SÃO PAULO - "Quem desce do morro não morre no asfalto, lá vem o Brasil, descendo a ladeira". Num clip de 1980 exibido pelo "Fantástico" -lá se vão 30 anos-, Moraes Moreira cantava esse samba que exalta "a força que tem a mulher brasileira". Cabeleira ao vento, ia feliz, pendurado no bonde de Santa Teresa, metáfora visual do movimento da canção, morro abaixo. A gravação está no YouTube.
No último sábado, quem pegou esse mesmo bonde se espatifou no asfalto, literalmente. Era o Brasil, descendo a ladeira, mas no sentido oposto ao que lhe dava a canção, impregnada de lirismo brejeiro.
De pelo menos 62 pessoas que estavam a bordo, 5 morreram e 57 ficaram feridas, algumas com fratura exposta ou em estado grave.
A lotação máxima do bondinho era de 40 pessoas, mas ele circulava com 50% de passageiros acima da sua capacidade. A perícia já encontrou evidências de que a manutenção do veículo era precária. Entre elas, um arame improvisado no lugar de um parafuso que deveria fechar a caixa de óleo do eixo da roda. Não chega a ser uma surpresa.
Barulhento, sacolejante, enferrujado, não obstante seu charme, o bonde de Santa Teresa parece o que de fato é: muito inseguro. Lembra esses brinquedos velhos de parque de diversões, como o que voou sobre as pessoas e matou uma garota, também no Rio, há duas semanas.
Devemos chamar isso de "acidente"? O que aconteceu no sábado foi tão acidental quanto a tragédia do Bateau Mouche, no Réveillon de 1988, quando 55 pessoas morreram afogadas na baía de Guanabara.
No caso do bonde, estamos falando de uma das grandes atrações turísticas da cidade -e, sem dúvida, uma das mais simpáticas.
As pessoas tendem a reagir a esse tipo de descalabro criminoso com a pergunta: mas, desse jeito, como vamos sediar a Copa do Mundo? É compreensível. Mas a pergunta, ela própria, tira dos trilhos o que de fato importa: quando seremos um país mais decente e mais sério?
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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