O Globo
Hoje é o Legislativo que define um jogo de má
qualidade
Questionado sobre a qualidade do Congresso
Nacional, Ulysses Guimarães, segundo contam, aconselhou a “esperar pelo
próximo”, que, no seu entender, seria pior. A frase entrou para o folclore
político e hoje pesa como maldição. As últimas legislaturas têm feito indagar
se é falso o fundo do poço da política brasileira.
Em 2026, o eleitor precisará fazer muito
esforço para piorar o que aí está. A mera manutenção já será elemento de
deterioração. Difícil imaginar períodos em que interesses particularistas
tenham se alinhado de modo tão pernicioso quanto agora. O Congresso, sobretudo
a Câmara dos Deputados, é o centro da crise brasileira.
A dominância do Executivo sobre a agenda legislativa distorcia o sistema, esvaziava o Parlamento. A distorção mudou de lado. Hoje é o Legislativo que define um jogo de má qualidade. Imprescindível para a democracia, o Congresso precisa demonstrar que não é útil apenas para si. Sem isso, põe em risco a própria democracia.
Na última semana, isso ficou gritante. Interesses da extrema direita, voltados a livrar Jair Bolsonaro da condenação no Supremo Tribunal Federal, foram ao encontro dos interesses do Centrão e delinearam o que pode vir a ser um desastre institucional.
Articula-se uma agenda que reúne anistia ao
golpe com a blindagem parlamentar; alterações na Lei da Ficha Limpa e até
intervenção no Banco
Central. Além, é claro, da construção da candidatura oposicionista à
Presidência da República que depende do consentimento da família Bolsonaro,
embaixadores do iluminismo sombrio no país.
O abandono da pauta econômica e social
completa o quadro: a regulamentação da reforma tributária vai a passo de
cágado; a discussão da revisão de incentivos e desonerações a setores
empresariais parece estar sob veto político; a isenção do Imposto de Renda até
R$ 5 mil é analisada com oportunismo e incomum má vontade.
Ao mesmo tempo, inúmeros casos de defesa
corporativa batem à porta, passando ao largo do regimento das Casas e de
comissões de ética jamais tão pouco atuantes. Mesmo os esdrúxulos casos dos
amotinados na Câmara ou a atuação de Eduardo
Bolsonaro — que, nos Estados Unidos,
conspira contra o país — são tratados com vulgar desfaçatez.
Não se trata apenas de falta de pulso do
presidente da Câmara. Definitivamente, Hugo Motta não
é um líder, condutor político de processos de transformação histórica e
aperfeiçoamento institucional. Mas seu problema maior reside em, antes, ser (e
aceitar ser) compreendido como representante de interesses patrimonialistas
definidos por caciques que o apadrinharam e que, de fato, estão acima dele.
Desse alinhamento, conforma-se uma maioria
devastadora, autônoma em relação à sociedade, crente de que seu poder se
sobrepõe à própria Constituição, alvo recorrente de ameaças feitas em nome da
conveniência dessa maioria.
Não espanta: fundos partidário e eleitoral e
emendas ao Orçamento com verbas às mancheias fizeram do curral político a
bússola que norteia novos coronéis, alheios às transformações do mundo que os
rodeia. Não devem satisfação à opinião pública nacional; basta-lhes o clientelismo.
O velho PMDB — de Ulysses Guimarães e mesmo
depois — não se resumia a apenas um centro de barganha fisiológica, troca de
cargos e verbas por apoios. Configurava-se também como núcleo ativo na mediação
de conflitos e na garantia da governabilidade. Sabedores da natureza do Estado,
seus quadros tinham noção de limites institucionais. Ocasionalmente, seus
interesses coincidiam com o interesse geral.
Em tudo diferente do Centrão, esse centro
político está morto. Ficou no passado, que, não se sabia, não era tão feio
quanto pintávamos. Com piora crescente, o futuro previsto por Ulysses chegou.
De onde estiver, o deputado sorri amarelo, com o desalento de quem acertou
quando preferiria ter errado.
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