Folha de S. Paulo
Toda vez que a elite tenta impor seus valores
à revelia da maioria da população ela gera um ressentimento
Com as redes sociais, 'patriotas indignados'
fazem frente aos 'militantes progressistas'
Em sua despedida do STF, o ministro
Barroso deixou seu voto na ação que visa a liberar o aborto até
12 semanas de gestação. Cumpriu, ali, o papel de vanguarda iluminista que ele
sempre defendeu para o Supremo. Seu voto, ademais, repete pontos que eu e
muitos leitores desta Folha devem concordar.
Suspeito que haja quase um quase consenso moral progressista e laico na imprensa —mesmo entre vozes relativamente mais à direita como eu. Mas ele não se reflete na sociedade como um todo.
Essa intuição —de que o progressismo é uma
minoria— ganhou expressão numérica com a pesquisa conjunta da More in Common
Brasil e da Quaest sobre a polarização no Brasil. Com base num amplo
questionário sobre política e visão de mundo, a pesquisa traçou seis perfis
básicos da população: militantes progressistas, esquerda tradicional,
desengajados, cautelosos, conservadores tradicionais e patriotas indignados.
E o que essa pesquisa revela é o isolamento
dos chamados "militantes progressistas". Direitos
humanos, religião, cotas, pauta trans. Progressistas vão em média
para um lado, o resto do Brasil vai para outro.
Embora pequeno, esse grupo detém um enorme
capital cultural e midiático. A desigualdade econômica do Brasil leva a
diversas outras desigualdades —do acesso ao ensino superior de qualidade, de
acesso aos meios de comunicação. Um grupo minoritário falava quase sozinho para
um povão que, inerte e sem os meios para encontrar visões contrárias, aceitava
o que vinha dessa elite. Ou, se nem sempre aceitava, ao menos não se revoltava.
Com as redes sociais, isso mudou. Elas
permitiram visões radicalmente dissidentes, e mesmo a negação de todo o
establishment. Agora, um grupo de "patriotas indignados" faz frente
aos militantes progressistas —ambos têm alto nível de engajamento em discussões
e protestos. Querem falar e mudar a sociedade ativamente.
O povo que os escuta, contudo, é
espontaneamente, em sua ideologia, muito mais próximo dos patriotas do que dos
progressistas. Mesmo a "esquerda tradicional" é mais próxima dos
outros quatro grupos do que dos "militantes progressistas" em uma
série de recortes. A começar pela religiosidade.
Isso não significa que, na hora do voto, a
maioria penderá sempre para o candidato de direita. Há muitas outras
considerações em jogo, que levaram inclusive muitos a votarem em Lula em
2022. Mas indica algo sobre o tipo de perfil de político que tem mais
facilidade de crescer entre o eleitorado e se firmar como formador de opinião.
Supremo, universidades federais, imprensa,
artes —uma elite progressista dominou todos os principais meios de informação
de uma ordem social que vigorou desde o pós-guerra. Hoje, essa ordem está
ruindo. O que antes era dominado por poucos —valores, opinião— hoje foi
radicalmente democratizado. E toda vez que essa elite tenta impor seus valores
à revelia da maioria da população ela gera um ressentimento, corrói sua
legitimidade. A vanguarda iluminista hoje pode muito menos.
É hora de entender que a dinâmica do jogo
mudou, e que o domínio outrora garantido pelo monopólio dos meios escassos de
comunicação hoje depende de persuadir nossos concidadãos em pé de igualdade. E,
nesse jogo, os conservadores estão na frente.
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