O Globo
A licença do Ibama para a Petrobras perfurar
a região contrapõe governo e ambientalistas às vésperas da COP30
Perfurar petróleo no mar da Amazônia sempre provocará polêmica. As quatro pessoas ouvidas pela coluna mostram isso. A presidente da Petrobras, Magda Chambriard, disse que o embate com o Ibama foi “muito proveitoso” e que, por causa dele, a estatal fez o “maior plano de emergência individual do mundo”. O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, lembra que o socorro em caso de vazamento, que ficava a 800 quilômetros, agora está a 170 quilômetros e já foi testado. Acredita que o instituto melhorou o projeto. O secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, considera que anunciar isso a 20 dias da COP é uma forma de sabotar a conferência. A ex-presidente do Ibama, Suely Araújo, que negou a licença no governo Temer, alerta que no próprio documento fica claro que o modelo de dispersão do óleo está desatualizado.
Vamos por partes. O Ibama, de fato, melhorou
o projeto de ações em caso de desastre ambiental. O centro para o atendimento
da “fauna oleada” agora fica em Oiapoque. Antes, era em Belém. Essa base foi
testada durante quatro dias, criando-se inclusive um cenário em que perde-se o
contato com a sonda. Os testes acabaram mostrando que a estrutura de defesa é
“robusta”, como me disse a Magda. Houve um investimento muito maior em
segurança.
O momento de anunciar é o pior possível. A
COP está enfrentando muitos problemas e haverá um impacto em qualquer discurso
que o Brasil fizer sobre redução do uso do petróleo. O país que queria “liderar
pelo exemplo” está como? Apostando em exploração e produção de petróleo no mar
em torno da floresta. Os que defendem sempre dizem que o poço fica muito longe
da Foz do Amazonas, e que a questão é ter usado esse nome para a bacia. Suely
Araújo diz que a área é delicada mesmo.
— A Bacia Sedimentar da Foz do Amazonas é
ecologicamente frágil, próxima ao Grande Sistema Recifal Amazônico, que ainda é
pouquíssimo estudado e tem correntes fortíssimas. É uma área de alta
diversidade biológica, uma riqueza que pouco se conhece e fica perto do bloco
59 – diz a ex-presidente do Ibama.
O Observatório do Clima vai
entrar na Justiça junto com outras seis organizações da sociedade civil, mostrando
erros técnicos. Visto pela perspectiva política, Astrini acha tudo muito ruim.
— Por que agora? Acho que é uma espécie de
sabotagem mesmo. A COP está sofrendo dentro do governo uma série de pressões
contrárias. O governo está reticente na agenda em geral.
Quis saber de Rodrigo Agostinho o que diria
aos ambientalistas que criticam a decisão:
— O Ibama se posiciona de forma técnica.
Espero que a transição energética seja o mais rápido possível. Mas ela (a
transição energética) é uma decisão de política energética, não é uma decisão
de um órgão de licenciamento.
Infográfico atualizado da margem equatorial —
Foto: Arte O GLOBO
Perguntei à Magda o que vem pela frente, e
ela contou que o início da produção pode levar uma década. Com a liberação do
Ibama, a Petrobras vai fazer o furo, mas tem outros seis pedidos de licença de
pesquisa na região.
— Vamos saber o que tem nesse poço lá para
março. Não sei se vai ser uma descoberta. Se não for, eu continuo tendo que
perfurar. Quem acha óleo é broca. Depois destes seis, sete poços serem
perfurados é que haverá um projeto. Nesse caso, entre sete a dez anos haverá
produção.
Agostinho lembra que, em 2011, a Petrobras
tentou perfurar em região próxima à que recebeu a licença agora e houve um
incidente com a sonda, provocado por fortes correntes do mar nessa região.
— A licença de pesquisa tem um conjunto
grande de condicionantes, que terão que ser atendidas pela Petrobras. Essa
sonda vai fazer uma perfuração, se encontrar petróleo vai recolher amostras e
esse poço é lacrado. Outros poços precisarão de novas autorizações, tanto de
exploração quando de produção – diz o presidente do Ibama.
A ex-presidente do Ibama alerta que no item
2.23 da licença dada pelo Ibama está escrito que “o relatório anual deve
apresentar uma nova modelagem de dispersão de óleo usando a nova Base
Hidrodinâmica elaborada para a Margem Equatorial”. Ela acha que fica claro que
esse modelo, de saber para onde vai o petróleo em caso de vazamento, está
desatualizado. Deveria ter sido atualizado antes, não depois.
O prazo do contrato da sonda que será usada
pela Petrobras termina hoje. Seria devolvida. Com a licença na mão, a estatal
poderá renovar o contrato até o final da pesquisa nesse poço.
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