sábado, 22 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Senado tem bons motivos para rejeitar Messias no STF

Por Folha de S. Paulo

Como já fizera Bolsonaro, Lula enfraquece instituição ao indicar ministros por fidelidade

Casa legislativa é o freio constitucional a ambição presidencial espúria; escolhidos por mérito mostram mais autonomia

Jorge Messias ficou nacionalmente conhecido em 2016, quando foi incumbido pela ainda presidente Dilma Rousseff (PT) de entregar a Luiz Inácio Lula da Silva um termo de posse como ministro da Casa Civil. A manobra, frustrada por liminar de Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, daria a Lula, acossado por investigações de corrupção, foro especial no Judiciário.

É na mesma condição de homem de confiança que Messias recebe agora do chefe a indicação para ministro do STF —a condição que já o levou ao comando da Advocacia-Geral da União (AGU) e a diversas outras funções em gestões petistas.

Vá lá que fidelidade e alinhamento político sejam critérios aceitáveis para o preenchimento de cargos estratégicos no gabinete presidencial. Nunca o serão, porém, quando se trata de escolha para a mais alta corte do país.

Em seu terceiro mandato, Lula aprofunda uma prática funesta que aprendeu com o antecessor, Jair Bolsonaro (PL), e aprofundou. Ambos se puseram a aparelhar o Supremo com nomes de menor qualificação jurídica e maior gratidão ao padrinho, enfraquecendo uma instituição republicana essencial e a independência entre os Poderes.

Se Bolsonaro é um autoritário convicto, Lula aprendeu a lição errada e se esqueceu dos acertos de seus dois primeiros mandatos. Por mais que a corte tenha acumulado contradições ao sabor dos ventos políticos nos últimos anos, os ministros selecionados por mérito em gestões petistas anteriores mostraram maiores altivez e independência em momentos cruciais como o julgamento do Mensalão e o impeachment de Dilma.

É perfeitamente legítimo que um presidente indique para o posto alguém com quem compartilhe valores e visões de mundo —há juristas das mais diferentes inclinações à disposição. Nesses casos, a garantia de permanência no tribunal até a aposentadoria compulsória tende a fortalecer a autonomia do escolhido.

Coisa muito diferente é apontar subordinados diretos, amigos e aliados políticos de longa data, como se o STF fosse uma extensão do palácio de governo. Bolsonaro quis um evangélico, André Mendonça; Lula, seu advogado pessoal, Cristiano Zanin.

O freio a essa ambição presidencial espúria, conforme definido pela Constituição, é o Senado Federal, ao qual cabe sabatinar os indicados e deliberar sobre sua aprovação. Há bons e maus motivos para que, desta vez, tal processo não transcorra como uma mera formalidade.

De menos nobre, a cúpula da Casa legislativa já demonstrou sem maiores sutilezas a preferência por um dos seus, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que a chefiou entre 2021 e o início deste ano. Foi apenas essa pressão que retardou o anúncio oficial da indicação de Messias, há muito decidida.

Acima do corporativismo reles, compete aos senadores fazer valer a exigência de "notável saber jurídico" imposta pelo texto constitucional aos ministros do Supremo e, sobretudo, inibir novas afrontas do presidente de turno à independência da corte.

Falhas em série na COP30

Folha de S. Paulo

De crise de hospedagem a incêndio, evento em Belém teve problemas em logística e infraestrutura

Carta da ONU do dia 12 expôs precariedade da segurança após invasão de manifestantes, além de refrigeração inadequada e infiltrações

Terminou em chamas a sequência de falhas logísticas e estruturais que permearam a COP30 em Belém.

Na quinta (20), um incêndio atingiu o pavilhão dos países na zona azul, área reservada às negociações oficiais nacionais e da Cúpula dos Líderes. O fogo foi controlado em poucos minutos e não houve feridos. Segundo o Ministério da Saúde, 27 pessoas foram atendidas por inalação de fumaça ou crise de ansiedade.

O ministro do Turismo, Celso Sabino, disse que o incêndio poderia ter ocorrido em qualquer lugar do mundo e que "não vai colar a ideia de que Belém não deveria sediar a COP". Mas, ainda que o episódio tenha sido uma fatalidade, sabe-se que eventos com grande aglomeração de pessoas são arriscados e exigem atenção redobrada na organização.

E, desde o início, a escolha de Belém pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) suscitou preocupação por se tratar de uma cidade de médio porte com deficiências graves de infraestrutura, como saneamento, e que nunca havia recebido eventos internacionais próximos da magnitude de uma conferência da ONU.

Em julho, dezenas de negociadores enviaram uma carta ao governo brasileiro e à UNFCCC (braço climático das Nações Unidas) na qual relataram problemas de logística, como os altos preços das hospedagens, e pediram que ao menos parte da COP30 fosse transferida para outra cidade.

Após uma força-tarefa da Casa Civil e da ONU ampliar o auxílio financeiro a diplomatas, uma demanda de diversos países endossada pelo Brasil, a questão das acomodações foi resolvida. No início do evento, entretanto, emergiram outras complicações.

Em carta do dia 12, o secretário-executivo da UNFCCC, Simon Stiell, expôs a precariedade da segurança local após uma invasão de manifestantes, além de refrigeração inadequada e infiltrações de água das chuvas que poderiam causar choques elétricos.

Até esta sexta (21), bombeiros e Polícia Federal não haviam atestado as causas do incêndio. A montagem e a transmissão da conferência são de responsabilidade da Organização dos Estados Ibero-Americanos.

Lula fez defesa veemente de Belém após comentários depreciativos do premiê alemão, Friedrich Merz, de fato inapropriados. A melhor forma de deixar para trás os problemas de organização, que não depende só do Brasil, seria um avanço palpável na conclusão da COP amazônica.

Recuo de Trump no tarifaço evidencia mérito de Lula

Por O Globo

Desde o início, estava claro que os próprios americanos tinham a perder com a manutenção das taxas

O recuo de Donald Trump na imposição de uma tarifa adicional de 40% sobre 200 produtos agrícolas brasileiros reflete o acerto da estratégia adotada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo Itamaraty em reação ao tarifaço trumpista. Em julho, cerca de 700 outros produtos já haviam sido desonerados. Na semana passada, Trump também voltou atrás na tarifa de 10% imposta globalmente sobre produtos agrícolas e de outros setores. A nova lista inclui carne bovina, café e frutas e traz alívio ao agronegócio.

É verdade que a reação do Brasil ao tarifaço, imposto para pressionar o Judiciário no processo contra Jair Bolsonaro, começou aos tropeços. Lula demorou a enviar o chanceler Mauro Vieira aos Estados Unidos, e os petistas não tinham canais de comunicação no governo republicano. Também não ajudou Lula ter apoiado Kamala Harris na campanha presidencial. Nas primeiras semanas, ele parecia mais disposto a discursar em defesa da soberania nacional e a criticar Trump do que a desobstruir as vias de comunicação. Ao mesmo tempo, a reação oficial brasileira foi sóbria. O governo evitou retaliação, o Itamaraty trabalhou na construção de pontes, e empresários fizeram chegar seu ponto de vista aos americanos.

Em setembro, Bolsonaro já condenado, Lula aproveitou a Assembleia Geral da ONU, em Nova York, para entabular uma conversa rápida com Trump, que já havia recebido queixas de empresas americanas prejudicadas pelo tarifaço. Deu certo. “Na verdade, ele gostou de mim, eu gostei dele. Tivemos uma química excelente”, disse Trump.

O episódio teve duas consequências práticas. Primeiro, desmascarou a pantomima do deputado federal Eduardo Bolsonaro. Há meses nos Estados Unidos lutando contra o Brasil, ele alegava ter acesso e influência ilimitada nas decisões da Casa Branca. Mais que isso, celebrou as tarifas numa atitude indigna, mostrando que seus interesses eram pessoais, e não patrióticos. A realidade expôs o delírio. Segundo, e mais relevante, o encontro deu impulso aos esforços pelo entendimento. No início de outubro, Lula e Trump conversaram por telefone e, 20 dias depois, se encontraram na Malásia. Nesse meio-tempo, Vieira e o secretário de Estado Marco Rubio aprofundaram as negociações, ainda em andamento.

Desde o início, a conjuntura era favorável aos brasileiros. Ao contrário de Canadá e México, o Brasil não depende do mercado americano para exportar (apenas 12% das vendas externas eram enviadas para lá antes do tarifaço), e parcela considerável dos exportadores prejudicados conseguiu encontrar compradores alternativos. À medida que o tempo passava, as tarifas e restrições a produtos brasileiros surtiram o efeito previsível na economia americana: passaram a alimentar a inflação. Esse é o principal motivo do recuo de Trump — e mostra por que o melhor que o Brasil tinha a fazer era esperar.

Na negociação, ainda resta ampliar as isenções tarifárias aos produtos industriais. Não será tão fácil. De todo modo, os canais de comunicação agora estão abertos, e o maior impasse na história diplomática dos dois países foi superado. Para os Estados Unidos, ficou aparentemente claro que a pressão de Trump nunca teve chance de influenciar o julgamento de Bolsonaro — e que o Brasil não negocia a independência da Justiça, a soberania, nem a ordem democrática.

Prometer zerar a fila do INSS não passou de demagogia eleitoral

Por O Globo

Pressionado por risco fiscal, fraudes e abusos judiciais, compromisso de campanha virou embaraço para Lula

Desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu seu terceiro mandato, a fila do INSS é motivo de constrangimento diário e desgaste para o governo. Em 2022, na campanha à Presidência, Lula prometeu acabar com a espera para receber benefícios sociais. “Se nós voltarmos, vamos fazer isso, porque o mundo digital está muito mais moderno”, disse em comício. Já eleito, renovou a aposta. Em janeiro de 2023, quando a fila estava em 1,23 milhão de pedidos, afirmou: “Estejam certos de que vamos acabar com a vergonhosa fila do INSS”. Depois de quase três anos de mandato, a promessa não foi cumprida. Ao contrário. Não para de crescer o contingente de cidadãos à espera de aposentadorias, pensões e benefícios. Em outubro, havia 2,862 milhões, maior fila já registrada (os dados mais recentes ainda não foram divulgados). Desde o início do ano, houve acréscimo de 23% em novos requerimentos.

Boa parte da fila é ocupada por pedidos de benefício por incapacidade temporária (1,3 milhão) e pelo Benefício de Prestação Continuada (1,1 milhão), destinado a idosos e deficientes de baixa renda. Na tentativa de melhorar a situação, o INSS anunciou a criação de um comitê para monitorar, avaliar e propor soluções. Quando o governo chegar a uma conclusão, certamente a fila já estará maior.

Lula não foi o único a fazer promessas. Ao assumir o cargo em 2023, o então ministro da Previdência, Carlos Lupi, se comprometeu a zerar a fila. No ano seguinte, diante do choque de realidade, adotou postura mais cautelosa. “Quem diz que vai acabar com a fila é mentiroso”, afirmou. “Tem que conferir documento, tem que ser justo.” A meta era chegar ao fim de 2024 com 30 dias de espera para conceder benefícios. Pois hoje o tempo médio está em 35 dias (o prazo legal máximo é 45). Lupi deixou o governo no início de maio, na esteira do escândalo dos descontos indevidos na folha de aposentados e pensionistas, longe de zerar a fila.

É certo que aumentar o ritmo de concessão de benefícios teria forte impacto na já combalida Previdência — só o BPC custou R$ 10 bilhões aos cofres públicos em setembro, ante R$ 6,7 bilhões no primeiro mês do governo. Tão certo quanto isso é que os fraudadores estão sempre à espreita, procurando brechas para burlar as regras estabelecidas. A via judicial também tem se mostrado outro caminho eficaz. Dos 6,5 milhões que recebem BPC, 1 milhão obteve o benefício na Justiça. O INSS tem reagido impondo normas mais rígidas na concessão, como biometria e outros controles. Obviamente, é preciso haver avaliação criteriosa. Mas o cidadão honesto que entra na fila para reivindicar direitos previstos em lei não pode pagar o preço das fraudes e abusos judiciais.

Uma fila de quase 3 milhões exige uma logística complexa para analisar os pedidos. Boa parte dos casos depende de perícia médica, outro complicador e foco recorrente de burlas. O importante é ter um diagnóstico preciso dos gargalos existentes e eliminá-los. Além, claro, de evitar fazer promessas demagógicas, impossíveis de cumprir.

Trump se curva à realidade

Por O Estado de S. Paulo

Que Lula não se iluda: decisão de Trump de aliviar tarifas contra o Brasil se deu mais em razão da inflação do que da negociação. O governo tem de trabalhar para derrubar as demais tarifas

O presidente dos EUA, Donald Trump, decidiu retirar a tarifa adicional de 40% sobre uma série de produtos brasileiros vendidos no mercado americano, entre eles café e carnes. Antes, Trump já havia eliminado a tarifa recíproca de 10% sobre alguns desses mesmos itens. Agora, segundo levantamento do Estadão, mais de 900 produtos brasileiros estão isentos de tal fardo.

Ato contínuo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva alardeou que a decisão de Trump resultou das negociações empreendidas pelo governo brasileiro nos EUA desde a imposição das tarifas, em julho. Segundo Lula, trata-se de uma “vitória do diálogo, da diplomacia e do bom senso”. O presidente brasileiro se disse “feliz”, e tem mesmo razões para estar, mas é mais provável que Trump tenha voltado atrás não exatamente em razão da “química” com Lula, mas porque as tarifas causaram inflação nos EUA e, com isso, corroeram a popularidade do presidente americano.

A inflação dos EUA atingiu 3% em setembro, substancialmente acima da meta de 2% perseguida pelo Fed, o banco central do país. Os dados de outubro não foram divulgados por causa da paralisação do governo, que se arrastou por 43 dias em razão do impasse entre republicanos e democratas sobre o orçamento federal.

Uma pesquisa ABC News/Washington Post/Ipsos mostra que seis entre dez americanos culpam Trump pela inflação elevada, e 65% desaprovam a administração do tarifaço pelo presidente.

A carestia, além de questões como as relações de Trump com o financista Jeffrey Epstein, condenado por abuso sexual de menores, derrubou a popularidade do presidente para 38%, o menor nível desde que ele retornou à Casa Branca, segundo pesquisa Reuters/Ipsos.

Por fim, o mau desempenho de republicanos nas eleições para governos locais, no início de novembro, também obrigou Trump a virar a chave para que o Partido Republicano não perca a maioria no Congresso nas eleições legislativas de 2026.

Ao recuar das tarifas contra o Brasil, Trump chegou a citar a conversa telefônica que teve com Lula no início de outubro, dando a entender que sua atitude foi motivada pelas negociações com o presidente brasileiro. Não se pode ignorar o papel desempenhado pela diplomacia brasileira e pelo presidente Lula, é claro, mas é muito mais provável que Trump queira fazer parecer que sua decisão tem mais a ver com uma negociação comercial vantajosa para os EUA do que com a péssima conjuntura eleitoral que o acossa. Afinal, o tarifaço é o pilar de Trump para fazer os EUA “grandes de novo”.

Recorde-se que, antes de eliminar as tarifas sobre produtos brasileiros, Trump já havia entrado em acordo com a arqui-inimiga China, reduzindo a tarifa adicional sobre exportações chinesas de 20% para 10%. Desde que tomou posse, Trump ameaçou por mais de uma vez impor tarifas acima de 100% aos produtos chineses vendidos nos EUA, mas, diante do poder de retaliação de Pequim e do estrago que as tarifas elevadas provocariam sobre as empresas americanas, voltou atrás todas as vezes, sempre alegando ter conseguido uma negociação vantajosa com os chineses.

Portanto, Trump parece aos poucos inclinar-se a desmantelar a política protecionista por meio da qual prometeu o paraíso aos americanos e lhes entregou preços altos.

No caso específico das tarifas contra o Brasil, é importante salientar que Trump, quando as impôs, se disse motivado pela “perseguição” ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Como a situação de Bolsonaro não mudou nada desde então – ao contrário, nesse meio tempo ele foi condenado a uma pena duríssima por tentativa de golpe de Estado e está a dias de saber se a cumprirá em casa ou num presídio –, não é difícil concluir que seu caso deixou de ter importância nos cálculos de Trump. O deputado Eduardo Bolsonaro, que está há meses nos EUA articulando as sanções contra o Brasil, terá de encontrar outra ocupação.

Quanto ao governo brasileiro, fará bem em ser prudente. Trump é mercurial e pode voltar atrás a qualquer momento, sem maiores explicações. E cabe ao Brasil continuar a trabalhar para derrubar as tarifas impostas a outros setores exportadores e para construir relações mais sólidas com o governo Trump. O trabalho só começou.

O abismo da miséria volta a se abrir

Por O Estado de S. Paulo

Estudo mostra que a maior conquista moral do mundo moderno – a redução da extrema pobreza – está ameaçada. Recursos há em excesso, mas faltam instituições sólidas e incentivos produtivos

Em nossa geração, a humanidade viveu um feito sem paralelo: de 1990 a 2025, o número de pessoas em extrema pobreza caiu de 2,3 bilhões para 800 milhões, a mortalidade infantil despencou e a expectativa de vida avançou como nunca. Foi o maior salto civilizatório jamais visto. Agora, porém, esse capítulo ameaça encontrar seu ponto final.

Novas projeções da plataforma Our World in Data através de dados do Banco Mundial soam um alarme: nos próximos 15 anos a extrema pobreza deve, primeiro, estagnar e, depois, voltar a crescer. Desde a Revolução Industrial, a combinação de tecnologia, abertura comercial, produtividade e representatividade política reduziu os miseráveis de 90% da população mundial para 8%. Pela primeira vez em dois séculos, essa curva virtuosa corre o risco de se achatar. A humanidade está perdendo o impulso que a arrancou da miséria ancestral.

Países que se abriram ao comércio, à inovação e ao empreendedorismo escaparam da armadilha malthusiana que dominou a história humana. Em sua obra seminal, Por que as nações fracassam, os prêmios Nobel Daron Acemoglu e James Robinson mostram que o progresso não foi fruto de sorte, mas de instituições inclusivas: poderes limitados, governos representativos e regras claras criam oportunidades, incentivam investimentos e premiam o esforço e a inovação.

Mas o mundo começou a rasgar esse roteiro de sucesso. O primeiro golpe veio com o retrocesso da globalização. Na Europa, na Ásia, na América Latina e, mais decisivamente, nos EUA, tarifas e subsídios renascem como bandeiras de salvação nacional. O protecionismo volta a ser vendido como patriotismo econômico, apesar de suas consequências arquiconhecidas: menos produtividade, mais inflação, cadeias fragmentadas. É um choque autoinfligido.

Além disso, há a degradação institucional. Países que ainda concentram os bilhões mais pobres – sobretudo na África Subsaariana – continuam presos a Estados frágeis, sistemas políticos excludentes e economias sem competição. Na América Latina, o Estado é um distribuidor de favores, subsídios e proteções setoriais. O dirigismo industrial substitui abertura por privilégios, concorrência por reservas de mercado e políticas públicas por clientelismo. O problema é menos o tamanho do Estado do que sua captura.

Um terceiro fator é a má priorização. Investimentos em nutrição e saúde infantil, educação básica ou pesquisa e desenvolvimento agrícola oferecem benefícios sociais gigantescos e custam uma fração dos subsídios distribuídos a setores privilegiados, mas seguem eclipsados por agendas de prestígio, favores políticos e lobbies corporativistas.

Soluções populistas seduzem, mas destroem. Tarifas, protecionismo e nostalgia estatista são precisamente as ferramentas que nunca funcionaram. Enclausuram economias, punem consumidores, frustram a inovação e alimentam tensões geopolíticas. Empobrecem todos, mas principalmente os mais pobres.

A redução da pobreza exige crescimento sustentado, e crescimento exige produtividade. Protecionismo reduz produtividade. Captura estatal reduz produtividade. Políticas industriais indiscriminadas reduzem produtividade.

Se o mundo quiser retomar a redução da pobreza extrema, não é preciso inventar a roda. É preciso fortalecer instituições, garantindo segurança jurídica, competição e um Estado impessoal que não distribua favores. É preciso priorizar políticas sociais de alto retorno, em vez de capturas setoriais e protecionismos disfarçados. E é preciso sobretudo reabilitar a agenda da integração comercial, diversificar cadeias e ampliar acordos comerciais – as alavancas comprovadamente mais eficazes para elevar bilhões de pessoas acima da linha da miséria.

A pobreza não é destino. É fruto de incentivos ruins e governança precária, enfim, de escolhas equivocadas – e, portanto, reversíveis. A humanidade avançou quando abraçou abertura, inovação e instituições inclusivas. Se o mundo quiser continuar a reduzir a pobreza extrema, precisa abandonar quimeras econômicas e ilusões políticas e retomar a agenda que mais funcionou na história humana: produzir, inovar e, sobretudo, abrir portas.

A reforma desejada e a possível

Por O Estado de S. Paulo

Pesquisa mostra que deputados não devem ter medo de enfrentar privilégios do Judiciário e do Ministério Público

Para surpresa de ninguém, quase metade da população brasileira está insatisfeita ou muito insatisfeita com os serviços públicos oferecidos pelo Estado, mas a maioria acredita que é possível ofertá-los com mais qualidade sem aumentar os gastos do governo. Esses são alguns dos achados de uma pesquisa feita pela Atlas/Intel e o Instituto República sobre reforma administrativa, que ouviu 2.287 pessoas com mais de 16 anos em todo o País entre os dias 23 e 28 de outubro.

A maioria das pessoas que responderam à pesquisa admitiu ter pouco conhecimento sobre a proposta relatada pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), que foi protocolada em outubro na Câmara. Mas as respostas podem inspirar o relator e seus colegas a dar respostas às justas demandas da sociedade por serviços públicos de mais qualidade, sobretudo agora que o apoio ao texto começou a minguar. Nas últimas semanas, vários deputados que haviam dado apoio à reforma pediram a retirada de seus nomes da proposta, pela pressão pública de entidades de servidores públicos e pelo lobby discreto de juízes e procuradores contra o texto. O receio é de perder votos faltando menos de um ano para as eleições.

A pesquisa prova que os opositores fazem barulho, mas são menos numerosos do que parecem. Há temas que os parlamentares, se quisessem, poderiam enfrentar sem medo de serem “punidos” nas urnas, como os privilégios da elite do funcionalismo – leia-se juízes e procuradores. Nada menos que 73,1% dos que participaram do levantamento disseram considerar que benefícios acima do teto remuneratório de R$ 46.366,19 são totalmente injustificados, 69,1% afirmaram que férias de 60 dias são totalmente injustas e 63,1% classificaram a aposentadoria compulsória como uma punição totalmente injusta.

A reforma administrativa é uma causa justa e necessária para o reequilíbrio do Estado. Mas, diante do calendário eleitoral, não é crível esperar da Câmara que aprove uma proposta tão ampla quanto a que o relator apresentou.

Isso não quer dizer que as justas demandas da sociedade pela melhoria do serviço público deveriam ficar sem resposta ou que a discussão sobre a reforma deveria ficar para um próximo governo – ou, mais provável, para as calendas. A alternativa é reduzir a ambição e priorizar aquilo que é consensual. E não é pouco: o combate aos supersalários, penduricalhos e outros privilégios da elite do funcionalismo público já seria um passo e tanto em termos de moralidade e eficiência do Estado.

Ao contrário do que se poderia imaginar, a população não vê o servidor como um vilão, apoia a manutenção da estabilidade e tem uma percepção bastante realista sobre as desigualdades entre as categorias, de acordo com a pesquisa. Ao mesmo tempo que 75% consideram que servidores do Judiciário e do Ministério Público ganham muito mais do que profissionais do setor privado em cargos semelhantes, 60% reconhecem que professores da educação básica ganham menos ou muito menos que seus pares da iniciativa privada. Mais um motivo para os deputados focarem naquilo que é essencial e possível neste momento.

Imparcialidade do Supremo deve ser preservada

Por Correio Braziliense

A crescente politização do STF enfraquece sua autoridade perante a sociedade, alimenta narrativas conspiratórias e transforma julgamentos constitucionais em batalhas de opinião pública

Ao indicar Jorge Messias para o Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reforça — mesmo que não admita — o estigma de transformar a mais alta Corte de Justiça do país numa instância cada vez mais política. O gesto tende a partidarizar ainda mais o ambiente interno e a alimentar disputas ideológicas que fragilizam a autoridade institucional dos ministros. Em vez de transmitir segurança jurídica e estabilidade democrática, o Supremo se vê frequentemente arrastado para o centro de conflitos partidários, num momento em que a Justiça deveria ser o eixo de equilíbrio nacional.

A origem dessa percepção não está apenas na disputa contemporânea. Ela tem raízes históricas e atravessa diferentes governos, à direita e à esquerda. A Constituição de 1988 conferiu ao presidente da República a prerrogativa de escolher ministros do STF, com aprovação do Senado, sob o critério formal de "notável saber jurídico e reputação ilibada". Entretanto, a prática política nem sempre respeita isso. Assim como houve indicações que, de fato, honraram o espírito da lei, também houve aquelas nas quais prevaleceram o favoritismo, a gratidão pessoal ou a conveniência de ocasião.

Houve escolhas guiadas por méritos acadêmicos e jurídicos indiscutíveis. Eros Grau, indicado por Lula em 2004, era reconhecido pela vasta produção acadêmica e pela trajetória respeitada como professor de direito. Também se insere nessa linhagem Teori Zavascki, indicado por Dilma em 2012, magistrado de perfil técnico, discreto e respeitado por sua atuação no Superior Tribunal de Justiça. Esse reconhecimento ajuda o Supremo a sustentar decisões complexas sem sofrer acusações de parcialidade política.

Também houve escolhas percebidas como gesto de proximidade pessoal, proteção política ou recompensa. Nomeados sem carreira na magistratura nem produção acadêmica. Movimentos explícitos de transformar a Corte em espaço de projeção de quadros políticos de primeira linha. Essas situações ampliam a percepção de aparelhamento, mesmo quando não há intenção declarada de interferência.

É nesse contexto que a escolha de Jorge Messias reacende o debate sobre a fronteira entre a legitimidade constitucional do presidente e o risco de erosão da independência simbólica do Supremo. Messias é um jurista com sólida formação técnica, porém seu papel de articulador jurídico do Planalto e defensor público das posições do presidente faz com que sua indicação seja lida, inevitavelmente, como ato político.

Não se trata de contestar suas credenciais formais, mas de reconhecer que a  crescente politização do STF enfraquece sua autoridade perante a sociedade, alimenta narrativas conspiratórias e transforma julgamentos constitucionais em batalhas de opinião pública. O Supremo, que deveria ser o espaço máximo de imparcialidade, corre o risco de se tornar refém das paixões políticas do momento. Num país ainda traumatizado por tentativas de ruptura institucional, isso significa aumentar a instabilidade em vez de reduzi-la.

Trump recua, mas negociações continuam

Por O Povo (CE)

Até agora, considerando-se o resultado obtido, a estratégia escolhida pelo Brasil para negociar com os Estados Unidos mostra-se acertada

A partir do momento em que os Estados Unidos passaram a adotar uma postura "adulta" com relação ao tarifaço imposto ao Brasil, as negociações tomaram um rumo que vai beneficiar os dois países.

O confronto, estava claro desde o início, não prejudicaria apenas o Brasil — e outros países em situação parecida —, pois o comércio mundial é de tal forma complexo e integrado que não seria uma canetada, ainda que do líder do país mais poderoso do mundo, iria fazer a situação mudar da noite para o dia.

De qualquer forma, passaram-se longos sete meses, desde abril, quando o presidente americano, Donald Trump, anunciou um pacote de "tarifas recíprocas" de 10%, atingindo praticamente todos os países. Em julho, ele assinou a ordem executiva 14323, impondo uma taxa adicional de 40% aos produtos brasileiros.

Além disso, vinculou possíveis negociações a um "perdão" aos crimes pelos quais o ex-presidente Jair Bolsonaro foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), aspecto considerado inaceitável pelo Brasil.

A situação começou a mudar após um encontro "casual" entre Trump e o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva na Assembleia Geral da ONU, em setembro. Em seguida, os dois presidentes falaram por telefone; depois tiveram um encontro presencial na Malásia, em outubro, quando anunciaram que os dois países iniciaram as negociações para resolver as pendências.

Essas conversas, conduzidas com a reconhecida competência da diplomacia brasileira, resultaram em um recuo de Trump, retirando a sobretaxa de 40% sobre mais de 200 produtos brasileiros importados pelos Estados Unidos, como carne bovina, café e frutas. Para o que também contribuiu a pressão interna, provocada pelo aumento de preços devido à barreira tarifária.

A importância da negociação foi reconhecida por Trump, ao citar explicitamente o nome de Lula no documento em que divulgou a sua decisão. "Em 6 de outubro de 2025, participei de uma conversa telefônica com o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, durante a qual concordamos em iniciar negociações para abordar as preocupações identificadas no decreto Executivo 14323".

Até agora, considerando-se o resultado obtido, a estratégia escolhida pelo Brasil para negociar com os Estados Unidos mostra-se acertada. Desde a insistência de Lula em recusar a pauta política, até a distensão, ocorrida no momento certo, no primeiro encontro entre os dois presidentes.

Mas é preciso lembrar ainda que, comparando com outros países dos quais a Casa Branca impôs contrapartida para retirar ou baixar tarifas, isso não aconteceu com o Brasil. A sobretaxa foi retirada sem nenhuma exigência recíproca.

Portanto, mesmo reconhecendo o progresso obtido até agora, o processo vai continuar, pois ainda existe uma quantidade importante de produtos brasileiros sobre os quais continua incidindo a sobretaxa. Mas, se os EUA continuarem se comportando como adulto, são grandes as possibilidades de se chegar a bom termo.

 

 


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