a emergência das redes sociais.
O
equilíbrio entre a liberdade de expressão e o combate à intolerância nas redes
foi tema de um estudo
do projeto Digitalização e Democracia da Fundação Getulio Vargas (FGV),
com o propósito de subsidiar estratégias de enfrentamento aos desafios
derivados do ambiente virtual.
A
definição do discurso de ódio em si já é um problema de monta. Em sentido
amplo, abrange desde ofensas como calúnia, injúria e difamação até o mero
insulto. Em sentido estrito, são discursos que incitam à violência.
O Guia de análise de discurso
de ódio da própria FGV define discursos de ódio como “manifestações
que avaliam negativamente um grupo vulnerável ou um indivíduo enquanto membro
de um grupo vulnerável, a fim de estabelecer que ele é menos digno de direitos,
oportunidades ou recursos do que outros grupos e indivíduos membros de outros
grupos, e, consequentemente, legitimar a prática de discriminação ou
violência”. A definição é relevante, por especificar um elemento distintivo em
relação às meras manifestações depreciativas: a restrição de direitos, tanto
pelo estímulo à discriminação quanto à agressão física.
Os
discursos de ódio não foram inventados pelas redes digitais – eles são tão
antigos quanto a humanidade –, mas elas criam condições inusitadas para a sua
proliferação.
Do
ponto de vista do comportamento dos usuários, a anonimidade remove barreiras de
responsabilização e diminui a possibilidade de confronto entre o agressor e a
vítima. Essa invisibilidade (a não presença visual do agressor e da vítima)
facilita as agressões. Ao contrário das mídias tradicionais – pense-se, por
exemplo, no tempo e dinheiro despendidos para produzir, imprimir e circular um
panfleto –, as mídias digitais facilitam a hostilidade impulsiva, massiva e sem
barreiras geográficas.
Do
ponto de vista dos veículos, as condições também são peculiares: por um lado,
as redes digitais não produzem conteúdo, e, portanto, não são
responsabilizadas, como as mídias tradicionais, pelas manifestações dos
usuários; por outro lado, não são espaços de discussão totalmente públicos e
neutros, mas espaços privados, regulados por empresas que inclusive obtêm
lucros com a interação dos usuários. Seus algoritmos, por exemplo, são
programados não para promover mensagens verdadeiras ou virtuosas, mas sim as
que geram mais visibilidade, funcionando como “câmaras de eco” – inclusive do
ódio.
Tais
características tornam mais complexo o debate entre pesquisadores, legisladores
e a indústria de tecnologia em torno do combate ao discurso de ódio sem
prejuízo à liberdade de expressão.
Alguns
consensos parecem estar em vias de consolidação. Um deles é reduzir o alcance
de perfis não verificados. Outro é reduzir o estímulo às performances públicas
em favor de comunicações autênticas, por exemplo, restringindo a relevância de
“likes” e “compartilhamentos” para a propagação das publicações, de modo que
elas possam ser avaliadas pelos seus próprios méritos. A informação também pode
ser qualificada por meio de mais mecanismos que alertem os usuários sobre
conteúdos potencialmente tóxicos. Atualmente, há muito pouca transparência em
relação aos algoritmos empregados pelas redes. Isso sugere a criação de grupos
independentes de especialistas para auditarem os algoritmos de acordo com
diretrizes de interesse público.
Seja
pela autorregulação das próprias mídias digitais (um modelo privilegiado nos
EUA), seja pela regulação do Estado (modelo privilegiado na Europa), o fato é
que será preciso minimizar as condições que facilitam e estimulam o discurso de
ódio.
Uma reforma para o crescimento
O
Estado de S. Paulo
Manifesto
da indústria defende reforma ampla dos tributos em vez de um processo fatiado
O Brasil poderá ganhar mais investimento produtivo, mais crescimento e mais emprego se for aprovada uma reforma tributária ampla, em vez de fatiada, argumentam dirigentes da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e de mais 35 entidades setoriais, em manifesto divulgado ontem. O documento é um alerta aos presidentes da Câmara e do Senado, defensores da mudança parcial – e em etapas – proposta pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. A solução defendida pelos líderes empresariais é mais próxima do texto apresentado pelo relator da reforma tributária, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), e baseado principalmente nas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) 45 e 110, já em tramitação no Congresso.
Criar
uma economia mais eficiente e mais competitiva é o objetivo central da solução
valorizada pelos empresários. Seu manifesto reflete uma concepção de
desenvolvimento com maior inserção no sistema internacional, maior geração de
empregos e maior criação de oportunidades para os cidadãos. São ideias quase
sempre ausentes das manifestações de um governo avesso ao planejamento e à
elaboração de projetos para a economia real e para o desenvolvimento social.
Em
recente reunião com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado,
Rodrigo Pacheco (DEM-MG), o ministro da Economia propôs uma reforma em etapas.
Dois capítulos seriam iniciados na Câmara e dois no Senado e em seguida sua
tramitação seria completada na outra Casa. Completado o processo, no entanto, o
resultado final seria muito modesto, quando comparado com as necessidades do
País e com o potencial de uma reforma bem mais ampla.
O
governo propõe, para começar, a fusão do PIS e da Cofins numa Contribuição
sobre Bens e Serviços (CBS). Os governos estaduais poderão aderir, se quiserem,
acrescentando a esse bolo o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS). Em outra etapa o Imposto sobre Produtos Industrializados será
convertido num tributo seletivo sobre certos bens com “externalidades
negativas”, como cigarros e bebidas. A mudança prosseguiria com a redução do
imposto sobre o ganho empresarial e o aumento da cobrança sobre dividendos e
ativos financeiros. O processo ainda envolveria uma nova renegociação com
devedores de impostos federais.
Simplificar
a tributação seria sem dúvida um avanço importante, mas a complexidade é apenas
um dos defeitos do sistema brasileiro. A proposta governamental avança um pouco
mais com a ideia de aliviar o imposto sobre o lucro e aumentar a cobrança sobre
dividendos e ganhos financeiros. Mas é pouco ambiciosa quanto à correção do
sistema.
A
tributação brasileira, além de injusta, é disfuncional, porque encarece a
produção e o investimento produtivo. Não há como eliminar ou reduzir esses
problemas sem mexer no ICMS, o mais importante tributo estadual. A proposta do
relator da reforma tributária vai mais longe, ao prever a fusão do ICMS e de
tributos federais num imposto sobre o valor agregado, semelhante àquele
encontrado em países desenvolvidos. Não tem sentido, segundo o deputado
Aguinaldo Ribeiro, insistir em tratar separadamente os tributos cobrados em
cada nível de governo pelos entes federativos.
Esse
ponto de vista é sustentado também pelos signatários do manifesto. “A avaliação
da reforma tributária deve ser feita”, segundo o documento, “com base nos
ganhos a serem obtidos pelo país como um todo, sem se limitar a uma visão
parcial dos efeitos sobre determinados setores ou entes da federação.”
Segundo
estudos citados no manifesto, uma reforma tributária ampla poderá elevar em até
20% a taxa de crescimento econômico nos próximos 15 anos. A reforma, observam
os autores do texto, proporcionará esses benefícios por meio do aumento da
competitividade internacional e da melhor alocação de recursos. Esse é o tipo
de reforma defendido há muitos anos por estudiosos e empresários conhecedores
do tema. Mas essas ideias foram ignoradas pelo governo e pelos dirigentes da
Câmara e do Senado. Ainda há tempo de evitar um novo erro.
Novo regimento da Câmara é retrocesso em toda linha
Valor
Econômico
Uma
Câmara regida pelo Centrão demonstra que o todo pode ser ainda pior do que a
soma de suas partes
O
deputado Arthur Lira tem pressa em obter os instrumentos que lhe deem, e a seus
aliados, o controle seguro das votações que passam pela Câmara dos Deputados.
Para isso, precisava limitar o espaço da oposição, e foi isso que fez em grande
velocidade ao obter a aprovação da mudança do regimento interno da Casa, ontem,
por 337 votos a favor e 110 contrários. Não se trata só de uma disputa de poder
corriqueira no Legislativo. O apoio do presidente Jair Bolsonaro à ascensão de
Lira e a promessa de Lira de admitir alguns dos projetos nefastos do governo
indicam o tamanho da regressão que está a caminho.
O
regimento interno sempre pode ser aperfeiçoado para dar mais objetividade e
profundidade aos trabalhos. Lira e o autor do projeto, deputado Eli Borges
(Solidariedade-TO) estão mais interessados, no entanto, na celeridade e na
sujeição da minoria. A lentidão das votações nunca foi um problema, a rigor. Já
se aprovaram propostas de emenda constitucional em um par de dias, ou menos. O
objetivo é reduzir o papel da oposição e as maneiras pelas quais ela pode
influir no essencial debate parlamentar, seja por meio da discussão de suas
posições, seja pela obstrução, forma eficiente de atrair a atenção da opinião
publica para a importância de alguns projetos.
A
reforma do regimento é ampla e segue a lógica do rolo compressor. Uma das
principais mudanças visa impedir a votação nominal em prol da votação
simbólica, onde os votos são contados pelo número de mãos levantadas pelos
deputados no plenário. A norma fere a essência da relação entre representantes
e representados, dificultando aos últimos conhecer que posições políticas e
projetos defenderam os primeiros.
O
novo regimento, ao eliminar o prazo fixo de duração das sessões deliberativas e
ordinárias, acaba com a chance de a oposição reapresentar suas propostas e
requerimentos de adiamento da discussão dos projetos em pauta.
A
redução da possibilidade de influenciar o debate se amplia ao cercear os destaques
apresentados pelos deputados, que passarão a ser admitidos só se os líderes,
por unanimidade, concordarem com eles.
Os
projetos de urgência urgentíssima terão caminho desobstruído para prosperar. Se
seu status de urgência for aprovado e colocado em votação na mesma sessão (que
não tem mais duração definida) não será mais admitida a apresentação de
requerimento de sua retirada de pauta. Se todos os pareceres já tiverem sido
dados, também não será mais possível apresentar requerimento de retirada da
pauta.
Em
prol da celeridade, chega-se agora a permitir que a votação de uma matéria
poderá ocorrer apenas 10 minutos depois de o parecer do relator em relação a
emendas do plenário estiver disponível no sistema da Câmara. A possibilidade de
apresentar emendas aglutinativas, o ajuste de textos antes existentes sobre um
projeto durante a tramitação, dando-lhe nova redação, foi muito restrita. As
novas regras aumentam de um décimo para maioria absoluta, 257 deputados, a
representação dos líderes de partidos que as assinarem para que possam ser
admitidas.
Antes,
o plenário precisaria concordar com o início de uma votação antes que as
orientações de bancada fossem encerradas. Não mais. Apesar de dobrar o número
de deputados a debater um projeto, de seis para doze, o tempo que os partidos
terão para expor suas posições será reduzido de um minuto para 30 segundos.
Um
consolo para os partidos de oposição é que o novo regimento poderia ser ainda
pior. Uma concessão deixou de fora a ideia de permitir a votação de todos os
destaques de uma só vez, colocando alhos e bugalhos no mesmo saco e jogando-o
fora. Ainda que o velho regimento pudesse conter bizarrices, o sentido das
mudanças é o de que o tempo para discussão das futuras leis que regerão o país
vai diminuir, piorando sua qualidade, que já era muito ruim.
As
modificações não vieram com rapidez, e agora, à toa. O último projeto aprovado
pela norma antiga foi o da restrição avantajada da necessidade de licenciamento
ambiental, adicionando novo prejuízo à já horrível imagem do país. Mas vem
muita coisa ruim por aí. Por exemplo: Lira instalou ontem a comissão especial
para a PEC do voto impresso. A comissão que examina as mudanças das regras
eleitorais funciona a toque de caixa para desfigurar ainda mais um sistema de representação
cheio de falhas, trazendo de volta vícios que foram eliminados.
Uma Câmara regida pelo Centrão demonstra que o todo pode ser ainda pior do que a soma de suas partes. O retrocesso é evidente.
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