domingo, 23 de novembro de 2025

Allende, Berlinguer e a esquerda hoje, por Luiz Sérgio Henriques

O Estado de S. Paulo

Na tradição da esquerda – como mostram Allende e Berlinguer – há um repertório alternativo a ser ‘aggiornato’ e requalificado

Um reel do escritor chileno Roberto Bolaño Ávalos, que circula nas redes, evoca comovidamente Salvador Allende e a tragédia do golpe de 1973. De modo contundente, Bolaño descreve a desilusão inicial dos jovens de então, que em vão esperavam as armas negadas pelo presidente em vias de ser deposto e morto. Allende aparecia como um conservador, capaz de cometer quase uma traição, fugindo à luta no momento decisivo. Sua imagem, no entanto, ao longo do tempo, iria se agigantar, ao evitar os horrores da guerra civil e poupar do aniquilamento toda uma geração ou a maior parte dela. É que a derrota de Allende e da Unidade Popular, naquele Chile tão distante, já estava definida pela política, não pelas armas, como se deduz das palavras de Bolaño.

Preso e isolado politicamente, Bolsonaro deixa bastão com Flávio, que também pode ser alvo da PF, por Roseann Kennedy

O Estado de S. Paulo

Candidatura presidencial do filho zero um, entretanto, não une a centro-direita e ainda há temor de eventual investigação sobre o senador também inviabilize seu nome

Amigos e correligionários de Jair Bolsonaro (PL) já tinham acionado a contagem regressiva para a prisão do ex-presidente, antes mesmo de o ministro Alexandre de Moraes decretar a preventiva neste sábado, 22. Todos sabiam que o momento estava chegando, mas acreditavam que ocorreria entre as próximas terça-feira e quarta-feira.

Apesar do fim inevitável se aproximando, falar da prisão com Bolsonaro e da transferência de seu espólio político para 2026 virou um tabu. “Parece abutre à espreita”, resumiu à Coluna do Estadão uma liderança política da direita bolsonarista para expor o desconforto com o tema.

Discutir os palanques estaduais e a corrida ao Planalto com o capitão virou um problema. Seu quadro emocional e clínico cada vez mais prejudicado inibia as abordagens, segundo relato de pessoas próximas ao ex-presidente. Além disso, há as limitações judiciais. Para visitá-lo é preciso autorização prévia de Moraes, e o diálogo entre Bolsonaro e o presidente do PLValdemar Costa Neto, está proibido.

Em nome de ‘Deus’, por Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

“Meter ferro quente” foi teste de Bolsonaro para tirar a tornozeleira na hora H, da fuga

A prisão preventiva de Jair Bolsonaro, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes um dia depois da inclusão do deputado Alexandre Ramagem na lista da Interpol, pode ser definida como uma “ação antidebandada”. O bolsonarismo agonizando e o trânsito em julgado da trama golpista chegando detonaram um “salve-se quem puder”. A PF e Moraes estão de olho.

A prisão, que não é (ainda) pela condenação por tentativa de golpe de Estado, foi depois de PF e Moraes juntarem as peças do quebra-cabeça numa imagem nítida: Bolsonaro pretendia fugir do País, tal como os deputados Eduardo, agora réu, Ramagem e Carla Zambelli, já condenados.

Apesar da troca na linha de frente, do desastrado Eduardo Bolsonaro pelo até então moderado Flávio Bolsonaro, e do vídeo desesperado do 01 articulando uma “vigília” para salvar o bolsonarismo, parece tarde demais: escaldados pelas prisões do 8/1 e desencantados com o antipatriotismo dos seus ídolos, os militantes abandonam as ruas, enquanto os cúmplices políticos abandonam o País.

Descontando o futuro, por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Livro conta a história de conceito econômico por trás de juros e prêmios de risco

Fenômeno também explica dificuldade para ações firmes no enfrentamento da mudança climática

Ao menos para economistas, o futuro vale menos do que o presente. Prêmio de risco e preço da paciência estão entre as razões evocadas para justificar o chamado desconto do futuro e fenômenos a eles associados, como a taxa de juros. O desconto do futuro é também um dos motivos por que é tão difícil coordenar as ações de países para enfrentar a mudança climática.

"Discounting the Future", de Liliana Doganova, é um interessante passeio pela lógica, contradições, cálculos interessados e falta de visão que nos levam a descontar o futuro.

O bolsonarismo sem Bolsonaro, por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Núcleo familiar deve tentar ganhar força na disputa contra bolsonaristas ditos pragmáticos

Cadeia precoce não deve mudar história real da direita ou força do bolsonarismo transformado

prisão preventiva de Jair Bolsonaro transforma em drama mais intenso o que seria a cena do encarceramento, o episódio em que o capitão das trevas seria levado a uma cela a fim de cumprir pena por tentativa de golpe. Vamos chamar de drama o que seria farsa, não fora tão tétrica.

A encenação não deve mudar a história real. Os integrantes mais aguerridos da seita farão mais propaganda fanática, como o fazia Flávio Bolsonaro. Inadvertidamente (ou não?), o senador do PL do Rio de Janeiro antecipou a prisão ao convocar para este sábado uma vigília para perto da casa do pai dele, com hipérboles bíblicas e denúncia da ditadura em que, diz, vive o Brasil. O bolsonarismo restante ou transformado continuará a cuidar da vida, pois a prisão era certa. Sim, o bolsonarismo é maior do que Bolsonaro. Transformou-se em ideia.

Ali está o maior criminoso da história, por Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Com a redução das tarifas de Trump, ex-presidente foi preso assistindo ao fracasso de seu último grande crime

Imaginem o tamanho do desastre que seria uma fuga de Bolsonaro

Jair Bolsonaro foi preso mais cedo do que se esperava. Preso sem estardalhaço, sem sensacionalismo, sem algemas, nos termos da lei. Preso preventivamente, por tentar fugir poucos dias antes do início do cumprimento da pena a que foi condenado por tentar roubar o voto da maioria dos brasileiros em 2022.

Jair tentou quebrar sua tornozeleira eletrônica para fugir em meio à confusão que seria criada pela vigília que Flávio Bolsonaro convocou. Estava a 15 minutos das embaixadas de Brasília.

Se tivesse que apostar para qual embaixada Jair fugiria, cravaria alguma das monarquias absolutistas árabes.

Bolsonaro conduziu seu infortúnio, por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

As escolhas beligerantes do ex-presidente e sua turma os levaram a pagar o preço da própria estupidez

Se ficassem inertes a reiterados atos de desafio à legalidade, autoridades incorreriam em grave omissão

Preso Jair Bolsonaro (PL) estava em casa, preso continuará na Polícia Federal até que o ministro Alexandre de Moraes decida lhe dar, ou não, o benefício da domiciliar ao fim do processo. Mais uma vez o ex-presidente e sua turma dada a reiteradas afrontas à Justiça lhe causam dissabores.

A ordem preventiva aconteceu devido à convocação de manifestantes para vigília feita pelo filho Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e à violação da tornozeleira eletrônica, o que por si justificaria a medida cautelar.

Os direitos de Bolsonaro na prisão, por Conrado Hübner Mendes

Folha de S. Paulo

A Jair se garante o direito de respirar, de não ser torturado e tratamento digno

Decisão faz detalhada cronologia das múltiplas formas de o ex-presidente desafiar a Justiça e obstruir a aplicação da lei

A obra anti-intelectual de Jair Bolsonaro foi gritada, não escrita. Seus reptos contra a educação, a saúde pública, o meio ambiente, a ciência, os direitos e liberdades são ouvidos há décadas. Suas ações concretas, coerentes com o grito, lutaram por esgarçar a legalidade, incitar desmatamento da Amazônia, intimidar e sectarizar estruturas regulatórias do Estado, ameaçar professores e cientistas, estimular todas as formas de exposição ao vírus na pandemia.

Jair Bolsonaro se fez líder eleito graças à sua filosofia da prisão e da pessoa presa. Entende pessoa presa como não humana e define responsabilidade penal com base em presunção, não em provas. Se está preso, presume-se criminoso. Sua síntese primal: "Bandido tem que apodrecer na cadeia. Se cadeia é lugar ruim, é só não fazer a besteira que não vai pra lá. Vamos acabar com essa história de ficar com pena de encarcerado. Quem está lá fez por merecer." "É problema de quem cometeu crime."

As manchetes ausentes de um genocídio, por Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Italianos promoveram 'safári humano' para matar civis na guerra da Bósnia

A banalidade do mal, explicação de Hannah Arendt sobre Eichmann, parece então mais espantosa, pois acontece fora da máquina histórica de destruição nazifascista

Há fatos em que a reação da imprensa pode parecer tão chocante quanto os acontecimentos relatados. É o caso da investigação da Procuradoria de Milão sobre turistas italianos de "safáris humanos" durante o cerco de Sarajevo. Civis desarmados, incluindo crianças, eram vítimas de milionários que viajavam à região para praticar "tiro ao alvo humano". O acontecimento, lápide definitiva sobre quaisquer ilusões de humanidade em camadas ditas superiores da sociedade europeia, recebeu tratamento editorial secundário em jornais e televisões.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Encarcerado e politicamente esvaziado

Por Folha de S. Paulo

Bolsonaro começa na prática a cumprir pena em regime fechado; direita busca opções para 2026

Prisão domiciliar será tema incontornável para o STF, dadas idade e saúde de Bolsonaro; debate sobre dosimetria seguirá aberto

Jair Bolsonaro (PL) começa a cumprir em regime fechado sua pena de 27 anos e três meses por tentativa de golpe de Estado. Esse, tudo indica, é o efeito prático da decretação de sua prisão preventiva neste sábado (22) pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

Já se previa que o STF determinasse o cumprimento da pena a partir de segunda (24), com o encerramento do prazo para os últimos recursos da defesa do ex-presidente —que havia pedido a permanência da prisão domiciliar em que ele estava desde 4 de agosto, alegando riscos de vida decorrentes de idade e condições de saúde. Essa possibilidade por ora parece fora da mesa.

Em sua decisão, Moraes apontou tentativa de violação da tornozeleira eletrônica, reportada pelo monitoramento do Distrito Federal, e risco de fuga para a embaixada dos Estados Unidos, agravado por uma vigília a ser realizada na noite deste sábado perto de sua residência. Em vídeo, Bolsonaro admitiu candidamente a uma agente distrital que aplicou ferro quente na tornozeleira.

Opinião do dia – Montesquieu* (liberalismo forte)

“O amor pela república, numa democracia, é o amor pela democracia; o amor pela democracia é o amor pela igualdade.

O amor pela democracia é também o amor pela frugalidade.

Nesse regime, devendo todos gozar da mesma felicidade e das mesmas regalias, devem fruir dos mesmos prazeres e acalentar as mesmas esperanças, coisa que só se pode esperar da frugalidade geral.

O amor pela igualdade, numa democracia, limita a ambição unicamente ao desejo, à felicidade prestar à sua pátria serviços maiores que os outros cidadãos. Todos não podem prestar-lhe serviços iguais; mas todos devem igualmente prestar-lhos. Ao nascer contraímos para com ela uma imensa dívida da qual nunca podemos desobrigar-nos.

Assim, nas democracias, as distinções nascem do princípio da igualdade, mesmo quando essa parece destruída por serviços excepcionais ou por talentos superiores.”

*Montesquieu (1689-1755), foi um político, filósofo e escritor francês. Ficou famoso pela sua teoria da separação dos poderes, atualmente consagrada em muitas das modernas constituições internacionais; ‘Do Espírito das Leis’ p. 84. Editora Nova Cultura, 2005 (tradução de Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues.

Poesia | O elogio da dialética, de Bertolt Brecht

 

Música | Celso Viáfora - Uma canção bonita