terça-feira, 21 de outubro de 2025

Joel Mokyr, por Ricardo Marinho*

Na madrugada da segunda-feira passada Adam Smith faz uma ligação telefônica para Joel Mokyr, e o parabeniza. A conversa avança e Joel revela “Eu tinha uma lista inteira de pessoas que achava que iriam ganhar”, e na sequência complementa, “e eu não estava nela”. Ele havia acordado cedo, e ao abrir seu computador para saber sobre o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas de 2025 e encontrou e-mails dizendo a ele ‘Parabéns’. Então, como Mokyr diz a Adam Smith, do Prêmio Nobel, nesta breve ligação, ele viu chamadas perdidas da Suécia em seu telefone e, “A suspeita começou a amadurecer!”.

Para Joel, a notícia de que ele fora laureado nesse 2025 foi uma surpresa inesperada. Pouco depois Adam Smith lembrou de quando Joel esteve na cerimônia do Prêmio Nobel em Estocolmo de 2015 e o pergunta se ele nem por um momento imaginou que um dia seria laureado. Joel dirá: “Você está brincando comigo? Eu sou um historiador econômico. Não ganhamos prêmios Nobel.”

Nós, historiadores e historiadoras labutamos sem essa pretensão. Mas nunca duvidamos da imprescindibilidade da História. Nosso lema Tudo é História é um trabalho infinito.

Mas quis a vida oportunizar as gerações do imediato pré e pós pandemia ver um historiador receber um Nobel. Joel é um historiador que se apaixonou (basta ler seu único livro entre nós A Origem das Corporações – The Invention of Enterprise: Entrepreneurship from Ancient Mesopotamia to Modern Times) fazendo história econômica. Mas do que ela trata?

A história econômica é, por sua própria definição, um campo historiográfico interdisciplinar. E é, na realidade, ainda mais interdisciplinar do que parece. Os historiadores econômicos precisam conhecer, é claro, teoria econômica e econometria, e ser capazes de ler documentos históricos originais e fontes de arquivo primárias, bem como línguas estrangeiras. Outras áreas das ciências sociais, como sociologia, antropologia e ciência política, são quase sempre relevantes. E nós também precisamos ser muito bons em métodos quantitativos e análise avançada de dados, e muitos deles sabem muito sobre várias outras áreas relacionadas às suas pesquisas, como biologia, ciência nutricional, engenharia, agronomia, arqueologia e muitas outras áreas. Os melhores historiadores econômicos são paus para toda obra e mestres de muitos.

Por que se deve estudar história econômica? Para os historiadores e historiadoras, a resposta deve ser óbvia. A história econômica é sobre o tecido material da vida: é sobre como nós lidamos com a retribuição presente nas religiões de que com o suor do teu rosto terás o pão nosso de cada dia para comermos. É assim que ao longo do tempo temos lutado num ambiente quase sempre recalcitrante e mesquinho, tentando fazer com que os seus sobrevivessem à fome, ao frio e às doenças. Trata-se de impostos e aluguéis e as muitas outras formas pelas quais os fortes e poderosos extraíam recursos dos pobres e fracos. Mas também é sobre a cooperação e a nossa engenhosidade. É sobre como os mercados funcionavam, lubrificados periodicamente por invenções, como dinheiro, contratos e corporações. É sobre como lentamente, mas com certeza, nós passamos a entender as leis da física, química e biologia e as aproveitamos para as nossas necessidades de produzir motores, antibióticos e salsichas, e tudo o mais.

Para a economia, a história econômica deve ser estudada pela mesma razão que os biólogos devem estudar a paleontologia. Como todo biólogo sabe, 99% ou mais de todas as espécies que já existiram estão extintas. Excluir o passado limita o escopo da investigação a uma pequena parte das informações disponíveis, e isso vale especialmente para a economia. O registro histórico das economias em todos os tempos é muito mais rico e diversificado do que apenas o presente. Um economista que estuda o mundo de hoje não encontrará muitas instituições predominantes no passado, como as escravaturas, os mercados formais feudais e o colonialismo extrativista predatório flagrante. Experimentos demográficos dantescos como a Peste Negra, que em poucos anos dizimou um terço da população da Europa, felizmente – ao que tudo indica – não serão repetidos. Ou assim esperamos tal como vimos na pandemia. Mas seu estudo lança luz sobre como as economias operavam em condições que nosso próprio mundo sequer poderia imaginar.

Finalmente, a história econômica deve ser ensinada para lembrar, de uma vez por todas, que com todos os senões que poderíamos apontar, o melhor momento da história para nascer em nosso planeta é hoje. Os bons velhos tempos podem ter sido antigos, mas nunca foram bons. A vida material cotidiana nas sociedades pré-modernas era dura e sombria. A grande maioria das pessoas no passado era pobre, não no sentido em que pensamos de pobreza hoje, mas por uma profunda ausência das necessidades básicas de sobrevivência, a pobreza dos moradores e moradoras de rua, sem-teto e famintos, dos camponeses para os quais o trabalho árduo ainda terminava em fracasso da colheita e fome. Claro, havia alguns abastados em nosso passado, aquelas que podiam viver em casas de pedra e comer carne. Mas nos países de hoje, o cidadão de classe média baixa desfruta de um padrão de vida muito melhor do que os papas e príncipes que Maquiavel apontou durante a Renascença: eles são mais saudáveis e mais seguros, comem e bebem melhor, são mais quentes no inverno e mais frios no verão e têm muito mais acesso à cultura, informação e entretenimento.

A história econômica é uma disciplina dinâmica. Nossa era é a era da big data, modelos avançados e métodos sofisticados de estimativa em história, história econômica, economia e demais áreas do conhecimento. A história econômica faz parte desse movimento. Nossas alunas e alunos têm mais observações e técnicas mais sofisticadas do que minha geração jamais sonhou. Eles seguirão a estudar o passado, o presente e o futuro econômico com essas e outras ferramentas, por todas as razões que apontamos, e mais uma. A última é a melhor de todas: nós estudamos nosso passado, presente e futuro porque eles estão vivos ao nosso redor. Como disse William Faulkner em Réquiem por uma Freira (1951), “o passado nunca está morto. Nem mesmo é passado.”

E que essas breves palavras sobre o Joel sejam uma pequena homenagem àquele que, na qualidade de historiador, abriu mais uma estrada para a História.

 *Ricardo Marinho é Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE e da Teia de Saberes.


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