O Globo
A operação da Polícia
Federal (PF) que prendeu Daniel Vorcaro e outros dirigentes do
Banco Master por falsificar títulos de crédito para encobrir um desvio de R$
12,2 bilhões do Banco de Brasília,
o BRB, foi certeira, mas o Banco Central não
precisava ter esperado até que surgisse uma fraude tão grosseira para começar a
agir.
As peripécias de Vorcaro são acompanhadas com lupa no mercado já há alguns anos, pelo menos desde 2021, quando seu banco passou a crescer vertiginosamente vendendo títulos que prometiam rendimentos extraordinários aos clientes e pagando comissões fora do comum aos corretores.
O dono do Master também é velho conhecido da
Comissão de Valores Mobiliários, a CVM,
onde já fez acordo para pagar multas de R$ 1,2 milhão e respondeu a processos
por manipulação dos preços de ativos e operações fraudulentas com debêntures e
títulos imobiliários.
Em julho de 2024, técnicos da Caixa
Econômica Federal que examinaram os números do Master para
opinar sobre a compra de R$ 500 milhões em títulos de renda fixa escreveram num
relatório que o modelo de negócios era “de difícil compreensão” e tinha “alto
risco de solvência”. Afirmaram, ainda, que o banco dependia de uma “operação
complexa de investimentos” em empresas em recuperação judicial,
superendividadas, ou de precatórios de difícil recebimento.
Por lei, bancos insolventes — em bom
português, quebrados — são passíveis de medidas duras, incluindo a intervenção,
pelo Banco Central, que tem o dever de proteger a integridade do sistema
financeiro. Ao longo destes anos, porém, o BC e seus diretores não pareciam muito
abalados com a picaretagem que se vislumbrava no horizonte. Por falta de aviso
é que não foi.
Desde a gestão de Roberto
Campos Neto, o Fundo Garantidor de Créditos (FGC), que cobre perdas
de até R$ 250 mil em caso de quebra, enviou mais de 38 alertas ao BC sobre os
problemas do Master.
Sem contar as dezenas de reuniões e conversas
de bastidores com pedidos de providências a Campos Neto, na era Jair Bolsonaro,
e a Gabriel Galípolo,
no governo Lula.
Em 2023, depois de muita pressão do mercado,
o BC criou regras diminuindo a proporção de precatórios e CDBs que os bancos
podem acumular. Mas deu até o final de 2025 para o pessoal se enquadrar — uma
temeridade, como está demonstrado agora. Desde então, só o passivo do banco
mais que dobrou.
O FGC calcula que será necessário desembolsar
no mínimo R$ 40 bilhões para compensar as perdas dos investidores. Mas não
cobre o rombo dos fundos de pensão de servidores dos estados e municípios que
compraram quase R$ 2 bilhões em títulos do Master que virarão pó.
Não é difícil entender a demora do BC em
agir. A blindagem de Vorcaro era poderosa, ecumênica e ostensiva.
Demonstrava-se em festas milionárias e viagens de jato com políticos e
autoridades do governo e do Judiciário, ricos patrocínios a eventos jurídicos,
além de contratos generosos com figuras estreladas — como Ricardo Lewandowski,
que entre o STF e o Ministério da Justiça passou um ano como conselheiro do
Master, ou Guido Mantega, que levou Vorcaro para dar um abraço no presidente
Lula no Palácio do Planalto.
Só com “consultorias jurídicas” o banco
gastou cerca de R$ 250 milhões em 2024. Entre os contratados estava Viviane
Barci de Moraes, mulher de Alexandre de
Moraes, que em abril daquele ano foi convidado de honra de um evento
jurídico promovido pelo Master em Londres.
A “bancada do Vorcaro” também era famosa em
Brasília. Seu líder honorário era o senador Ciro Nogueira (PP-PI),
que também em 2024 propôs aumentar a cobertura do FGC dos atuais R$ 250 mil
para R$ 1 milhão. Batizada de “emenda Master”, a iniciativa não colou.
Em março, quando o BRB se ofereceu para
comprar 58% do Master e ainda assim manter Vorcaro no controle, num salvamento
com o dinheiro do contribuinte brasiliense, o senador Izalci Lucas (PL-DF)
fez um pedido de CPI e obteve as assinaturas necessárias, mas desistiu
misteriosamente em duas semanas.
O negócio com o BRB também provocou celeuma
interna no Banco Central, com uma ala defendendo a transação e outra
considerando que apenas transferiria o rombo de um banco privado a um estatal.
Mesmo depois de reprovar a compra, continuou a haver impasse sobre a
necessidade de intervenção. O decreto de liquidação do Master já estava pronto
havia tempos, mas só quando a PF entrou em campo o BC apertou o botão.
A razão da demora não foi outra que não a
pressão dos amigos de Vorcaro em Brasília. Os mesmos que, espera-se, sejam
investigados a sério e a fundo. Já passou da hora, mas antes tarde do que mais
tarde.

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