Folha de S. Paulo
Ameaça pouco sutil de porta-voz, após Supremo
ignorar Magnitsky e sanções, soa delirante
Se é certo que de Donald Trump é
possível esperar de tudo, qual o grau de seriedade que se deve aplicar à nada
sutil ameaça feita pela sua porta-voz na tarde desta terça-feira (9)?
Karoline Leavitt, com a ligeireza que lhe é
peculiar, comentou
num mesmo e longo período as sanções já aplicadas ao Brasil, o combate
que os Estados
Unidos estão elevando a operação militar contra cartéis de traficantes
e a defesa da liberdade de expressão.
Para o último item, afirmou a porta-voz, Washington dedicará todo seu "poder econômico e militar". Fica a questão nada retórica: está Trump disposto a declarar guerra ao Brasil caso Jair Bolsonaro (PL) seja condenado pelo Supremo Tribunal Federal?
Pode soar delirante ou apenas ridículo, mas
esse é o subtexto da fala de Leavitt, que ocorre num momento em que a
administração republicana deslocou consideráveis recursos militares para o
entorno estratégico da Venezuela,
ditadura que consideram responsável pelo aumento do influxo de drogas nos EUA.
Recapitulando: em 9 de julho, Trump
anunciou que
elevaria a 50% o imposto de importação de produtos brasileiros porque,
entre outras coisas mas em primeiro lugar na sua visão, o Brasil estava
perseguindo Bolsonaro —para ele, Alexandre
de Moraes e Lula (PT) são indistinguíveis.
O ministro do Supremo não
só deu de ombros como impôs medidas cautelares e, depois, prisão
domiciliar ao ex-presidente. Recebeu, na via inversa, uma dura punição ao se
ver atingido pela draconiana Lei Magnistky, desenhada para coibir a
atividade econômica de terroristas, traficantes, ditadores e criminosos de
guerra.
Ele, assim como todos os colegas de corte
exceto os três que Trump associa ao bolsonarismo, André Mendonça, Kassio Nunes
Marques e Luiz Fux, também
teve seu visto americano cassado —medida estendida às suas famílias e,
depois, levada a ministros do governo Lula por motivos aleatórios.
Como se viu no voto de Moraes, proferido
enquanto Leavitt se manifestava, a
pressão resultou em nada, mesmo com a certeza de que
mais estará por vir. Não parece que será agora, com retórica
canhoneira, que terá algum sucesso.
Voltando à questão, é mais do que improvável
que o gogó da Casa Branca seja mais que isso. Primeiro, por uma questão de
motivação legal: Trump
está cercando a Venezuela de navios e caças, explodindo barcos
suspeitos de tráfico sem perguntar antes, porque se ampara numa questionável
decisão de fevereiro.
Segundo ela, cartéis de drogas são
organizações terroristas. Assim, as regras de liberdade plena para atacar esses
inimigos seriam aplicáveis aos grupos que operam na Venezuela e, por essa
lógica, no México e até no Brasil.
Mas
o foco foi sobre Caracas porque, além de tudo, Maduro é um desafeto
que tem um prêmio de US$ 50 milhões por sua cabeça em Washington, procurado
pela Justiça americana por tráfico. Se Trump irá às vias de fato ou apenas
torce para que o ditador caia, é incerto, mas seu adversário é frágil.
Na hipótese esotérica de querer empregar a
força para defender a liberdade de expressão que diz ver encarnada em
Bolsonaro, o presidente americano precisaria pedir autorização ao Congresso.
Não parece um caso sustentável nem para o mais empedernido aliado dos belicosos
secretários Marco Rubio (Estado) e
Pete Hegseth (Guerra).
Noves fora a parte prática: como seria a
punição militar ao Brasil? Um míssil de cruzeiro Tomahawk sobre o Supremo? Um
bloqueio naval contra um aliado de mais de dois séculos? A obliteração nuclear
de Brasília?
A invasão inviável de um país continental?
Nada disso faz sentido, com a ressalva de que
é sempre bom voltar à frase que abre esse texto. Também não é algo corriqueiro
ver tal tipo de ameaça, que serve como lembrete acerca de incapacidades
crônicas de defesa do Brasil.
Mesmo sem a prevalência do bom senso no
Hemisfério Norte esses dias, a bravata de Leavitt parece fazer pouco mais do
que colocar nova cunha na relação entre Brasília e Washington e empolgar os
que desfraldaram
bandeiras americanas no 7 de Setembro.
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