terça-feira, 21 de outubro de 2025

COP30: em meio à tempestade perfeita, por Daniela Chiaretti

Valor Econômico

A conferência ocorre entre eventos geopolíticos extremos e condições domésticas adversas

A COP30 não poderia acontecer em pior momento. Por onde se olhe, os sinais são ruins. A Conferência do Clima das Nações Unidas ocorre em meio a eventos geopolíticos extremos e condições domésticas adversas. É uma tempestade perfeita.

A menos de 20 dias do evento, os superlativos usados pelo presidente Lula e pelo governador paraense, Helder Barbalho, soam bizarros. Ambos disseram, nos últimos dias, que Belém sediará “a melhor COP do mundo”. Se for decente, está bom. Se for coerente com a pauta, será ótimo. Se conseguir algo que ajude o planeta, será considerada estelar.

Na segunda-feira 20 de outubro, a Petrobras obteve a licença do Ibama para perfuração na Foz do Amazonas, na Margem Equatorial. A perfuração para pesquisa exploratória começará imediatamente, informou a petroleira. Daqui a exatas três segundas-feiras, em 10 de novembro, a COP30 começa. Ao governo Lula pareceu um timing adequado para a decisão, às vésperas da COP que pretende ser “a COP da implementação”. Um dos pontos a implementar, por sinal, é a decisão, tomada por 200 governos há dois anos, na COP28, em Dubai: o mundo deve se distanciar dos combustíveis fósseis. A queima de carvão, petróleo e gás é a principal causa da emergência climática. Muitos países não querem falar disso. O Brasil é um deles.

O relatório Production Gap Report divulgado em setembro mostra que os governos que mais produzem combustíveis fósseis no mundo, no agregado, planejam produzir mais do que o dobro do volume, em 2030, do que seria consistente com limitar o aquecimento em 1,5°C, como foi acordado no Acordo de Paris.

Feito pelo Stockholm Environment Institute, Climate Analytics e International Institute for Sustainable Development, o estudo está na quinta edição. Analisou os planos de Austrália, Brasil, Canadá, China, Colômbia, Alemanha, Índia, Indonésia, Cazaquistão, Kuait, México, Nigéria, Noruega, Qatar, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido e Estados Unidos. Respondem por 80% da produção global de fósseis.

Juntos, os 20 países planejam agora níveis mais elevados de produção de carvão até 2035, e de gás até 2050, do que os previstos em 2023. Pelos planos, a produção de petróleo continuará a aumentar até 2050. Com as políticas atuais, a procura global de carvão, petróleo e gás não atingirá o pico antes de 2030. Em português: essa rota ameaça o planeta. O Brasil é um dos 20 países perfilados no relatório. O presidente Lula tem dito que a COP30 é a “COP da Verdade”. Isso vale para nós também.

Enquanto isso, a Organização Meteorológica Mundial, da ONU, diz que os níveis de CO2 na atmosfera atingiram um novo recorde em 2024, o que intensifica a crise climática e pode ampliar os eventos climáticos extremos. Segundo a OMM, o aumento da concentração de CO2 na atmosfera, entre 2023 e 2024, foi o maior salto anual desde o início da série histórica, em 1957.

O relatório, publicado na semana passada, aponta o aumento na queima de combustíveis fósseis somado às emissões dos incêndios florestais e à redução da capacidade das florestas e do oceano de sequestrarem carbono, como os fatores responsáveis. O processo é sistêmico: queimam-se mais combustíveis fósseis, as temperaturas aumentam, as secas expandem, acontecem mais incêndios. As florestas degradam, os mares não dão conta de tanto carbono. É a cobra mordendo o próprio rabo.

Também na semana passada, o que era dado como certo em abril - um acordo histórico de descarbonização do transporte marítimo - sofreu um revés. Em Londres, na sede da IMO, a agência da ONU que regulamenta a navegação, haviam se decidido regras para tornar um setor inteiro da economia net zero em 2050. A partir de 2028, navios começariam a usar uma mistura de combustíveis de menor emissão nas viagens, ou pagar pelo excesso. Em outubro, uma reunião protocolar confirmaria a decisão. Só que não.

Por pressão dos Estados Unidos e da Arábia Saudita, a adoção do marco regulatório global para combustíveis marítimos foi adiado em um ano. A Casa Branca emitiu um comunicado, às vésperas do encontro, ameaçando retaliar países que votassem a favor da proposta. Não é um bom sinal para o multilateralismo quando a maior potência econômica grita e os outros atendem. É uma mensagem ruim para a COP30.

A União Europeia, sempre na vanguarda da ambição climática, ainda não conseguiu entregar seu compromisso climático para 2035. Espera-se que isso ocorra nos próximos dias, mas a dificuldade de acordo entre os países-membros evidencia duas coisas: que assuntos de clima estão fora do horizonte político e que há um avanço de governos conservadores, refratários a esta pauta, em um espectro que chega à extrema direita.

Sobre a mesa de negociações da COP30 também há nuvens escuras. Além das dificuldades de sempre - falta de financiamento climático, embates entre Norte e Sul Global, desconfiança entre os paises -, há novas turbulências. Alguns não estão satisfeitos com o resultado de Baku, a COP29, que estipulou um fluxo de US$ 300 bilhões anuais, a partir de 2035, dos países ricos ao mundo em desenvolvimento. Só que não se definiu se esses recursos serão doações ou empréstimos - no segundo caso, países mais pobres e vulneráveis aos extremos climáticos ficarão ainda mais endividados. Este é só um dos temas que podem travar a COP em Belém - há outros.

 

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