sexta-feira, 28 de junho de 2024

Luiz Carlos Bresser-Pereira - Europa Ocidental à deriva

Valor Econômico

Semiestagnação e ameaça do nacional populismo avançam na região em que a forma de capitalismo é a mais avançada

Nas eleições recentes para o Parlamento Europeu, a direita radical fez novos avanços. Ao contrário do que se previa, não foi uma grande vitória, mas fez estragos nos dois países centrais da zona do euro, a França e a Alemanha. Já nos Estados Unidos, essa direita já esteve no poder e poderá voltar a ele no final deste ano. Não quero, porém, discutir esse país, mas sim a Europa Ocidental. Meu argumento é que o capitalismo do mundo rico está em crise - uma crise mais política do que econômica - e esta crise se vê mais claramente no Europa Ocidental.

Minha impressão é que esta região está à deriva. Seus dirigentes não sabem que rumo tomar. No pós-guerra, os europeus ocidentais construíram o capitalismo mais avançado de que temos notícia. Um capitalismo social-democrático. Em 1990 seu PIB per capita era quase igual ao dos Estados Unidos, enquanto a distribuição de renda era (e continua a ser) substancialmente melhor, o mesmo valendo para a qualidade de vida. Mas, desde então, a Europa Ocidental vem crescendo 50% menos do que os Estados Unidos. Entre 1990 e 2023 o PIB per capita cresceu 66% nos Estados Unidos contra apenas 48% na Europa Ocidental. Se considerarmos um período mais recente, de 2010 e 2023, as taxas médias de crescimento do PIB foram de 2,1% nos Estados Unidos contra 1,4% na Europa Ocidental.

No plano político interno, a Europa Ocidental parece melhor do que os Estados Unidos. A crise política se expressa em uma polarização sem precedentes nos Estados Unidos, onde o Partido Republicano deixou de ser uma legenda simplesmente conservadora para ser um partido da direita radical - um partido nacional-populista. Eu prefiro não falar em extrema direita, porque o nacional-populismo de Trump, ainda que antidemocrático, não pretende acabar com a democracia porque é dela que o populismo vive.

Há duas causas para a polarização e para a confusão que dela deriva: a imigração e a importação de bens dos países em desenvolvimento. Elas implicam redução dos salários, senão desemprego ou piora da qualidade do emprego nos países ricos

A polarização é uma doença social, já que uma boa sociedade é uma sociedade coesa, na qual existem conflitos de classe e de grupos, mas em um quadro social no qual existem objetivos comuns e os contendores se respeitam.

Há duas causas diretas para essa polarização e para a confusão que dela deriva: uma é a imigração, a outra é a importação de bens dos países em desenvolvimento, principalmente da China. As duas implicam redução dos salários, senão desemprego ou piora da qualidade do emprego para os trabalhadores dos países ricos. Uma questão para a qual os neoliberais não têm resposta, porque defendem a imigração e rejeitam o uso de tarifas para proteger a produção nacional, nem tem a esquerda que, por uma questão de direitos humanos, não se dispõe a restringir duramente a imigração.

Temos também duas causas indiretas. Nos Estados Unidos, a forte concentração de renda que marcou a era neoliberal (1980-2020), na Europa Ocidental, o baixo crescimento. E uma terceira, a China, cujo PIB, em termos de paridade do poder de compra, já é 25% maior dos que os Estados Unidos, e cujo PIB per capita no período 1990 a 2023 foi de 6,7%! Ou seja, uma China que cresce três vezes mais rápido que os Estados Unidos, e quase cinco vezes mais rápido do que a Europa Ocidental, não obstante sua taxa de crescimento tenha caído desde a pandemia.

Para a concentração de renda, que foi o principal responsável por esse aumento da desigualdade, a centro-esquerda tem soluções na linha da social-democracia, enquanto o neoliberalismo de centro-direita não as tem. Já para o baixo crescimento da Europa Ocidental não vejo soluções à vista.

Não posso deixar de comparar a Europa Ocidental com a América Latina, apesar da grande diferença de PIB per capita. Desde 2010, o crescimento médio nessa região foi de 0,8%. Por isso há tempos eu afirmo que a região está semiestagnada. Podemos dizer a mesma coisa da Europa Ocidental, com seus 1,4% de crescimento? Creio que sim.

Europa Ocidental e América Latina têm um ponto em comum. Ambas as regiões se subordinaram aos Estados Unidos - a Europa Ocidental, um pouco depois deste país e o Reino Unido terem feito a sua virada neoliberal em 1980, com Ronald Reagan e Margaret Thatcher; a América Latina, em torno de 1990, quando os países abriram suas economias. Ora, quando duas regiões se subordinam a um país mais poderoso, pagarão os custos dessa dependência.

As duas regiões adotaram o neoliberalismo, mas de maneira diferente. A Europa, com seus PhDs em economia, funcionários da Comissão Europeia, a América Latina, também com economistas PhDs; todos obtidos em universidades onde se ensina a Teoria Econômica Neoclássica e a ortodoxia neoliberal. Em consequência, a política econômica, nos países dessas duas regiões, é 100% neoliberal e o crescimento resultante é precário.

Já os Estados Unidos não se deixam dominar pela ortodoxia neoliberal, ainda que lá esteja a maioria dos departamentos ortodoxos de economia. O controle continua com os políticos, que são mais pragmáticos, e veem sempre como necessário um certo grau de intervenção do Estado na economia. São políticos quase desenvolvimentistas, senão estritamente desenvolvimentistas conservadores, como é o caso de Trump e Biden. Repete-se, assim, a velho princípio: “Faça o que eu digo, não o que eu faço”.

Voltando à Europa Ocidental, ela está pateticamente subordinada aos Estados Unidos. Dominique de Villepin, o notável ministro das Relações Exteriores da França durante a Guerra do Iraque, em artigo no último número de Le Monde Diplomatique (maio 2024), escreve sobre uma Europa ameaçada que não consegue afirmar sua soberania territorial, sua soberania tecnológica e “sua soberania econômica ameaçada pelo impulso do protecionismo e do planejamento industrial que os Estados Unidos estão pragmaticamente perseguindo com Trump e agora Biden”.

Sim, a Europa está aliada aos Estados Unidos, mas vale a pena uma aliança com um sócio maior?

Um comentário:

Daniel disse...

Excelente! O autor afirma a verdade com todas as palavras: "Europa Ocidental e América Latina têm um ponto em comum. Ambas as regiões se subordinaram aos Estados Unidos"!
E prossegue: "As duas regiões adotaram o neoliberalismo".