Para Joel, a notícia de que ele fora laureado nesse 2025 foi uma surpresa inesperada. Pouco depois Adam Smith lembrou de quando Joel esteve na cerimônia do Prêmio Nobel em Estocolmo de 2015 e o pergunta se ele nem por um momento imaginou que um dia seria laureado. Joel dirá: “Você está brincando comigo? Eu sou um historiador econômico. Não ganhamos prêmios Nobel.”
Nós, historiadores e historiadoras labutamos
sem essa pretensão. Mas nunca duvidamos da imprescindibilidade da História.
Nosso lema Tudo é História é um trabalho infinito.
Mas quis a vida oportunizar as gerações do
imediato pré e pós pandemia ver um historiador receber um Nobel. Joel é um
historiador que se apaixonou (basta ler seu único livro entre nós A Origem
das Corporações – The Invention of Enterprise: Entrepreneurship from
Ancient Mesopotamia to Modern Times) fazendo história econômica. Mas do que ela
trata?
A história econômica é, por sua própria definição, um campo historiográfico interdisciplinar. E é, na realidade, ainda mais interdisciplinar do que parece. Os historiadores econômicos precisam conhecer, é claro, teoria econômica e econometria, e ser capazes de ler documentos históricos originais e fontes de arquivo primárias, bem como línguas estrangeiras. Outras áreas das ciências sociais, como sociologia, antropologia e ciência política, são quase sempre relevantes. E nós também precisamos ser muito bons em métodos quantitativos e análise avançada de dados, e muitos deles sabem muito sobre várias outras áreas relacionadas às suas pesquisas, como biologia, ciência nutricional, engenharia, agronomia, arqueologia e muitas outras áreas. Os melhores historiadores econômicos são paus para toda obra e mestres de muitos.
Por que se deve estudar história econômica?
Para os historiadores e historiadoras, a resposta deve ser óbvia. A história
econômica é sobre o tecido material da vida: é sobre como nós lidamos com a
retribuição presente nas religiões de que com o suor do teu rosto terás o pão
nosso de cada dia para comermos. É assim que ao longo do tempo temos lutado num
ambiente quase sempre recalcitrante e mesquinho, tentando fazer com que os seus
sobrevivessem à fome, ao frio e às doenças. Trata-se de impostos e aluguéis e
as muitas outras formas pelas quais os fortes e poderosos extraíam recursos dos
pobres e fracos. Mas também é sobre a cooperação e a nossa engenhosidade. É
sobre como os mercados funcionavam, lubrificados periodicamente por invenções,
como dinheiro, contratos e corporações. É sobre como lentamente, mas com
certeza, nós passamos a entender as leis da física, química e biologia e as
aproveitamos para as nossas necessidades de produzir motores, antibióticos e
salsichas, e tudo o mais.
Para a economia, a história econômica deve
ser estudada pela mesma razão que os biólogos devem estudar a paleontologia.
Como todo biólogo sabe, 99% ou mais de todas as espécies que já existiram estão
extintas. Excluir o passado limita o escopo da investigação a uma pequena parte
das informações disponíveis, e isso vale especialmente para a economia. O
registro histórico das economias em todos os tempos é muito mais rico e
diversificado do que apenas o presente. Um economista que estuda o mundo de
hoje não encontrará muitas instituições predominantes no passado, como as
escravaturas, os mercados formais feudais e o colonialismo extrativista
predatório flagrante. Experimentos demográficos dantescos como a Peste Negra,
que em poucos anos dizimou um terço da população da Europa, felizmente – ao que
tudo indica – não serão repetidos. Ou assim esperamos tal como vimos na
pandemia. Mas seu estudo lança luz sobre como as economias operavam em
condições que nosso próprio mundo sequer poderia imaginar.
Finalmente, a história econômica deve ser
ensinada para lembrar, de uma vez por todas, que com todos os senões que
poderíamos apontar, o melhor momento da história para nascer em nosso planeta é
hoje. Os bons velhos tempos podem ter sido antigos, mas nunca foram bons. A
vida material cotidiana nas sociedades pré-modernas era dura e sombria. A
grande maioria das pessoas no passado era pobre, não no sentido em que pensamos
de pobreza hoje, mas por uma profunda ausência das necessidades básicas de
sobrevivência, a pobreza dos moradores e moradoras de rua, sem-teto e famintos,
dos camponeses para os quais o trabalho árduo ainda terminava em fracasso da
colheita e fome. Claro, havia alguns abastados em nosso passado, aquelas que
podiam viver em casas de pedra e comer carne. Mas nos países de hoje, o cidadão
de classe média baixa desfruta de um padrão de vida muito melhor do que os
papas e príncipes que Maquiavel apontou durante a Renascença: eles são mais
saudáveis e mais seguros, comem e bebem melhor, são mais quentes no inverno e
mais frios no verão e têm muito mais acesso à cultura, informação e
entretenimento.
A história econômica é uma disciplina
dinâmica. Nossa era é a era da big data, modelos avançados e métodos
sofisticados de estimativa em história, história econômica, economia e demais
áreas do conhecimento. A história econômica faz parte desse movimento. Nossas
alunas e alunos têm mais observações e técnicas mais sofisticadas do que minha
geração jamais sonhou. Eles seguirão a estudar o passado, o presente e o futuro
econômico com essas e outras ferramentas, por todas as razões que apontamos, e
mais uma. A última é a melhor de todas: nós estudamos nosso passado, presente e
futuro porque eles estão vivos ao nosso redor. Como disse William Faulkner em Réquiem
por uma Freira (1951), “o passado nunca está morto. Nem mesmo é passado.”
E que essas breves palavras sobre o Joel
sejam uma pequena homenagem àquele que, na qualidade de historiador, abriu mais
uma estrada para a História.
*Ricardo Marinho é Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE e da Teia de Saberes.
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