terça-feira, 21 de outubro de 2025

Tão forte e tão protegido, por Jorge J. Okubaro

O Estado de S. Paulo

Por que, com desempenho tão exuberante e de tão longa duração, o setor agropecuário continua sendo um dos que mais recebem benefícios tributários?

O Dia Nacional da Agricultura, comemorado na sexta-feira passada, mereceu oportuna lembrança pelo portal Agrishow, mantido pela instituição que organiza anualmente, em Ribeirão Preto, a feira de mesmo nome, considerada uma das maiores do mundo em seu gênero. A data, observou o portal, “convida à reflexão sobre o impacto da agricultura na economia”. A reflexão vale a pena.

Num longo período em que a economia brasileira vem patinando, o agronegócio bate recordes de produção, exportação, produtividade, adoção de novas tecnologias, geração de emprego e diversificação. Bastam alguns dados recentes para comprovar o que talvez constitua uma façanha num mundo cada vez mais competitivo. Com base em dados levantados pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Escola Superior de Agricultura Luiz Queiroz da USP, o portal Agrishow informa que o agronegócio representou 23,2% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2024.

É possível que essa participação tenha aumentado. No primeiro trimestre deste ano, o agronegócio cresceu 6,49% sobre igual período do ano passado; no segundo trimestre (estes dados são do IBGE), o aumento foi ainda mais expressivo, de 10,1%. Quanto às exportações, o agronegócio alcançou um resultado histórico em 2024: total de US$ 164,4 bilhões, praticamente metade de tudo o que o Brasil vendeu para o exterior. Soja, milho, carnes, café e suco de laranja continuam sendo os grandes produtos de exportação, mas há mudanças importantes na pauta de produtos vendidos ao exterior, com o acréscimo de frutas, algodão e produtos florestais.

Por que, com desempenho tão exuberante, crescentemente exuberante, e de tão longa duração, o setor agropecuário continua sendo um dos que mais recebem benefícios tributários? Ao participar de audiência na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados em junho, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o setor tem crescido em parte por ser “patrocinado pelo governo”. Diante dos números que o ministro apresentou, é difícil discordar dele. “A renúncia fiscal do agro é de R$ 158 bilhões. Vamos negar que estamos patrocinando o agro brasileiro?”, disse Haddad. O governo federal tem mostrado números sobre os diferentes benefícios fiscais, para diferentes beneficiários, com diferentes justificativas, que, no ano passado, somaram mais de R$ 500 bilhões. É o valor do imposto que teve sua cobrança isentada em razão de algum documento legal.

Trata-se de uma questão nacional, que precisa ser examinada com mais atenção pelos contribuintes, mas sobretudo por aqueles que decidem sobre políticas públicas e os meios de as financiar com recursos fiscais. É evidente que acabar com essas isenções não resolverá todos os problemas financeiros do governo, pois sempre haverá mais demanda por recursos do que disponibilidade. Mas eliminaria distorções e tornaria o sistema tributário menos injusto.

Pior é quando se descobre que, mesmo sendo tão beneficiadas por isenções, descontos ou outros benefícios tributários que somam dezenas de bilhões de reais, determinadas faixas de contribuintes conseguem assegurar, por meios legais, mas eticamente questionáveis, vantagens na declaração anual de rendimentos tributáveis.

Aprovado no início de outubro por unanimidade pela Câmara dos Deputados e elogiado por apontar na direção de maior justiça tributária, o projeto de lei que isenta do Imposto de Renda as pessoas que ganham até R$ 5 mil por mês e eleva a tributação de quem tem renda anual superior a R$ 600 mil contém particularidades que passaram quase despercebidas. Pequena emenda de iniciativa do relator do projeto, deputado Arthur Lira, excluiu da redação final a expressão “a parcela isenta (da renda) relativa à atividade rural” que constava da proposta original. Ganhos de produtores rurais isentos passariam a ser tributados, dentro do princípio de tributar mais os que ganham mais, mas a emenda impediu essa cobrança.

A manobra parlamentar beneficia produtores rurais de alta renda que declaram seu Imposto de Renda como pessoa física e optam pela modalidade de lucro presumido. Não é muita gente, pois a maioria dos grandes produtores rurais faz a declaração como pessoa jurídica. Mas a emenda, quase ignorada, reduzirá o impacto das mudanças em um valor que, conforme o estudo, varia de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões. É pouco perto do que o agronegócio ganha de benefícios fiscais, mas a tributação ajudaria a reduzir inconsistências e injustiças do sistema atual.

É poderosa a bancada do agronegócio no Congresso. Tão poderosa que, mesmo quando comemorou outras vitórias asseguradas pelo projeto de lei de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, nem precisou citar essa. Tão poderosa que, mais do que proteger de acordo com as boas práticas tributárias, blinda o setor de qualquer tentativa de torná-lo um pouco mais igual aos demais contribuintes.

Nenhum comentário: