terça-feira, 21 de outubro de 2025

Nova fronteira do desemprego está entre os jovens qualificados, por Cecilia Machado

Folha de S. Paulo

Inteligência artificial generativa tende a restringir as oportunidades iniciais

Transição definirá se IA será motor de inclusão ou obstáculo para uma geração

No passado, transformações tecnológicas —como a disseminação do computador pessoal, nos anos 1980— reconfiguraram profundamente o mercado de trabalho, a estrutura de salários e as desigualdades.

Os ganhos de produtividade foram expressivos, mas favoreceram mais os trabalhadores qualificados, em comparação aos de menor escolaridade ou inseridos em ocupações rotineiras que foram automatizadas, ampliando a desigualdade.

Agora, a inteligência artificial generativa (IAG) sinaliza nova onda de mudança. Algumas ferramentas, como assistentes virtuais em serviços de atendimento, aumentam a produtividade em torno de 15%, chegando a 30% em alguns casos. Já os impactos em emprego variam conforme o perfil dos trabalhadores.

Muitas aplicações concentram-se em geração de textos, sínteses e códigos —tarefas típicas dos recém-ingressos no mercado de trabalho. Não por acaso, a taxa de desemprego entre jovens recém-formados está, pela primeira vez em 30 anos, acima da média da economia americana. Evidências recentes confirmam que os efeitos recaem sobretudo sobre eles.

Dados de milhões de trabalhadores nos EUA mostram que jovens de 22 a 25 anos em ocupações expostas à IAG sofreram queda de emprego de cerca de 13% desde 2022, período de forte expansão do uso dessas ferramentas no ambiente de trabalho.

Para as demais faixas etárias, nas mesmas funções, o emprego continuou crescendo. Já em ocupações menos expostas, jovens e adultos tiveram trajetória semelhante.

Isso sugere que a IAG está moldando de forma decisiva o início da carreira de muitos jovens, especialmente daqueles que investiram em "conhecimento codificado", adquirido em cursos formais, mas facilmente replicado pelos algoritmos.

Nem todo uso da IAG, contudo, está associado à queda do emprego: quando as aplicações complementam o trabalho humano —apoiando processos, transmitindo boas práticas, difundindo conhecimento—, o emprego de jovens até cresce. A redução concentra-se nas aplicações que automatizam tarefas.

Esta dinâmica é inédita: em vez de abrir espaço para os jovens mais escolarizados, como ocorreu em ondas tecnológicas passadas, a IAG tende a restringir as oportunidades iniciais. Se a tendência se consolidar, os jovens encontrarão menos portas abertas não por falta de qualificação, mas porque parte de seu conhecimento já foi absorvida pelos algoritmos.

De um lado, os ganhos de produtividade são reais, podem dinamizar a economia e até produzir novas ocupações. De outro, se a substituição recair sobre os jovens, os custos sociais poderão ser elevados e duradouros.

O risco não é apenas de maior desemprego entre os recém-formados, mas de erosão do processo de aprendizado no trabalho —momento crucial de acumular "conhecimento tácito", construído pela prática e menos suscetível à automação. Sem esse processo, compromete-se a formação da experiência que sustenta o futuro da força de trabalho.

A regulação da IAG não deve se restringir aos riscos de segurança ou aos vieses algorítmicos: é essencial incorporar também seus efeitos distributivos.

Isso significa incentivar aplicações que fortaleçam o aprendizado dos recém-ingressos, atualizar currículos universitários para incluir as novas competências demandadas e apoiar a realocação dos trabalhadores afetados. A forma como conduzirmos essa transição determinará se a revolução da IAG será motor de inclusão produtiva ou, ao contrário, obstáculo para toda uma geração.

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