quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Trump vai declarar guerra ao Brasil por causa de Bolsonaro? Por Igor Gielow

Folha de S. Paulo

Ameaça pouco sutil de porta-voz, após Supremo ignorar Magnitsky e sanções, soa delirante

Se é certo que de Donald Trump é possível esperar de tudo, qual o grau de seriedade que se deve aplicar à nada sutil ameaça feita pela sua porta-voz na tarde desta terça-feira (9)?

Karoline Leavitt, com a ligeireza que lhe é peculiar, comentou num mesmo e longo período as sanções já aplicadas ao Brasil, o combate que os Estados Unidos estão elevando a operação militar contra cartéis de traficantes e a defesa da liberdade de expressão.

Para o último item, afirmou a porta-voz, Washington dedicará todo seu "poder econômico e militar". Fica a questão nada retórica: está Trump disposto a declarar guerra ao Brasil caso Jair Bolsonaro (PL) seja condenado pelo Supremo Tribunal Federal?

Pode soar delirante ou apenas ridículo, mas esse é o subtexto da fala de Leavitt, que ocorre num momento em que a administração republicana deslocou consideráveis recursos militares para o entorno estratégico da Venezuela, ditadura que consideram responsável pelo aumento do influxo de drogas nos EUA.

Recapitulando: em 9 de julho, Trump anunciou que elevaria a 50% o imposto de importação de produtos brasileiros porque, entre outras coisas mas em primeiro lugar na sua visão, o Brasil estava perseguindo Bolsonaro —para ele, Alexandre de Moraes e Lula (PT) são indistinguíveis.

O ministro do Supremo não só deu de ombros como impôs medidas cautelares e, depois, prisão domiciliar ao ex-presidente. Recebeu, na via inversa, uma dura punição ao se ver atingido pela draconiana Lei Magnistky, desenhada para coibir a atividade econômica de terroristas, traficantes, ditadores e criminosos de guerra.

Ele, assim como todos os colegas de corte exceto os três que Trump associa ao bolsonarismo, André Mendonça, Kassio Nunes Marques e Luiz Fux, também teve seu visto americano cassado —medida estendida às suas famílias e, depois, levada a ministros do governo Lula por motivos aleatórios.

Como se viu no voto de Moraes, proferido enquanto Leavitt se manifestava, a pressão resultou em nada, mesmo com a certeza de que mais estará por vir. Não parece que será agora, com retórica canhoneira, que terá algum sucesso.

Voltando à questão, é mais do que improvável que o gogó da Casa Branca seja mais que isso. Primeiro, por uma questão de motivação legal: Trump está cercando a Venezuela de navios e caças, explodindo barcos suspeitos de tráfico sem perguntar antes, porque se ampara numa questionável decisão de fevereiro.

Segundo ela, cartéis de drogas são organizações terroristas. Assim, as regras de liberdade plena para atacar esses inimigos seriam aplicáveis aos grupos que operam na Venezuela e, por essa lógica, no México e até no Brasil.

Mas o foco foi sobre Caracas porque, além de tudo, Maduro é um desafeto que tem um prêmio de US$ 50 milhões por sua cabeça em Washington, procurado pela Justiça americana por tráfico. Se Trump irá às vias de fato ou apenas torce para que o ditador caia, é incerto, mas seu adversário é frágil.

Na hipótese esotérica de querer empregar a força para defender a liberdade de expressão que diz ver encarnada em Bolsonaro, o presidente americano precisaria pedir autorização ao Congresso. Não parece um caso sustentável nem para o mais empedernido aliado dos belicosos secretários Marco Rubio (Estado) e Pete Hegseth (Guerra).

Noves fora a parte prática: como seria a punição militar ao Brasil? Um míssil de cruzeiro Tomahawk sobre o Supremo? Um bloqueio naval contra um aliado de mais de dois séculos? A obliteração nuclear de Brasília? A invasão inviável de um país continental?

Nada disso faz sentido, com a ressalva de que é sempre bom voltar à frase que abre esse texto. Também não é algo corriqueiro ver tal tipo de ameaça, que serve como lembrete acerca de incapacidades crônicas de defesa do Brasil.

Mesmo sem a prevalência do bom senso no Hemisfério Norte esses dias, a bravata de Leavitt parece fazer pouco mais do que colocar nova cunha na relação entre Brasília e Washington e empolgar os que desfraldaram bandeiras americanas no 7 de Setembro.

 

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