Senado tem bons motivos para rejeitar Messias no STF
Por Folha de S.
Paulo
Como
já fizera Bolsonaro, Lula enfraquece instituição ao indicar ministros por
fidelidade
Casa
legislativa é o freio constitucional a ambição presidencial espúria; escolhidos
por mérito mostram mais autonomia
Jorge Messias ficou nacionalmente conhecido em 2016, quando
foi incumbido pela ainda presidente Dilma Rousseff (PT) de entregar a Luiz
Inácio Lula da Silva um termo de posse como
ministro da Casa Civil. A manobra, frustrada por liminar de Gilmar Mendes, do
Supremo Tribunal Federal, daria a Lula, acossado por investigações de corrupção, foro especial no Judiciário.
É na mesma condição de homem de confiança que Messias recebe agora do chefe a indicação para ministro do STF —a condição que já o levou ao comando da Advocacia-Geral da União (AGU) e a diversas outras funções em gestões petistas.
Vá lá que
fidelidade e alinhamento político sejam critérios aceitáveis para o
preenchimento de cargos estratégicos no gabinete presidencial. Nunca o serão,
porém, quando se trata de escolha para a mais alta corte do país.
Em seu terceiro
mandato, Lula aprofunda uma prática funesta que aprendeu com o
antecessor, Jair Bolsonaro (PL), e aprofundou. Ambos
se puseram a aparelhar o Supremo com nomes de menor qualificação jurídica e
maior gratidão ao padrinho, enfraquecendo uma instituição republicana essencial
e a independência entre os Poderes.
Se Bolsonaro é um
autoritário convicto, Lula aprendeu a lição errada e se esqueceu dos acertos de
seus dois primeiros mandatos. Por mais que a corte tenha acumulado contradições
ao sabor dos ventos políticos nos últimos anos, os ministros selecionados por
mérito em gestões petistas anteriores mostraram maiores altivez e independência
em momentos cruciais como o julgamento do Mensalão e o impeachment de Dilma.
É perfeitamente
legítimo que um presidente indique para o posto alguém com quem compartilhe
valores e visões de mundo —há juristas das mais diferentes inclinações à
disposição. Nesses casos, a garantia de permanência no tribunal até a
aposentadoria compulsória tende a fortalecer a autonomia do escolhido.
Coisa muito
diferente é apontar subordinados diretos, amigos e aliados políticos de longa
data, como se o STF fosse uma extensão do palácio de governo. Bolsonaro quis um evangélico, André Mendonça; Lula, seu advogado pessoal, Cristiano Zanin.
O freio a essa
ambição presidencial espúria, conforme definido pela Constituição, é o Senado Federal, ao qual cabe sabatinar os
indicados e deliberar sobre sua aprovação. Há bons e maus motivos para que,
desta vez, tal processo não transcorra como uma mera formalidade.
De menos nobre, a
cúpula da Casa legislativa já demonstrou sem maiores sutilezas a preferência
por um dos seus, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que a chefiou entre 2021 e o início
deste ano. Foi apenas essa pressão que retardou o anúncio oficial da indicação
de Messias, há muito decidida.
Acima do
corporativismo reles, compete aos senadores fazer valer a exigência de
"notável saber jurídico" imposta pelo texto constitucional aos
ministros do Supremo e, sobretudo, inibir novas afrontas do presidente de turno
à independência da corte.
Falhas em série na COP30
Folha de S. Paulo
De crise de hospedagem a incêndio, evento em
Belém teve problemas em logística e infraestrutura
Carta da ONU do dia 12 expôs precariedade da
segurança após invasão de manifestantes, além de refrigeração inadequada e
infiltrações
Terminou em chamas a sequência de falhas
logísticas e estruturais que permearam a COP30 em Belém.
Na quinta (20), um incêndio
atingiu o pavilhão dos países na zona azul, área reservada às
negociações oficiais nacionais e da Cúpula dos Líderes. O fogo foi controlado
em poucos minutos e não houve feridos. Segundo o Ministério da Saúde, 27
pessoas foram atendidas por inalação de fumaça ou crise de ansiedade.
O ministro do Turismo, Celso Sabino,
disse que o incêndio poderia ter ocorrido em qualquer lugar do mundo e que
"não vai colar a ideia de que Belém não deveria sediar a COP". Mas,
ainda que o episódio tenha sido uma fatalidade, sabe-se que eventos com grande
aglomeração de pessoas são arriscados e exigem atenção redobrada na
organização.
E, desde o início, a escolha de Belém pelo
governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
suscitou preocupação por se tratar de uma cidade de
médio porte com deficiências graves de infraestrutura,
como saneamento, e que nunca havia recebido eventos internacionais próximos da
magnitude de uma conferência da ONU.
Em julho, dezenas de negociadores enviaram
uma carta ao governo brasileiro e à UNFCCC (braço climático das Nações Unidas)
na qual relataram problemas de logística, como os altos preços das hospedagens,
e pediram que ao menos parte da COP30 fosse transferida para outra cidade.
Após uma força-tarefa da Casa Civil e da ONU
ampliar o auxílio financeiro a diplomatas, uma demanda de diversos países
endossada pelo Brasil, a questão das acomodações foi resolvida. No início do
evento, entretanto, emergiram outras complicações.
Em carta do dia 12, o secretário-executivo da
UNFCCC, Simon Stiell, expôs a
precariedade da segurança local após uma invasão de
manifestantes, além de refrigeração inadequada e infiltrações de água das
chuvas que poderiam causar choques elétricos.
Até esta sexta (21), bombeiros e Polícia
Federal não haviam atestado as causas do incêndio. A montagem e
a transmissão da conferência são de responsabilidade da Organização dos Estados
Ibero-Americanos.
Lula fez defesa veemente de Belém após comentários depreciativos do premiê alemão, Friedrich Merz, de fato inapropriados. A melhor forma de deixar para trás os problemas de organização, que não depende só do Brasil, seria um avanço palpável na conclusão da COP amazônica.
Recuo de Trump no tarifaço evidencia mérito
de Lula
Por O Globo
Desde o início, estava claro que os próprios
americanos tinham a perder com a manutenção das taxas
O recuo de Donald Trump na
imposição de uma tarifa adicional de 40% sobre 200 produtos agrícolas
brasileiros reflete o acerto da estratégia adotada pelo presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva e pelo Itamaraty em reação ao tarifaço trumpista. Em julho, cerca de 700
outros produtos já haviam sido desonerados. Na semana passada, Trump também
voltou atrás na tarifa de 10% imposta globalmente sobre produtos agrícolas e de
outros setores. A nova lista inclui carne bovina, café e frutas e traz alívio
ao agronegócio.
É verdade que a reação do Brasil ao tarifaço,
imposto para pressionar o Judiciário no processo contra Jair Bolsonaro, começou
aos tropeços. Lula demorou a enviar o chanceler Mauro Vieira aos Estados Unidos,
e os petistas não tinham canais de comunicação no governo republicano. Também
não ajudou Lula ter apoiado Kamala Harris na campanha presidencial. Nas
primeiras semanas, ele parecia mais disposto a discursar em defesa da soberania
nacional e a criticar Trump do que a desobstruir as vias de comunicação. Ao
mesmo tempo, a reação oficial brasileira foi sóbria. O governo evitou
retaliação, o Itamaraty trabalhou na construção de pontes, e empresários
fizeram chegar seu ponto de vista aos americanos.
Em setembro, Bolsonaro já condenado, Lula
aproveitou a Assembleia Geral da ONU, em Nova York, para entabular uma conversa
rápida com Trump, que já havia recebido queixas de empresas americanas
prejudicadas pelo tarifaço. Deu certo. “Na verdade, ele gostou de mim, eu
gostei dele. Tivemos uma química excelente”, disse Trump.
O episódio teve duas consequências práticas.
Primeiro, desmascarou a pantomima do deputado federal Eduardo Bolsonaro. Há
meses nos Estados Unidos lutando contra o Brasil, ele alegava ter acesso e
influência ilimitada nas decisões da Casa Branca. Mais que isso, celebrou as
tarifas numa atitude indigna, mostrando que seus interesses eram pessoais, e
não patrióticos. A realidade expôs o delírio. Segundo, e mais relevante, o
encontro deu impulso aos esforços pelo entendimento. No início de outubro, Lula
e Trump conversaram por telefone e, 20 dias depois, se encontraram na Malásia.
Nesse meio-tempo, Vieira e o secretário de Estado Marco Rubio aprofundaram as
negociações, ainda em andamento.
Desde o início, a conjuntura era favorável
aos brasileiros. Ao contrário de Canadá e México, o Brasil não depende do
mercado americano para exportar (apenas 12% das vendas externas eram enviadas
para lá antes do tarifaço), e parcela considerável dos exportadores
prejudicados conseguiu encontrar compradores alternativos. À medida que o tempo
passava, as tarifas e restrições a produtos brasileiros surtiram o efeito previsível
na economia americana: passaram a alimentar a inflação. Esse é o principal
motivo do recuo de Trump — e mostra por que o melhor que o Brasil tinha a fazer
era esperar.
Na negociação, ainda resta ampliar as
isenções tarifárias aos produtos industriais. Não será tão fácil. De todo modo,
os canais de comunicação agora estão abertos, e o maior impasse na história
diplomática dos dois países foi superado. Para os Estados Unidos, ficou
aparentemente claro que a pressão de Trump nunca teve chance de influenciar o
julgamento de Bolsonaro — e que o Brasil não negocia a independência da
Justiça, a soberania, nem a ordem democrática.
Prometer zerar a fila do INSS não passou de
demagogia eleitoral
Por O Globo
Pressionado por risco fiscal, fraudes e
abusos judiciais, compromisso de campanha virou embaraço para Lula
Desde que o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva assumiu seu terceiro mandato, a fila do INSS é
motivo de constrangimento diário e desgaste para o governo. Em 2022, na
campanha à Presidência, Lula prometeu acabar com a espera para receber
benefícios sociais. “Se nós voltarmos, vamos fazer isso, porque o mundo digital
está muito mais moderno”, disse em comício. Já eleito, renovou a aposta. Em
janeiro de 2023, quando a fila estava em 1,23 milhão de pedidos, afirmou:
“Estejam certos de que vamos acabar com a vergonhosa fila do INSS”. Depois de
quase três anos de mandato, a promessa não foi cumprida. Ao contrário. Não para
de crescer o contingente de cidadãos à espera de aposentadorias, pensões e
benefícios. Em outubro, havia 2,862 milhões, maior fila já registrada (os dados
mais recentes ainda não foram divulgados). Desde o início do ano, houve
acréscimo de 23% em novos requerimentos.
Boa parte da fila é ocupada por pedidos de
benefício por incapacidade temporária (1,3 milhão) e pelo Benefício de
Prestação Continuada (1,1 milhão), destinado a idosos e deficientes de baixa
renda. Na tentativa de melhorar a situação, o INSS anunciou a criação de um
comitê para monitorar, avaliar e propor soluções. Quando o governo chegar a uma
conclusão, certamente a fila já estará maior.
Lula não foi o único a fazer promessas. Ao
assumir o cargo em 2023, o então ministro da Previdência, Carlos Lupi, se
comprometeu a zerar a fila. No ano seguinte, diante do choque de realidade,
adotou postura mais cautelosa. “Quem diz que vai acabar com a fila é
mentiroso”, afirmou. “Tem que conferir documento, tem que ser justo.” A meta
era chegar ao fim de 2024 com 30 dias de espera para conceder benefícios. Pois
hoje o tempo médio está em 35 dias (o prazo legal máximo é 45). Lupi deixou o
governo no início de maio, na esteira do escândalo dos descontos indevidos na
folha de aposentados e pensionistas, longe de zerar a fila.
É certo que aumentar o ritmo de concessão de
benefícios teria forte impacto na já combalida Previdência — só o BPC custou R$
10 bilhões aos cofres públicos em setembro, ante R$ 6,7 bilhões no primeiro mês
do governo. Tão certo quanto isso é que os fraudadores estão sempre à espreita,
procurando brechas para burlar as regras estabelecidas. A via judicial também
tem se mostrado outro caminho eficaz. Dos 6,5 milhões que recebem BPC, 1 milhão
obteve o benefício na Justiça. O INSS tem reagido impondo normas mais rígidas
na concessão, como biometria e outros controles. Obviamente, é preciso haver
avaliação criteriosa. Mas o cidadão honesto que entra na fila para reivindicar
direitos previstos em lei não pode pagar o preço das fraudes e abusos
judiciais.
Uma fila de quase 3 milhões exige uma logística complexa para analisar os pedidos. Boa parte dos casos depende de perícia médica, outro complicador e foco recorrente de burlas. O importante é ter um diagnóstico preciso dos gargalos existentes e eliminá-los. Além, claro, de evitar fazer promessas demagógicas, impossíveis de cumprir.
Trump se curva à realidade
Por O Estado de S. Paulo
Que Lula não se iluda: decisão de Trump de
aliviar tarifas contra o Brasil se deu mais em razão da inflação do que da
negociação. O governo tem de trabalhar para derrubar as demais tarifas
O presidente dos EUA, Donald Trump, decidiu
retirar a tarifa adicional de 40% sobre uma série de produtos brasileiros
vendidos no mercado americano, entre eles café e carnes. Antes, Trump já havia
eliminado a tarifa recíproca de 10% sobre alguns desses mesmos itens. Agora,
segundo levantamento do Estadão,
mais de 900 produtos brasileiros estão isentos de tal fardo.
Ato contínuo, o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva alardeou que a decisão de Trump resultou das negociações empreendidas
pelo governo brasileiro nos EUA desde a imposição das tarifas, em julho.
Segundo Lula, trata-se de uma “vitória do diálogo, da diplomacia e do bom
senso”. O presidente brasileiro se disse “feliz”, e tem mesmo razões para
estar, mas é mais provável que Trump tenha voltado atrás não exatamente em
razão da “química” com Lula, mas porque as tarifas causaram inflação nos EUA e,
com isso, corroeram a popularidade do presidente americano.
A inflação dos EUA atingiu 3% em setembro,
substancialmente acima da meta de 2% perseguida pelo Fed, o banco central do
país. Os dados de outubro não foram divulgados por causa da paralisação do
governo, que se arrastou por 43 dias em razão do impasse entre republicanos e
democratas sobre o orçamento federal.
Uma pesquisa ABC News/Washington Post/Ipsos mostra que
seis entre dez americanos culpam Trump pela inflação elevada, e 65% desaprovam
a administração do tarifaço pelo presidente.
A carestia, além de questões como as relações
de Trump com o financista Jeffrey Epstein, condenado por abuso sexual de
menores, derrubou a popularidade do presidente para 38%, o menor nível desde
que ele retornou à Casa Branca, segundo pesquisa Reuters/Ipsos.
Por fim, o mau desempenho de republicanos nas
eleições para governos locais, no início de novembro, também obrigou Trump a
virar a chave para que o Partido Republicano não perca a maioria no Congresso
nas eleições legislativas de 2026.
Ao recuar das tarifas contra o Brasil, Trump
chegou a citar a conversa telefônica que teve com Lula no início de outubro,
dando a entender que sua atitude foi motivada pelas negociações com o
presidente brasileiro. Não se pode ignorar o papel desempenhado pela diplomacia
brasileira e pelo presidente Lula, é claro, mas é muito mais provável que Trump
queira fazer parecer que sua decisão tem mais a ver com uma negociação
comercial vantajosa para os EUA do que com a péssima conjuntura eleitoral que o
acossa. Afinal, o tarifaço é o pilar de Trump para fazer os EUA “grandes de
novo”.
Recorde-se que, antes de eliminar as tarifas
sobre produtos brasileiros, Trump já havia entrado em acordo com a
arqui-inimiga China, reduzindo a tarifa adicional sobre exportações chinesas de
20% para 10%. Desde que tomou posse, Trump ameaçou por mais de uma vez impor
tarifas acima de 100% aos produtos chineses vendidos nos EUA, mas, diante do
poder de retaliação de Pequim e do estrago que as tarifas elevadas provocariam
sobre as empresas americanas, voltou atrás todas as vezes, sempre alegando ter
conseguido uma negociação vantajosa com os chineses.
Portanto, Trump parece aos poucos inclinar-se
a desmantelar a política protecionista por meio da qual prometeu o paraíso aos
americanos e lhes entregou preços altos.
No caso específico das tarifas contra o
Brasil, é importante salientar que Trump, quando as impôs, se disse motivado
pela “perseguição” ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Como a situação de
Bolsonaro não mudou nada desde então – ao contrário, nesse meio tempo ele foi
condenado a uma pena duríssima por tentativa de golpe de Estado e está a dias
de saber se a cumprirá em casa ou num presídio –, não é difícil concluir que
seu caso deixou de ter importância nos cálculos de Trump. O deputado Eduardo
Bolsonaro, que está há meses nos EUA articulando as sanções contra o Brasil, terá
de encontrar outra ocupação.
Quanto ao governo brasileiro, fará bem em ser
prudente. Trump é mercurial e pode voltar atrás a qualquer momento, sem maiores
explicações. E cabe ao Brasil continuar a trabalhar para derrubar as tarifas
impostas a outros setores exportadores e para construir relações mais sólidas
com o governo Trump. O trabalho só começou.
O abismo da miséria volta a se abrir
Por O Estado de S. Paulo
Estudo mostra que a maior conquista moral do
mundo moderno – a redução da extrema pobreza – está ameaçada. Recursos há em
excesso, mas faltam instituições sólidas e incentivos produtivos
Em nossa geração, a humanidade viveu um feito
sem paralelo: de 1990 a 2025, o número de pessoas em extrema pobreza caiu de
2,3 bilhões para 800 milhões, a mortalidade infantil despencou e a expectativa
de vida avançou como nunca. Foi o maior salto civilizatório jamais visto.
Agora, porém, esse capítulo ameaça encontrar seu ponto final.
Novas projeções da plataforma Our World in Data através de
dados do Banco Mundial soam um alarme: nos próximos 15 anos a extrema pobreza
deve, primeiro, estagnar e, depois, voltar a crescer. Desde a Revolução
Industrial, a combinação de tecnologia, abertura comercial, produtividade e
representatividade política reduziu os miseráveis de 90% da população mundial
para 8%. Pela primeira vez em dois séculos, essa curva virtuosa corre o risco
de se achatar. A humanidade está perdendo o impulso que a arrancou da miséria
ancestral.
Países que se abriram ao comércio, à inovação
e ao empreendedorismo escaparam da armadilha malthusiana que dominou a história
humana. Em sua obra seminal, Por que
as nações fracassam, os prêmios Nobel Daron Acemoglu e James
Robinson mostram que o progresso não foi fruto de sorte, mas de instituições
inclusivas: poderes limitados, governos representativos e regras claras criam
oportunidades, incentivam investimentos e premiam o esforço e a inovação.
Mas o mundo começou a rasgar esse roteiro de
sucesso. O primeiro golpe veio com o retrocesso da globalização. Na Europa, na
Ásia, na América Latina e, mais decisivamente, nos EUA, tarifas e subsídios
renascem como bandeiras de salvação nacional. O protecionismo volta a ser
vendido como patriotismo econômico, apesar de suas consequências
arquiconhecidas: menos produtividade, mais inflação, cadeias fragmentadas. É um
choque autoinfligido.
Além disso, há a degradação institucional.
Países que ainda concentram os bilhões mais pobres – sobretudo na África
Subsaariana – continuam presos a Estados frágeis, sistemas políticos
excludentes e economias sem competição. Na América Latina, o Estado é um
distribuidor de favores, subsídios e proteções setoriais. O dirigismo
industrial substitui abertura por privilégios, concorrência por reservas de
mercado e políticas públicas por clientelismo. O problema é menos o tamanho do
Estado do que sua captura.
Um terceiro fator é a má priorização.
Investimentos em nutrição e saúde infantil, educação básica ou pesquisa e
desenvolvimento agrícola oferecem benefícios sociais gigantescos e custam uma
fração dos subsídios distribuídos a setores privilegiados, mas seguem
eclipsados por agendas de prestígio, favores políticos e lobbies
corporativistas.
Soluções populistas seduzem, mas destroem.
Tarifas, protecionismo e nostalgia estatista são precisamente as ferramentas
que nunca funcionaram. Enclausuram economias, punem consumidores, frustram a
inovação e alimentam tensões geopolíticas. Empobrecem todos, mas principalmente
os mais pobres.
A redução da pobreza exige crescimento
sustentado, e crescimento exige produtividade. Protecionismo reduz
produtividade. Captura estatal reduz produtividade. Políticas industriais
indiscriminadas reduzem produtividade.
Se o mundo quiser retomar a redução da
pobreza extrema, não é preciso inventar a roda. É preciso fortalecer
instituições, garantindo segurança jurídica, competição e um Estado impessoal
que não distribua favores. É preciso priorizar políticas sociais de alto
retorno, em vez de capturas setoriais e protecionismos disfarçados. E é preciso
sobretudo reabilitar a agenda da integração comercial, diversificar cadeias e
ampliar acordos comerciais – as alavancas comprovadamente mais eficazes para
elevar bilhões de pessoas acima da linha da miséria.
A pobreza não é destino. É fruto de
incentivos ruins e governança precária, enfim, de escolhas equivocadas – e,
portanto, reversíveis. A humanidade avançou quando abraçou abertura, inovação e
instituições inclusivas. Se o mundo quiser continuar a reduzir a pobreza
extrema, precisa abandonar quimeras econômicas e ilusões políticas e retomar a
agenda que mais funcionou na história humana: produzir, inovar e, sobretudo,
abrir portas.
A reforma desejada e a possível
Por O Estado de S. Paulo
Pesquisa mostra que deputados não devem ter
medo de enfrentar privilégios do Judiciário e do Ministério Público
Para surpresa de ninguém, quase metade da
população brasileira está insatisfeita ou muito insatisfeita com os serviços
públicos oferecidos pelo Estado, mas a maioria acredita que é possível
ofertá-los com mais qualidade sem aumentar os gastos do governo. Esses são
alguns dos achados de uma pesquisa feita pela Atlas/Intel e o Instituto
República sobre reforma administrativa, que ouviu 2.287 pessoas com mais de 16
anos em todo o País entre os dias 23 e 28 de outubro.
A maioria das pessoas que responderam à
pesquisa admitiu ter pouco conhecimento sobre a proposta relatada pelo deputado
Pedro Paulo (PSD-RJ), que foi protocolada em outubro na Câmara. Mas as
respostas podem inspirar o relator e seus colegas a dar respostas às justas
demandas da sociedade por serviços públicos de mais qualidade, sobretudo agora
que o apoio ao texto começou a minguar. Nas últimas semanas, vários deputados
que haviam dado apoio à reforma pediram a retirada de seus nomes da proposta,
pela pressão pública de entidades de servidores públicos e pelo lobby discreto
de juízes e procuradores contra o texto. O receio é de perder votos faltando menos
de um ano para as eleições.
A pesquisa prova que os opositores fazem
barulho, mas são menos numerosos do que parecem. Há temas que os parlamentares,
se quisessem, poderiam enfrentar sem medo de serem “punidos” nas urnas, como os
privilégios da elite do funcionalismo – leia-se juízes e procuradores. Nada
menos que 73,1% dos que participaram do levantamento disseram considerar que
benefícios acima do teto remuneratório de R$ 46.366,19 são totalmente
injustificados, 69,1% afirmaram que férias de 60 dias são totalmente injustas e
63,1% classificaram a aposentadoria compulsória como uma punição totalmente
injusta.
A reforma administrativa é uma causa justa e
necessária para o reequilíbrio do Estado. Mas, diante do calendário eleitoral,
não é crível esperar da Câmara que aprove uma proposta tão ampla quanto a que o
relator apresentou.
Isso não quer dizer que as justas demandas da
sociedade pela melhoria do serviço público deveriam ficar sem resposta ou que a
discussão sobre a reforma deveria ficar para um próximo governo – ou, mais
provável, para as calendas. A alternativa é reduzir a ambição e priorizar
aquilo que é consensual. E não é pouco: o combate aos supersalários,
penduricalhos e outros privilégios da elite do funcionalismo público já seria
um passo e tanto em termos de moralidade e eficiência do Estado.
Ao contrário do que se poderia imaginar, a população não vê o servidor como um vilão, apoia a manutenção da estabilidade e tem uma percepção bastante realista sobre as desigualdades entre as categorias, de acordo com a pesquisa. Ao mesmo tempo que 75% consideram que servidores do Judiciário e do Ministério Público ganham muito mais do que profissionais do setor privado em cargos semelhantes, 60% reconhecem que professores da educação básica ganham menos ou muito menos que seus pares da iniciativa privada. Mais um motivo para os deputados focarem naquilo que é essencial e possível neste momento.
Imparcialidade do Supremo deve ser preservada
Por Correio Braziliense
A crescente politização do STF enfraquece sua
autoridade perante a sociedade, alimenta narrativas conspiratórias e transforma
julgamentos constitucionais em batalhas de opinião pública
Ao indicar Jorge Messias para o Supremo
Tribunal Federal (STF), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reforça — mesmo
que não admita — o estigma de transformar a mais alta Corte de Justiça do país
numa instância cada vez mais política. O gesto tende a partidarizar ainda mais
o ambiente interno e a alimentar disputas ideológicas que fragilizam a
autoridade institucional dos ministros. Em vez de transmitir segurança jurídica
e estabilidade democrática, o Supremo se vê frequentemente arrastado para o
centro de conflitos partidários, num momento em que a Justiça deveria ser o
eixo de equilíbrio nacional.
A origem dessa percepção não está apenas na
disputa contemporânea. Ela tem raízes históricas e atravessa diferentes
governos, à direita e à esquerda. A Constituição de 1988 conferiu ao presidente
da República a prerrogativa de escolher ministros do STF, com aprovação do
Senado, sob o critério formal de "notável saber jurídico e reputação
ilibada". Entretanto, a prática política nem sempre respeita isso. Assim
como houve indicações que, de fato, honraram o espírito da lei, também houve
aquelas nas quais prevaleceram o favoritismo, a gratidão pessoal ou a
conveniência de ocasião.
Houve escolhas guiadas por méritos acadêmicos
e jurídicos indiscutíveis. Eros Grau, indicado por Lula em 2004, era
reconhecido pela vasta produção acadêmica e pela trajetória respeitada como
professor de direito. Também se insere nessa linhagem Teori Zavascki, indicado
por Dilma em 2012, magistrado de perfil técnico, discreto e respeitado por sua
atuação no Superior Tribunal de Justiça. Esse reconhecimento ajuda o Supremo a sustentar
decisões complexas sem sofrer acusações de parcialidade política.
Também houve escolhas percebidas como gesto
de proximidade pessoal, proteção política ou recompensa. Nomeados sem carreira
na magistratura nem produção acadêmica. Movimentos explícitos de transformar a
Corte em espaço de projeção de quadros políticos de primeira linha. Essas
situações ampliam a percepção de aparelhamento, mesmo quando não há intenção
declarada de interferência.
É nesse contexto que a escolha de Jorge
Messias reacende o debate sobre a fronteira entre a legitimidade constitucional
do presidente e o risco de erosão da independência simbólica do Supremo.
Messias é um jurista com sólida formação técnica, porém seu papel de
articulador jurídico do Planalto e defensor público das posições do presidente
faz com que sua indicação seja lida, inevitavelmente, como ato político.
Não se trata de contestar suas credenciais formais, mas de reconhecer que a crescente politização do STF enfraquece sua autoridade perante a sociedade, alimenta narrativas conspiratórias e transforma julgamentos constitucionais em batalhas de opinião pública. O Supremo, que deveria ser o espaço máximo de imparcialidade, corre o risco de se tornar refém das paixões políticas do momento. Num país ainda traumatizado por tentativas de ruptura institucional, isso significa aumentar a instabilidade em vez de reduzi-la.
Trump recua, mas negociações continuam
Por O Povo (CE)
Até agora, considerando-se o resultado
obtido, a estratégia escolhida pelo Brasil para negociar com os Estados Unidos
mostra-se acertada
A partir do momento em que os Estados
Unidos passaram a adotar uma postura "adulta" com relação ao
tarifaço imposto ao Brasil, as negociações tomaram um rumo que vai beneficiar
os dois países.
O confronto, estava claro desde o início, não
prejudicaria apenas o Brasil — e outros países em situação parecida
—, pois o comércio mundial é de tal forma complexo e integrado que não seria
uma canetada, ainda que do líder do país mais poderoso do mundo, iria fazer a
situação mudar da noite para o dia.
De qualquer forma, passaram-se longos sete
meses, desde abril, quando o presidente americano, Donald Trump, anunciou um
pacote de "tarifas recíprocas" de 10%, atingindo praticamente todos
os países. Em julho, ele assinou a ordem executiva 14323, impondo uma taxa
adicional de 40% aos produtos brasileiros.
Além disso, vinculou possíveis negociações a
um "perdão" aos crimes pelos quais o ex-presidente Jair Bolsonaro
foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), aspecto
considerado inaceitável pelo Brasil.
A situação começou a mudar após um encontro
"casual" entre Trump e o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da
Silva na Assembleia Geral da ONU, em setembro. Em seguida, os dois
presidentes falaram por telefone; depois tiveram um encontro presencial na
Malásia, em outubro, quando anunciaram que os dois países iniciaram as
negociações para resolver as pendências.
Essas conversas, conduzidas com a reconhecida
competência da diplomacia brasileira, resultaram em um recuo de Trump,
retirando a sobretaxa de 40% sobre mais de 200 produtos brasileiros
importados pelos Estados Unidos, como carne bovina, café e frutas. Para o que
também contribuiu a pressão interna, provocada pelo aumento de preços devido à
barreira tarifária.
A importância da negociação foi reconhecida
por Trump, ao citar explicitamente o nome de Lula no documento em que
divulgou a sua decisão. "Em 6 de outubro de 2025, participei de uma
conversa telefônica com o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva,
durante a qual concordamos em iniciar negociações para abordar as preocupações
identificadas no decreto Executivo 14323".
Até agora, considerando-se o resultado
obtido, a estratégia escolhida pelo Brasil para negociar com os
Estados Unidos mostra-se acertada. Desde a insistência de Lula em recusar a
pauta política, até a distensão, ocorrida no momento certo, no primeiro
encontro entre os dois presidentes.
Mas é preciso lembrar ainda que, comparando
com outros países dos quais a Casa Branca impôs contrapartida para
retirar ou baixar tarifas, isso não aconteceu com o Brasil. A sobretaxa foi
retirada sem nenhuma exigência recíproca.
Portanto, mesmo reconhecendo o progresso obtido
até agora, o processo vai continuar, pois ainda existe uma quantidade
importante de produtos brasileiros sobre os quais continua incidindo a sobretaxa.
Mas, se os EUA continuarem se comportando como adulto, são grandes as
possibilidades de se chegar a bom termo.

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