terça-feira, 21 de outubro de 2025

O último show de Barroso, por Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

Lula – assim se planta – indicaria Jorge Messias ao Supremo na sexta passada. Não o fez porque informado de que Luís Roberto Barroso, tutor-educador de eleitos, armaria seu show derradeiro. Não deu outra, o pavão, aquele que nos protege de nós mesmos, deixando o seu voto – ato final do artista – no julgamento sobre a descriminalização do aborto até doze semanas de gestação.

A forma importa. Voto publicado à última hora, ao apagar das luzes. Isso depois de reter o processo por dois anos, sua presidência adentro, período no curso do qual, sendo o senhor da pauta, algumas vezes disse que não colocaria a ação para jogo porque o país, tribunal incluído, não estaria preparado.

Nada mudou, senão a decisão de Barroso – o único fato novo – por se aposentar, razão suficiente para, em questão tão controversa, ignorar o próprio juízo e esgarçar ainda mais um tecido social já descosturado. Currículo, o que acha que ergueu, em primeiro lugar; depois, bem depois, o tema que fantasia impor ao Congresso reacionário.

Reacionário ou não, o Congresso é o locus, segundo as prerrogativas que a República distribui, para formulação e ajustes das leis. E a omissão parlamentar, uma posição – não raro expressiva das divergências na sociedade.

 

Tema divisivo, matéria legislativa, que – o STF estabelecido, imposto mesmo, como terceiro Parlamento – a vaidade nem sequer considerou debater no plenário físico, reunido todo o colegiado, expressão máxima do tribunal. Não. Barroso preferiu reforçar a individualidade que produzira o vício monocrático vigente. Preferiu a coreografia de clubinho, submetido assunto tão delicado à escritura da biografia que supõe constituir para si. Quis lacrar. Fazer história, deixar legado, como aquele moleque que solta um pum, fecha a porta e sai correndo.

 

Tudo combinado, ensaiado, numa homenagem ao personalismo que expõe a Casa e a causa: Barroso solicitou sessão virtual extra aos 45 minutos do segundo tempo, o amigo presidente Fachin lhe deu o presente-palco de despedida, ele votou – e então o decano Gilmar Mendes pediu destaque e interrompeu o julgamento.

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Estava óbvio e se podia cantar – como fizemos no Estadão Analisa – que o exibido assim procederia: juiz de Corte constitucional que zela antes e sobretudo pela própria imagem, e cuja guarda da Carta sempre foi subordinada aos efeitos dos ventos conforme vistos no espelho, é o suprassumo da previsibilidade.

Alguém com esse comportamento não vota, não considera consequências. Atua. Baila. É um balé. Arte de solista, macho egoísta cujo teatro irresponsável – nessa forma fragmentada, com mais um votinho pingado no escuro – só facilita a organização-reação do Congresso que pretendeu vencer. Que pretendeu vencer, depois de lustrar o busto que imagina esculpir para si.

 

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