O Estado de S. Paulo
Por que, com desempenho tão exuberante e de
tão longa duração, o setor agropecuário continua sendo um dos que mais recebem
benefícios tributários?
O Dia Nacional da Agricultura, comemorado na
sexta-feira passada, mereceu oportuna lembrança pelo portal Agrishow, mantido
pela instituição que organiza anualmente, em Ribeirão Preto, a feira de mesmo
nome, considerada uma das maiores do mundo em seu gênero. A data, observou o
portal, “convida à reflexão sobre o impacto da agricultura na economia”. A reflexão
vale a pena.
Num longo período em que a economia brasileira vem patinando, o agronegócio bate recordes de produção, exportação, produtividade, adoção de novas tecnologias, geração de emprego e diversificação. Bastam alguns dados recentes para comprovar o que talvez constitua uma façanha num mundo cada vez mais competitivo. Com base em dados levantados pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Escola Superior de Agricultura Luiz Queiroz da USP, o portal Agrishow informa que o agronegócio representou 23,2% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2024.
É possível que essa participação tenha
aumentado. No primeiro trimestre deste ano, o agronegócio cresceu 6,49% sobre
igual período do ano passado; no segundo trimestre (estes dados são do IBGE), o
aumento foi ainda mais expressivo, de 10,1%. Quanto às exportações, o
agronegócio alcançou um resultado histórico em 2024: total de US$ 164,4
bilhões, praticamente metade de tudo o que o Brasil vendeu para o exterior.
Soja, milho, carnes, café e suco de laranja continuam sendo os grandes produtos
de exportação, mas há mudanças importantes na pauta de produtos vendidos ao
exterior, com o acréscimo de frutas, algodão e produtos florestais.
Por que, com desempenho tão exuberante,
crescentemente exuberante, e de tão longa duração, o setor agropecuário
continua sendo um dos que mais recebem benefícios tributários? Ao participar de
audiência na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados em
junho, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o setor tem crescido
em parte por ser “patrocinado pelo governo”. Diante dos números que o ministro
apresentou, é difícil discordar dele. “A renúncia fiscal do agro é de R$ 158
bilhões. Vamos negar que estamos patrocinando o agro brasileiro?”, disse
Haddad. O governo federal tem mostrado números sobre os diferentes benefícios
fiscais, para diferentes beneficiários, com diferentes justificativas, que, no
ano passado, somaram mais de R$ 500 bilhões. É o valor do imposto que teve sua
cobrança isentada em razão de algum documento legal.
Trata-se de uma questão nacional, que precisa
ser examinada com mais atenção pelos contribuintes, mas sobretudo por aqueles
que decidem sobre políticas públicas e os meios de as financiar com recursos
fiscais. É evidente que acabar com essas isenções não resolverá todos os
problemas financeiros do governo, pois sempre haverá mais demanda por recursos
do que disponibilidade. Mas eliminaria distorções e tornaria o sistema
tributário menos injusto.
Pior é quando se descobre que, mesmo sendo
tão beneficiadas por isenções, descontos ou outros benefícios tributários que
somam dezenas de bilhões de reais, determinadas faixas de contribuintes
conseguem assegurar, por meios legais, mas eticamente questionáveis, vantagens
na declaração anual de rendimentos tributáveis.
Aprovado no início de outubro por unanimidade
pela Câmara dos Deputados e elogiado por apontar na direção de maior justiça
tributária, o projeto de lei que isenta do Imposto de Renda as pessoas que
ganham até R$ 5 mil por mês e eleva a tributação de quem tem renda anual
superior a R$ 600 mil contém particularidades que passaram quase despercebidas.
Pequena emenda de iniciativa do relator do projeto, deputado Arthur Lira,
excluiu da redação final a expressão “a parcela isenta (da renda) relativa à
atividade rural” que constava da proposta original. Ganhos de produtores rurais
isentos passariam a ser tributados, dentro do princípio de tributar mais os que
ganham mais, mas a emenda impediu essa cobrança.
A manobra parlamentar beneficia produtores
rurais de alta renda que declaram seu Imposto de Renda como pessoa física e
optam pela modalidade de lucro presumido. Não é muita gente, pois a maioria dos
grandes produtores rurais faz a declaração como pessoa jurídica. Mas a emenda,
quase ignorada, reduzirá o impacto das mudanças em um valor que, conforme o
estudo, varia de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões. É pouco perto do que o
agronegócio ganha de benefícios fiscais, mas a tributação ajudaria a reduzir
inconsistências e injustiças do sistema atual.
É poderosa a bancada do agronegócio no Congresso. Tão poderosa que, mesmo quando comemorou outras vitórias asseguradas pelo projeto de lei de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, nem precisou citar essa. Tão poderosa que, mais do que proteger de acordo com as boas práticas tributárias, blinda o setor de qualquer tentativa de torná-lo um pouco mais igual aos demais contribuintes.
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