quarta-feira, 10 de setembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Congresso também é responsável por alimentar crise fiscal

Por O Globo 

Não bastassem as emendas, tramita no Parlamento pauta-bomba com impacto estimado em R$ 156 bilhões

Não é novidade a incúria fiscal do Executivo no governo Luiz Inácio Lula da Silva. Mas a irresponsabilidade do Legislativo com os gastos públicos, ainda que menos falada, tem sido tão nociva quanto. E não apenas pela generosidade com as emendas parlamentares, que não encontra paralelo no planeta. Atualmente, 13 propostas em diferentes estágios de tramitação no Congresso podem ter impacto de pelo menos R$ 156 bilhões na contas públicas, de acordo com reportagem do jornal Valor Econômico. Até parece que há dinheiro sobrando e a dívida pública está sob controle.

Aprovada na Câmara, a ampliação das obrigações do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS) pode gerar despesa extra de R$ 37,5 bilhões. Outro texto à espera de avaliação do Senado acrescenta R$ 30 bilhões aos gastos, ao autorizar o uso de dinheiro do Fundo Social do Pré-Sal para financiar produtores rurais afetados por eventos climáticos. Uma terceira proposta expande benefícios fiscais a empresas que investirem em pesquisa e tecnologia, ao custo de R$ 30 bilhões. Há ainda projeto de elevar os limites do Simples Nacional, regime de tributação especial, criando despesa anual recorrente de R$ 9 bilhões. E por aí afora. Algumas propostas têm impacto imediato e único, outras terão efeito permanente no Orçamento.

Por mais que os objetivos possam parecer sensatos, os parlamentares têm discutido novos gastos ou renúncias de receita sem condicionar sua aprovação a cortes, como determina a Lei de Responsabilidade Fiscal. Com isso, a conta da dívida só faz crescer. É o que acontecerá se for aprovada a mudança no FCVS. O fundo já opera com patrimônio líquido negativo. O rombo chegou a R$ 53 bilhões em 2024. O projeto prevê que se torne responsável pelos pagamentos feitos por seguradoras em processos ligados a uma antiga apólice do Seguro Habitacional do Sistema Financeiro de Habitação. O texto chega a abrir a possibilidade de as empresas solicitarem ressarcimento antes de os processos atingirem a última instância da Justiça. Mesmo que o FCVS estivesse no azul, beneficiar as seguradoras dessa forma seria um acinte.

Outra ideia descabida é a extensão do Simples Nacional, que já figura como maior gasto tributário da União e cujo objetivo original — incentivar as pequenas empresas — foi completamente desfigurado pelo uso da benesse por profissionais para pagar menos imposto. E, quanto mais empreendedores usufruírem a isenção, maior será a conta dos que ficam de fora. No nível em que está, a faixa de enquadramento no Simples já é superior ao de programas similares em outros países.

A dívida pública continua a crescer, e o endividamento brasileiro está bem acima da média dos demais países emergentes. Quanto mais sobe, mais distante o cenário de queda sustentada dos juros e a possibilidade de investir mais para criar empregos melhores. Cientes disso, as lideranças do Congresso deveriam dar exemplo de responsabilidade fiscal. Controlar o gasto público é missão conjunta de Executivo e Legislativo. Não bastasse o volume abusivo das emendas parlamentares, os congressistas ainda se põem a distribuir recursos públicos escassos para atender grupos de interesse os mais variados. Com a contribuição bilionária do Planalto para inflar os gastos, não é um acaso que o Brasil se revele incapaz de sanar sua crise fiscal crônica.

Prisão de TH Joias revela extensão da infiltração do crime nas instituições

Por O Globo

Existência de deputado do CV mostra por que é urgente aprovar PEC da Segurança e Lei Antimáfia

Uma operação das polícias Federal (PF), Civil fluminense e do Ministério Público do Rio de Janeiro prendeu na semana passada o então deputado estadual Thiego Raimundo dos Santos Silva (MDB), conhecido como TH Joias, que perdeu o mandato e foi expulso do partido logo depois. Ourives, TH não apenas trabalhava em defesa dos interesses da organização criminosa Comando Vermelho (CV) na Assembleia Legislativa (Alerj), como operava uma ativa lavanderia de dinheiro do CV, convertendo em dólares o produto de atividades ilegais. Não há evidência mais eloquente da infiltração do crime organizado no Estado brasileiro do que esta: uma das maiores facções criminosas do país tinha um deputado para chamar de seu.

A expansão do crime pela economia formal já ficara evidente no mês passado, com a operação envolvendo autoridades estaduais e federais contra o Primeiro Comando da Capital (PCC), a maior facção brasileira. Entre os alvos havia fintechs e fundos de investimento sediados no coração financeiro paulistano, a Avenida Faria Lima, usados pelo PCC para lavar dinheiro. O esquema se estendia também à produção de açúcar e álcool em São Paulo, com o controle de pelo menos quatro usinas. Confirmou-se que a organização criminosa é dona de mais de mil postos de gasolina em dez estados, tendo movimentado R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024. Controlava da produção ao abastecimento, com adulteração de combustíveis e, naturalmente, sonegação.

No Rio, TH tinha um esquema próprio de informantes em órgãos públicos. Foram interceptadas ligações que recebeu de alguém que se apresentava como “seu irmão”, pedindo ingresso para o desfile de escolas de samba. O “irmão”, segundo a PF, era Gustavo Stteel, delegado da própria PF, que cumpria missões importantes para TH, como obter informações sobre inquéritos de interesse do CV. Além de Stteel, TH contava com a colaboração de Alessandro Pitombeira Carracena, ex-subsecretário de Defesa do Consumidor. Advogado, Carracena chegou a ser presidente do Conselho Administrativo da Guarda Municipal do Rio. A estrutura criminosa infiltrada servia para minar a atuação do poder público contra o CV. Foi graças a ela que os traficantes Gabriel Dias de Oliveira, conhecido como Índio do Lixão, e Luciano Martiniano da Silva, o Pezão, escaparam de operações policiais.

A prisão de TH mostra por que é fundamental reformar a estrutura de segurança pública, para estimular a troca de informações entre as diversas polícias. Ela só foi possível graças à ação conjunta de policiais federais e estaduais, com base em investigação sólida. Também se trata de mais um argumento em favor da aprovação da PEC da Segurança, que facilita essa integração, e da nova Lei Antimáfia, defendida pelo promotor Lincoln Gakiya, do MP de São Paulo. Profundo conhecedor do PCC, Gakiya fez o seguinte diagnóstico sobre a situação que vivemos em recente entrevista ao GLOBO: “É mais fácil dizer em qual ramo da economia o PCC não está”. E, como mostra a prisão de TH, pelo visto da política também.

Trump soma ameaças militares às econômicas

Por Folha de S. Paulo

Republicano mira Maduro, mas, por abjeto que seja o ditador, é ingerência que se imaginava extinta na região

Casa Branca declarou que usaria seu poder para proteger a liberdade de expressão no mundo, pretexto para as sanções comerciais ao Brasil

Em 1949, os Estados Unidos finalizaram a transformação do antigo Departamento da Guerra, existente desde 1789, na pasta da Defesa. A ideia era promover, à luz da destruição de dois conflitos mundiais, um conceito de preservação da paz em detrimento da agressão.

Tratava-se, sim, de uma fachada que cobria a maior máquina bélica da história, consumindo quase 40% do gasto do setor no mundo e nunca se furtando de atacar quando se achasse necessário. Mas havia, no mínimo, a preocupação com o simbolismo.

Donald Trump, fiel a seu estilo iconoclasta, decidiu retomar a terminologia anterior alegando sua adequação aos nossos tempos. Que ele o faça em campanha pelo Nobel da Paz é uma cereja irônica no bolo.

Na prática, além de já ter atacado o Irã, Trump mostra disposição para mobilizar seu aparato militar em um ambiente pouco acostumado a isso, o Caribe.

É um tira-teima que se arrasta desde seu primeiro mandato, quando tentou organizar uma derrubada à força da ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela.

Trump elevou para US$ 50 milhões a recompensa pela captura do rival, e há três semanas enviou forças adicionais à região para o combate a cartéis de narcotraficantes, com foco nas organizações venezuelanas que diz serem comandadas pelo regime.

O deslocamento é robusto, com ao menos oito navios de guerra e um submarino rumando para a região, incluindo 2.500 fuzileiros embarcados. A alguns deles, o vice-presidente J. D. Vance disse em ato público que não se tratava de um treinamento.

Um barco com supostos traficantes venezuelanos foi explodido sem tentativa de apreensão, numa ação questionável sem autorização do Congresso. Trump decretou que cartéis são grupos terroristas, de modo que possam ser atacados mais livremente.

Maduro ensaiou reagir anunciando uma mobilização e mandando caças passarem perto de um destróier dos EUA. Ato contínuo, Trump enviou dez caças avançados F-35 para Porto Rico. Ainda que Maduro retenha alguma capacidade de travar combates assimétricos, a força americana mobilizada suplanta todo o fogo disponível para Caracas.

Talvez a pressão sirva para tentar encorajar golpes palacianos, mais do que ensejar uma improvável invasão. De todo modo, por abjeto que seja o ditador, é o tipo de ingerência que se esperava extinta na América Latina.

Uma desestabilização desafia o Brasil, que se afastou de Maduro em 2024, mas cuja fronteira é suscetível ao influxo de refugiados. Em crise comercial com Trump, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apontou para o risco.

Foi nesse contexto que a Casa Branca declarou nesta terça (9), durante o julgamento de Jair Bolsonaro (PL), que usaria seu poder econômico e militar para proteger a liberdade de expressão mundo afora —é a justificativa de Trump para as sanções tarifárias impostas ao Brasil.

Milei, ao menos, reconhece a derrota

Por Folha de S. Paulo

Revés acachapante em eleições legislativas na província de Buenos Aires pode afetar pleito nacional

Se quiser mudar o jogo, presidente argentino precisará baixar o tom e buscar alianças, enquanto lida com escândalo de corrupção

Após o desastre inflacionário produzido pelo governo de Alberto Fernández (2019-2023), Javier Milei assumiu a Presidência da Argentina prometendo recuperar a economia, com uma agenda ultraliberal de cortes de gastos públicos, e superar o peronismo no país.

Quanto à primeira promessa, de fato, a recessão foi superada após duros ajustes, o peso se valorizou e a inflação caiu —nos últimos 12 meses concluídos em junho, ela foi de 39,4%, ante variação de 211,4% em 2023.

Já a segunda —mais próxima de bravata— viu-se frustrada no domingo (7), após a apuração das urnas nas eleições parlamentares da província de Buenos Aires, que não inclui a capital homônima.

A coalizão de Milei, A Liberdade Avança, concorreu ao lado do Proposta Republicana (PRO), partido conservador fundado pelo ex-presidente Mauricio Macri. Juntos, obtiveram 33,71% do votos totais (2,724 milhões). Já os candidatos peronistas, liderados pelo governador da província, Axel Kicillof, alcançaram 47,28% (3,82 milhões). As forças de Milei perderam em 6 dos 8 distritos.

Foi a primeira vez que a província de Buenos Aires realizou pleitos legislativos próprios em um período diferente dos nacionais, marcados para 26 de outubro. Como a localidade representa 40% dos votantes do país, o resultado da disputa tem potencial para impactar campanhas eleitorais e a atuação da Casa Rosada.

A postura de Milei após a apuração, ao menos, foi bem diferente das de outros líderes da direita populista, como Donald Trump e Jair Bolsonaro (PL), que insistem em ataques fantasiosos ao sistema eleitoral quando se veem vencidos. O argentino admitiu a "clara derrota", não incitou dúvidas sobre o resultado e falou em "corrigir erros políticos".

Seu governo lida com um escândalo de corrupção que envolve seu advogado pessoal, Diego Spagnuolo, e sua irmã, Karina Milei, em supostas propinas em contratos de compras de medicamentos pela Agência Nacional para Pessoas com Deficiência.

Analistas debatem se o caso teve grande peso no fracasso acachapante, se parte da população está cansada dos ajustes de austeridade fiscal ou se os dois fenômenos se combinaram. Há dúvidas, ainda, sobre a condução do governo sem Karina, muito influente na Casa Rosada.

Fato é que, a partir de agora, Milei precisará baixar o tom exagerado característico de suas falas, esforçar-se para fazer alianças e ampliar sua presença pelo território, especialmente em redutos peronistas, se quiser mudar o jogo nas eleições de outubro.

Faltam recursos a BC e CVM para coibir lavagem de dinheiro

Por Valor Econômico

O crime organizado colocou uma sombra sobre a história de sucesso do Pix e das fintechs

Em apenas cinco anos, após o lançamento do Pix, em 16 de novembro de 2020, dezenas de milhões de brasileiros que não tinham acesso a contas ou produtos financeiros passaram a fazer parte do sistema e usá-lo ativamente. O crime organizado foi para onde o dinheiro fluiu e, como a Operação Carbono Oculto desvendou, aproveitou suas falhas para movimentar grandes somas de recursos provenientes de ilegalidades variadas. A democratização do sistema financeiro, propiciada pelo incentivo à entrada de empresas que apostaram na inovação tecnológica, deixou vários flancos abertos por onde hackers e organizações do submundo do crime encontraram um grande abrigo para realizar mais negócios, legalizar bilhões em recursos escusos ou simplesmente roubar recursos de terceiros. Ao Estado cabe agora fechar as brechas e garantir a segurança dos meios de pagamentos utilizados em massa pela população.

O PCC é apenas um dos atores que se aproveitam do novo mundo das finanças digitais para prosperar. Assim como os órgãos de segurança passaram a confiar mais nos sistemas de inteligência da informação para rastrear o dinheiro do crime, as organizações criminosas aprenderam a usar as mesmas estratégias para lavar dinheiro e se infiltrar pelas franjas do sistema, como mostrou a operação Carbono Oculto. Para isso, conta com a colaboração, terceirizada ou não, de uma rede de hackers e outros pescadores de dinheiro turvo nas águas digitais. Os desafios que se colocam ao Estado para atacar ao mesmo tempo as velhas e as novas frentes do crime são imensos.

O Banco Central (BC) e sua equipe de técnicos obtiveram um trunfo ao pôr de pé o Pix, uma rede instantânea e gratuita de transferência de recursos. Em junho passado, o Pix fez 6,45 bilhões de transações, com R$ 2,87 trilhões transferidos entre suas 858 milhões de chaves. Para isso contribuiu uma vasta rede de fintechs, que foram buscar clientes não atraídos pelo sistema bancário. Como era natural, para abrir uma cunha na alta concentração bancária, várias facilidades regulatórias iniciais foram dadas aos novatos. Com eles, o crime organizado ingressou no sistema, tornando as correções urgentes.

A operação conjunta da Receita, BC, Ministério Público e Polícia Federal revelou buracos na segurança no ambiente de transações. Um deles foi a utilização de “contas-bolsões” que reúnem dinheiro vindo de várias fontes, sem identificação, um presente para a lavagem de dinheiro. O crime organizado tinha outra camada de proteção, contas de laranjas, também para impedir o rastreamento dos responsáveis.

É surpreendente que isso tenha ocorrido, quando se conhecem as inúmeras exigências cadastrais do sistema financeiro para correntistas pessoas físicas. Provavelmente a brecha foi aberta por instituições de pagamentos (IP) não autorizadas. Regras baixadas pelo BC na sexta encurtaram o prazo para que elas sejam regularizadas, de dezembro de 2029 para maio de 2026.

Outro ponto vulnerável importante a todo tipo de larápios digitais são os sete prestadores de serviços de tecnologia da informação (PSTIs), alvos que se revelaram frágeis na invasão de contas e roubo de dinheiro. Dois deles sofreram ataques de hackers que capturaram R$ 1,2 bilhão de conta reserva do BC e de bancos privados. As PSTIs integram bancos e fintechs com o Pix, e especialistas apontam que há falha no controle de credenciais, cujo roubo pode permitir a posse de enormes quantias de dinheiro, quando o sistema ideal é compartimentado e em camadas, onde um furo na barreira do sistema não dá acesso ilimitado a todo ele, mas só a parte dele.

O BC está ciente disso e pretende, entre outras medidas, elevar o capital mínimo das empresas PSTI. Além disso, restringiu o montante de dinheiro permitido nas transferências via Ted e Pix para R$ 15 mil, após constatar que as transações feitas pelo crime organizado eram bastante altas. Mas há barreiras regulatórias no caminho de uma sinergia proveitosa contra a lavagem de dinheiro. O crime organizado usou fundos em série, uns aplicando nos outros, para evitar identificação. A supervisão dos fundos é tarefa da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), não do BC. A válvula de escape foram fundos exclusivos, o que torna estranha a anonimidade dos donos do dinheiro, vedada pelas regras vigentes.

Em 2024, 3 em cada 4 pagamentos no país passaram a ser feitos pelo Pix, com cerca de 60 milhões de novos clientes bancários a mais. O número de funcionários do BC, no entanto, permanece o mesmo, e seu orçamento não cresceu o suficiente para dar conta das novas tarefas, nem contratações foram agilizadas. É outro ponto em comum com a CVM, subcapitalizada e com falta de pessoal para realizar um trabalho hoje muito mais complexo.

O crime organizado colocou uma sombra sobre a história de sucesso do Pix e das fintechs. A fragilidade regulatória precisa ser corrigida, assim como as carências evidentes das instituições de supervisão. Ao governo que se orgulha, com razão, de realizar a maior operação contra o crime organizado e que proclama que “o Pix é nosso”, compete dar recursos e meios para que esses grandes passos tenham continuidade e não sejam contidos pela desconfiança sobre a higidez do sistema.

Bolsonaro não vale uma missa

Por O Estado de S. Paulo

Os partidos devem refletir se vale a pena ampliar as tensões institucionais, paralisando o País neste momento importante, só para livrar da cadeia um desqualificado como o ex-presidente

Ao aceitar pagar o preço de se converter ao catolicismo para ser coroado rei da França, o protestante Henrique de Navarra, em 1593, saiu-se com esta: “Paris bem vale uma missa”. E Jair Bolsonaro, vale uma missa?

Em outras palavras: vale a pena ampliar as tensões institucionais e paralisar o avanço de projetos importantes para o Brasil só para tentar livrar da cadeia um completo desqualificado como Bolsonaro?

Parte considerável do establishment político parece considerar que sim. Bolsonaro é muito útil para essa turma, pois desde as eleições de 2018 provou-se capaz de eleger muita gente só ao abrir a boca e declarar apoio. Nem sempre foi assim: recorde-se que na campanha de 2018, mesmo aparecendo bem nas pesquisas de intenção de voto, Bolsonaro teve de se abrigar num partido nanico, o PSL, para disputar a Presidência, porque a maior parte do Centrão estava na coligação do tucano Geraldo Alckmin, que terminou o primeiro turno com vergonhosos 5% dos votos. Antes visto como tóxico, Bolsonaro, após o estrondoso triunfo de 2018, passou a ser tido como a grande liderança de uma direita que até então não se assumia publicamente como tal. Não é algo trivial, num país em que chamar alguém de direitista era (e para muita gente continua a ser) equivalente a xingar de reacionário e golpista.

Bolsonaro, portanto, foi uma espécie de libertação. Deu corpo e voz a uma multidão de eleitores que gostariam de se assumir orgulhosamente de direita e não tinham representantes na política tradicional que refletissem essa aspiração. Os partidos invertebrados que farejam o poder logo perceberam que havia um grande mercado do voto pronto para ser conquistado, e Bolsonaro era o produto ideal: boquirroto, indiferente a partidos e saudoso da ditadura militar – considerada uma “era de ouro” que precisava ser resgatada antes que a baderna esquerdista terminasse de destruir o Brasil. Quando se provou extremamente competitivo contra o demiurgo Lula da Silva e o poderoso PT, Bolsonaro ganhou status de “mito”, que conserva até hoje.

O problema de ganhar uma eleição para presidente, contudo, é que o vencedor precisa governar, e Bolsonaro até então havia sido apenas um deputado do baixíssimo clero que só administrava os lucrativos negócios da família com rachadinhas e compra e venda de imóveis em dinheiro vivo. Sem qualquer experiência executiva e sem nenhum cacoete democrático, Bolsonaro não passou de um histrião, incapaz de articular qualquer pensamento coerente para conduzir o Brasil. O resultado disso foi um governo desastroso, irresponsável durante a pandemia e que não entregou quase nada do que prometeu, notabilizando-se apenas pelas crises institucionais que criou. De quebra, ressuscitou Lula da Silva.

Sua grande marca no governo foi o golpismo, do qual resultaram os planos para se aferrar ao poder com a ajuda de militares, culminando no famigerado 8 de Janeiro. Só isso deveria bastar para desmoralizar Bolsonaro perante os partidos que, malgrado tenham lucrado muito ao se associarem ao ex-presidente, bem ou mal precisam da plena democracia para existir e atuar. Hoje, estar com Bolsonaro equivale a considerar a ruptura democrática como algo moralmente aceitável.

Definitivamente, Bolsonaro não vale essa missa. Mas, ao que consta, ganhou impulso a pressão política pela aprovação de uma anistia ao ex-presidente, ao mesmo tempo que cresce no Congresso a ameaça de emparedar ministros do Supremo Tribunal Federal. Ou seja, pretende-se perdoar um golpista declarado, que nada de bom fez para o País, e punir os magistrados que, malgrado seus abusos e erros, fizeram seu trabalho em defesa da democracia.

Aqui não cabe ingenuidade: nenhum dos empenhados em livrar Bolsonaro e em constranger o Supremo está minimamente interessado em preservar a democracia e as liberdades. O que eles querem é conservar o potencial eleitoral que a marca Bolsonaro representa – e, de quebra, impedir que o Supremo complique a vida dos muitos parlamentares que se lambuzam de emendas ao Orçamento sem prestar contas a ninguém.

A hora da verdade no acordo Mercosul-EU

Por O Estado de S. Paulo

Se a política paroquial não atropelar o bom senso econômico e estratégico, maior acordo birregional da História pode reafirmar o valor do multilateralismo e o do comércio baseado em regras

A Comissão Europeia iniciou oficialmente o processo de ratificação do acordo de associação com o Mercosul. Após um quarto de século de negociações, o pacto chega à sua hora decisiva. Trata-se do maior tratado comercial já firmado pela União Europeia (UE) e do mais abrangente da história do Mercosul. Seus termos não se limitam à abertura de mercados: abarcam cooperação política, científica, cultural e ambiental, configurando uma parceria estratégica entre dois blocos que juntos somam mais de 700 milhões de pessoas e um PIB próximo de US$ 22 trilhões.

Mais de 90% do comércio bilateral será liberalizado. A UE projeta aumentar em até 49 bilhões de euros suas exportações anuais ao Mercosul, sustentando mais de 440 mil empregos. Para o Brasil, o Ipea estima até 2040 um ganho de 0,46% do PIB (cerca de US$ 9,3 bilhões) e de 1,49% nos investimentos, além de efeitos positivos sobre cadeias produtivas como a de alimentos industrializados.

Mas os ganhos vão além do comércio. O acordo cria uma arquitetura institucional de cooperação em direitos humanos, ciência, cultura, meio ambiente e segurança, incluindo, por exemplo, compromissos vinculantes com o Acordo de Paris e fortalecendo programas de inovação conjunta, da biotecnologia à saúde digital.

Numa conjuntura de recrudescimento nacionalista, o pacto tem também valor geopolítico e simbólico. Em meio às tarifas arbitrárias de Donald Trump e à ascensão de uma China cada vez mais assertiva, sua eventual implementação será uma oportunidade de mostrar que duas regiões com afinidades históricas e institucionais ainda acreditam no comércio baseado em regras, contrapondo a visão de Trump de um jogo de soma zero e suas estratégias protecionistas – em que na prática todos perdem – com a confiança no livre comércio como um jogo de soma positiva em que todos ganham. É um gesto de autonomia estratégica tanto para a UE, que precisa diversificar parceiros diante da estagnação e da crise de competitividade, quanto para o Mercosul, que tem a chance de se reposicionar como ator global confiável.

Os obstáculos, contudo, permanecem. A França lidera a resistência, travestindo de preocupações ambientais ou sanitárias o que é, em essência, protecionismo agrícola. A ratificação dependerá do voto favorável do Parlamento Europeu e de uma maioria qualificada no Conselho Europeu, ou seja, 15 dos 27 países, representando ao menos 65% da população do bloco. A Comissão Europeia busca contornar as resistências oferecendo salvaguardas, como monitoramento de perturbações bruscas de mercado vinculado a fundos bilionários para compensar agricultores. Ainda assim, a batalha está contratada: progressistas verdes e populistas conservadores prometem uma aliança espúria para sepultar o acordo. O desfecho dependerá da capacidade de atores como Berlim, Madri e Bruxelas de isolar Paris e mobilizar a maioria qualificada.

Do lado brasileiro, o acordo será um avanço necessário, mas não suficiente. Ele só terá impacto pleno se acompanhado de uma agenda doméstica de reformas tributárias, redução do custo Brasil, abertura gradual e modernização produtiva. Não basta abrir mercados para commodities: é preciso tornar a indústria competitiva e inovadora.

A hora é de clareza política. A França e seus aliados não podem continuar a discursar em favor de uma Europa forte e, ao mesmo tempo, sabotar o mais estratégico de seus acordos comerciais. O Brasil e seus vizinhos não podem se refugiar no velho estatismo e esperar que o pacto opere milagres: ele não pode ser visto como um fim em si mesmo, mas só o primeiro passo de uma agenda de liberalização e modernização.

A hora da verdade chegou. Mercosul e UE têm a oportunidade rara de reafirmar o valor do multilateralismo em uma era de fragmentação. Se a política paroquial não se sobrepuser ao bom senso econômico e estratégico, o acordo Mercosul-UE pode se tornar um marco de cooperação birregional – e uma demonstração de que, mesmo em tempos de muros e tarifas, a lógica da abertura e da integração ainda pode prevalecer e render muitos frutos.

França ingovernável

Por O Estado de S. Paulo

Macron está encurralado por um orçamento insustentável, um Parlamento inconciliável e ruas indóceis

Antes de cair, o ex-premiê François Bayrou advertiu aos deputados: “Vocês têm o poder de derrubar o governo, mas não o de apagar a realidade”. A realidade é uma dívida pública de quase 114% do PIB, um déficit próximo de 6%, juros crescentes e um Estado que consome mais da metade da riqueza nacional. Quatro gabinetes já sucumbiram ao choque entre essa matemática implacável e um sistema político que recusa escolhas dolorosas. O país está preso num círculo vicioso em que endividamento crônico e paralisia institucional se retroalimentam. Governos sabem que cortes são inevitáveis; eleitores rejeitam sacrifícios; e um Parlamento dividido entre extremos inviabiliza compromissos. O resultado tem sido uma sucessão de primeiros-ministros descartáveis, orçamentos inviáveis e mercados cada vez mais impacientes.

O presidente Emmanuel Macron respondeu à queda de Bayrou com a nomeação de Sébastien Lecornu. Aos 39 anos, o ex-ministro da Defesa já passou pela direita tradicional, antes de aderir ao macronismo. Sua escolha traduz a busca desesperada de Macron para manter o centro ante as pressões dos populismos de esquerda e de direita: entregar o governo a um aliado, mais previsível que Michel Barnier ou Bayrou, ambos devorados pela autonomia relativa que tentaram exercer. Lecornu é um gestor leal, encarregado de uma missão quase impossível.

Os desafios se acumulam. Formar um governo que inspire confiança, apresentar uma declaração de política geral sem repetir o gesto suicida de Bayrou, submeter um orçamento que agrade à esquerda sem alienar a direita, evitar moções de censura e retomar agendas urgentes, como a política energética. Mais que a habilidade de barganhar, será preciso falar a uma maioria silenciosa cansada de impostos sufocantes, normas labirínticas, imigração desordenada e insegurança crescente.

Essa tarefa se dá num clima social explosivo. O movimento Bloqueemos Tudo promete paralisar o país com protestos e sabotagens; os sindicatos conclamaram greve geral; os juros sobem acima da média europeia. Uma possível reclassificação negativa pelas agências de rating paira sobre Paris, aumentando a pressão.

O dilema francês é também europeu. Se a segunda maior economia do bloco perder o controle de suas contas, a confiança na moeda comum será corroída. A estagnação combinada com promessas de benefícios cada vez mais custosos mina não só a estabilidade da França, mas a credibilidade do projeto europeu.

“Hoje a França está frustrada, furiosa, cheia de ódio contra a elite”, resumiu à CNN Dominique Moïsi, do Institut Montaigne. “Estamos numa fase de transição entre um sistema que já não funciona e um sistema que ninguém consegue imaginar.” Essa é a encruzilhada em que Lecornu assume.

O novo premiê pode ganhar tempo se mostrar clareza de rumo e coragem de dizer verdades impopulares. Mas, se se limitar à aritmética parlamentar, arrisca repetir a sina de seus antecessores. A França não precisa só de mais um gestor: precisa de liderança capaz de confrontar uma sociedade que reluta em assumir escolhas difíceis. Se insistir em “apagar a realidade”, o país seguirá acelerando rumo ao abismo – e arrastará consigo a Europa.

 Crise no Nepal e os limites das relações digitais

Por Correio Braziliense

O caso nepalense é fundamental para encararmos as redes sociais e, em primeira camada, os algoritmos, como instituições capazes de decidir eleições, incriminar ou absolver pessoas e promover políticas públicas

Conhecido no mundo sobretudo por abrigar parte do Himalaia, inclusive parcela do Monte Everest, o Nepal ocupa o noticiário mundial nos últimos dias diante da onda de protestos liderada pela população jovem contra o governo de K.P. Sharma Oli, que renunciou ontem ao cargo. Uma república parlamentarista, o país asiático vive seu momento de maior turbulência desde 2015, quando nova Constituição entrou em vigor meses após um terremoto matar cerca de 8 mil habitantes. 

Ainda que a mobilização dos mais jovens tenha se voltado contra denúncias de nepotismo e a corrupção no Executivo, o estopim da crise se deu com o bloqueio das redes sociais por determinação do governo local. A medida foi adotada no último dia 4, sob a justificativa de que era necessário frear o compartilhamento em massa de discurso de ódio e de notícias fraudulentas nessas plataformas.  Não durou muito. Diante das manifestações que deixaram ao menos 19 mortos e uma centena de feridos, K.P. Sharma Oli renunciou ao cargo de primeiro-ministro.

A situação vivida pelo país asiático é simbólica para entender o peso que as big techs passaram a ter na sociedade atual. As redes ocupam, cada vez mais, o papel de verdadeiras instituições do jogo político. Seus algoritmos assumem um papel institucionalizado, como bem observam os pesquisadores Ricardo F. Mendonça, Fernando Filgueiras e Virgilio Almeida no livro Política dos algoritmos, a ser lançado em outubro pela Ubu Editora.

O Brasil não foge à regra. A exigência principal da população é por conectividade — o acesso ao smartphone de última geração e aos dados móveis, porta de entrada para o mundo digitalizado, por exemplo —, que, cada vez mais acessível, deixa também evidente os dilemas da dominância das redes digitais. Adultização, proibição de usos de celulares nas escolas, disseminação de fake news ligadas a temas de saúde e disputas partidárias são alguns dos desafios enfrentados pela população e que mobilizam figuras públicas. 

 O caso nepalense, portanto, é fundamental para encararmos as redes sociais e, em primeira camada, os algoritmos, como instituições capazes de decidir eleições, incriminar ou absolver pessoas e promover políticas públicas. Ainda com restrições, a população teve acesso e compartilhou vídeos mostrando rotinas luxuosas de políticos e familiares, em contraste com anos de instabilidade econômica. Levaram a indignação das telas para as ruas.

Se o diagnóstico do alcance dessas plataformas é o primeiro passo, o segundo precisa ser se atentar à importância de essas tecnologias serem regidas pela democracia. O caminho, como o acontecido em Catmandu mostra, não é pela coerção e pela restrição do acesso, mas pela necessária regulamentação dessas instituições — como tem sido discutido no Supremo Tribunal Federal (STF), a partir da revisão do Marco Civil da Internet —, além, obviamente, do respeito ao bem-estar coletivo. 

O desafio se amplia ainda mais com o surgimento e a consolidação da inteligência artificial (IA). Discussões legais e outras medidas de regularização, no Brasil e em boa parte do mundo, ainda não acompanham a velocidade da evolução da tecnologia rumo à IA. Não há mais tempo a ser perdido para o inadiável e inevitável debate sobre tal questão. 

 Aumentam casos de violência nas escolas

Por O Povo (CE)

Para enfrentar a situação, especialistas afirmam que não bastam medidas punitivas, pois é preciso enfrentar as causas estruturais do problema

Estudo inédito "Para lembrar e reagir: desenhando futuros possíveis a partir da ressignificação dos ataques de violência extrema contra escolas no Brasil", mapeou 42 atentados perpetrados em escolas no Brasil, entre 2002 e 2025. A pesquisa foi realizada pela coordenação da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).

As ocorrências causaram 53 mortes e deixaram 129 feridos. Os ataques mais letais foram cometidos com armas de fogo, com 42 mortes. Em outras situações, os agressores portavam armas brancas, como facas e canivetes, que provocaram 11 mortes. A pesquisa foi publicada pela revista piauí.

No período, pelo menos dois casos aconteceram no Ceará. Em um ataque na cidade de Farias Brito, duas meninas foram feridas a faca por um colega da escola. Outro caso aconteceu em Sobral, quando um estudante matou um aluno, deixando outro ferido. O atirador utilizou uma arma de um Colecionador, Atirador e Caçador (CAC) para perpetrar o crime.

Normalmente, o noticiário sobre violência nas escolas, era originário dos Estados Unidos, fenômeno atribuído à facilidade com que se compra e vende armas no país do norte. Relatório da Everytown for a Gun Safety registrou pelo menos 144 tiroteios nas dependências de escolas, resultando em 36 mortos e 87 feridos, no último ano letivo americano.

É fato que a situação dos EUA é mais dramática do que a brasileira. No entanto, ainda que fosse uma única criança vítima dessas circunstâncias, a situação já seria grave o suficiente para exigir a intervenção das autoridades. Por isso, é preciso agir logo.

No entanto, é de se lembrar que esse foi um problema inexistente na sociedade brasileira durante longo tempo. O estudo aponta que a maioria dos casos levantados (35 dos 42) aconteceu a partir de 2018, indicando a escalada recente do fenômeno.

O estudo chega à conclusão que o aumento da violência escolar resulta de uma multiplicidade de fatores, como a maior facilidade para acesso a armas de fogo, radicalização online dos discursos de ódio, misóginos e racistas — e a ausência de políticas de prevenção e cuidado, que deveriam ser executadas pelas escolas.

Para enfrentar a situação, os especialistas recomendam desde ampliar as políticas de saúde mental, passando pelo fortalecimento da convivência escolar e a gestão democrática, até uma articulação entre educação, saúde, assistência social e segurança pública para permitir respostas rápidas e integradas.

Os estudiosos do assunto também listam o que não funciona para prevenir ataques, como policiamento ostensivo dentro das escolas e resposta exclusivamente repressivas. Ou seja, limitar-se às medidas de vigilância e punitivas, sem enfrentar as causas estruturais do aumento da violência dentro das escolas.

 

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