terça-feira, 21 de outubro de 2025

A ordem que sustentava o domínio progressista ruiu, por Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

Toda vez que a elite tenta impor seus valores à revelia da maioria da população ela gera um ressentimento

Com as redes sociais, 'patriotas indignados' fazem frente aos 'militantes progressistas'

Em sua despedida do STF, o ministro Barroso deixou seu voto na ação que visa a liberar o aborto até 12 semanas de gestação. Cumpriu, ali, o papel de vanguarda iluminista que ele sempre defendeu para o Supremo. Seu voto, ademais, repete pontos que eu e muitos leitores desta Folha devem concordar.

Suspeito que haja quase um quase consenso moral progressista e laico na imprensa —mesmo entre vozes relativamente mais à direita como eu. Mas ele não se reflete na sociedade como um todo.

Essa intuição —de que o progressismo é uma minoria— ganhou expressão numérica com a pesquisa conjunta da More in Common Brasil e da Quaest sobre a polarização no Brasil. Com base num amplo questionário sobre política e visão de mundo, a pesquisa traçou seis perfis básicos da população: militantes progressistas, esquerda tradicional, desengajados, cautelosos, conservadores tradicionais e patriotas indignados.

E o que essa pesquisa revela é o isolamento dos chamados "militantes progressistas". Direitos humanos, religião, cotas, pauta trans. Progressistas vão em média para um lado, o resto do Brasil vai para outro.

Embora pequeno, esse grupo detém um enorme capital cultural e midiático. A desigualdade econômica do Brasil leva a diversas outras desigualdades —do acesso ao ensino superior de qualidade, de acesso aos meios de comunicação. Um grupo minoritário falava quase sozinho para um povão que, inerte e sem os meios para encontrar visões contrárias, aceitava o que vinha dessa elite. Ou, se nem sempre aceitava, ao menos não se revoltava.

Com as redes sociais, isso mudou. Elas permitiram visões radicalmente dissidentes, e mesmo a negação de todo o establishment. Agora, um grupo de "patriotas indignados" faz frente aos militantes progressistas —ambos têm alto nível de engajamento em discussões e protestos. Querem falar e mudar a sociedade ativamente.

O povo que os escuta, contudo, é espontaneamente, em sua ideologia, muito mais próximo dos patriotas do que dos progressistas. Mesmo a "esquerda tradicional" é mais próxima dos outros quatro grupos do que dos "militantes progressistas" em uma série de recortes. A começar pela religiosidade.

Isso não significa que, na hora do voto, a maioria penderá sempre para o candidato de direita. Há muitas outras considerações em jogo, que levaram inclusive muitos a votarem em Lula em 2022. Mas indica algo sobre o tipo de perfil de político que tem mais facilidade de crescer entre o eleitorado e se firmar como formador de opinião.

Supremo, universidades federais, imprensa, artes —uma elite progressista dominou todos os principais meios de informação de uma ordem social que vigorou desde o pós-guerra. Hoje, essa ordem está ruindo. O que antes era dominado por poucos —valores, opinião— hoje foi radicalmente democratizado. E toda vez que essa elite tenta impor seus valores à revelia da maioria da população ela gera um ressentimento, corrói sua legitimidade. A vanguarda iluminista hoje pode muito menos.

É hora de entender que a dinâmica do jogo mudou, e que o domínio outrora garantido pelo monopólio dos meios escassos de comunicação hoje depende de persuadir nossos concidadãos em pé de igualdade. E, nesse jogo, os conservadores estão na frente.

 

 

 

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