O reforço de R$ 10 bilhões no superávit fiscal, anunciado ontem, é uma medida corajosa do governo federal e um teste decisivo para se aferir o resultado do esforço da presidente Dilma para rearticular sua base de apoio político no Congresso. Não é fortuito o fato de o anúncio ter sido feito antes no Conselho Político do governo, que reúne os presidentes e líderes das bancadas dos partidos aliados. Pegou bem no Congresso, que viu no gesto da presidente uma demonstração de apreço, mas é cedo para dizer que o Palácio do Planalto conseguiu desarmar as armadilhas fiscais postas em seu caminho.
Depois do anúncio do "esforço fiscal adicional", Guido Mantega, ministro da Fazenda, deixou a sala de reuniões sob a alegação de que tinha outro compromisso previamente agendado. A presidente da República ficou. Cena inimaginável nos seus primeiros meses de governo, Dilma circulou entre líderes e presidentes de partidos. Descontraidamente. Por mais de uma vez afirmou que não estava fazendo "um corte clássico", mas um aprofundamento do ajuste, necessário, diante da crise mundial.
Empenho justificável. Afinal, Dilma simplesmente entesourou R$ 10 bilhões de arrecadação extra, num momento em que a base aliada reclama por ser tratada no regime de "fome zero" no que se refere à liberação de emendas ao Orçamento.
Arrecadação extra põe à prova nova coordenação política
Apesar da arrecadação extra, Dilma não quer falar em projetos que emocionam o Congresso. A presidente foi taxativa: não há espaço para a aprovação da Emenda Constitucional nº 29 (mais dinheiro para a saúde) sem a definição da fonte de recursos. E a PEC 300 (aumento para bombeiros e policiais militares) soa como heresia diante do tamanho das medidas de ajuste fiscal.
Ocorre que essas são as votações marcadas na agenda próxima do Congresso. A Câmara dos Deputados definiu um calendário segundo o qual no dia 28 de setembro vota a EC nº 29.
Outro teste imediato para a presidente é a votação do veto do ex-presidente Lula à lei que define a distribuição dos royalties do pré-sal: o presidente do Congresso, José Sarney, proclamou que espera até o dia 15 por um acordo entre os Estados produtores e os não produtores. Do contrário, o veto entra na pauta.
É voz corrente entre os líderes da base aliada que o governo perde se forem votados tanto as emendas como o veto, coisa que eles - auxiliados pela mudança de postura de Dilma na articulação política - até agora têm conseguido evitar. Dilma reconheceu que "é difícil", mas pediu empenho dos camaradas presentes.
O líder do PMDB, Renan Calheiros, saiu da reunião aplaudindo o que considerou "a consolidação do novo modelo de articulação política". Mas achou prudente recomendar a Dilma que os ministros Guido Mantega (Fazenda) e Alexandre Padilha (Saúde) passem a fazer reuniões frequentes com as bancadas. A exemplo dos demais líderes, o pemedebista acha que o regime "fome zero", quando sobra dinheiro, é de difícil digestão por aliados que se consideram à mingua às vésperas de um ano eleitoral, como é 2011.
No PT, até ontem, avaliava-se como exitoso o esforço de Dilma para manter sob controle a base aliada. Depois de muito conversar, principalmente com o ex-presidente Lula, Dilma primeiro chamou PT e PMDB, os dois maiores partidos da coalizão governista. Em seguida, conversou com os partidos menores, convocou o Conselho Político e acariciou mais diretamente aliados que, se não se encontravam desavindos, se mostravam pelo menos arredios, como Eduardo Campos, governador de Pernambuco e presidente do PSB.
Dilma recebeu os líderes, as bancadas, foi ao jantar do PMDB, mas, sobretudo, liberou algumas emendas parlamentares e uma ou outra nomeação. Um esforço desencadeado a partir do momento em que começava a se configurar uma crise política, depois da queda do senador Alfredo Nascimento (PR-AM) do Ministério dos Transportes.
Ao se movimentar como pedia o Congresso, a presidente conseguiu uma trégua - a base aliada empurrou com a barriga as votações polêmicas - e retomou a ofensiva política. Resta verificar a repercussão da medida anunciada ontem e se Dilma está disposta a manter o figurino que vestiu ao se envolver pessoalmente na articulação com o Congresso.
Há um certo consenso no PT de que se trata de algo circunstancial e que dificilmente Dilma estabelecerá uma relação próxima e permanente com os congressistas como tinha Lula, a seu jeito, que definitivamente não é o da atual presidente da República. De certo só a crença de que Dilma terá força para impedir qualquer ação mais efetiva de oposição enquanto a economia estiver bem, com crescimento em alta e taxa de desemprego em baixa.
Neste momento, a avaliação é que a presidente tem a base sob controle. O núcleo do campo majoritário petista na Câmara já dá sinais de que absorveu a nomeação da ex-senadora Ideli Salvatti para o Ministério das Relações Institucionais, que trata da coordenação política do governo. Ideli é jeitosa, gosta de conversar com deputados e senadores e para dar certo bastaria a presidente lhe investir do poder necessário para negociar a liberação das emendas e dos cargos. É o que se diz. Convém esperar. No mesmo campo do PT há os que consideram Ideli um sucesso social nulo em termos de eficiência política.
Sobre as mudanças feitas no núcleo político do governo, com as saídas de Antonio Palocci e Luiz Sérgio, resta uma dúvida entre petistas: o papel da Casa Civil. Ideli ficou com a coordenação política, todas as ferramentas da economia são manipuladas por Guido Mantega e uma grande parte do que a ministra Gleisi Hoffmann gostaria de fazer já é feito - e bem, de acordo com líderes petistas - pela ministra Miriam Belchior.
Com R$ 10 bilhões sobrando no caixa, Dilma foi corajosa ao pedir mais sacrifício ao Congresso. A resposta parlamentar será ouvida na votação - ou não - das emendas 29 e 300 e do veto de Lula à lei do pré-sal.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
Nenhum comentário:
Postar um comentário