segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Considerações sobre uma semana complicada, por Bruno Carazza

Valor Econômico

Decisões da Câmara dos Deputados não representam apenas derrotas do governo; elas revelam o quanto parlamentares não têm compromisso fiscal

A derrubada da MP 1303 expôs toda a fragilidade do governo em angariar apoio político para sua agenda fiscal, além da falta de compromisso do Congresso e sua vulnerabilidade aos lobbies e interesses econômicos.

Editada para compensar os R$ 20 bilhões anuais anulados por outra derrota de Lula e Haddad, o decreto do IOF, a malfadada MP mirava extrair recursos de diversas frentes, como aplicações financeiras isentas, apostas e instituições financeiras, além de apertar o cerco contra compensações tributárias. Foram tantas as resistências que o governo não conseguiu nem levá-la a votação.

A derrota do Executivo, aliás, ainda escancarou aquilo que todos já sabiam: as bets dominam também o Congresso Nacional. Na redação original da medida provisória, o governo elevava de 12% para 18% o quinhão que as empresas de apostas pagam de tributo. Durante as negociações, porém, a pressão das empresas do setor foi tão grande que o relator Carlos Zarattini (PT-SP) retirou esse dispositivo. Depois desse episódio, ao se referir às bancadas mais poderosas do parlamento, é preciso atualizar a sigla, com um “B” adicional: BBBB - bala, boi, Bíblia e bets.

Como se não bastasse a derrubada da MP, no mesmo dia a Câmara aprovou a PEC 14/2021, concedendo aposentadoria integral e com rendimentos em paridade com os reajustes da ativa para agentes de saúde e endemias. Segundo o parecer da matéria, serão mais de 400 mil trabalhadores contemplados.

A PEC representa um verdadeiro trem da alegria, pois admite e trata, como se fossem servidores públicos concursados, profissionais que tenham sido contratados por prefeituras e governos estaduais sob qualquer tipo de processo seletivo.

Além disso, todos eles terão regras muito mais benéficas para se aposentar: em vez da idade mínima de 63 anos para mulheres e 65 anos para homens, prevista na reforma da Previdência para todos os servidores públicos e empregados por CLT, a proposta autoriza agentes de saúde a pleitear a aposentadoria com 45 anos (mulheres) e 47 anos (homens) numa longa regra de transição que só se encerrará em 2042. Para completar, a PEC ainda dá um benefício extra para que os agentes de saúde já aposentados ganhem o mesmo que os seus colegas da ativa.

Ainda que esses profissionais sejam um pilar importante do Sistema Único de Saúde, sua valorização deveria vir pela reformulação de suas carreiras, e não por privilégios previdenciários que se prolongam por décadas em termos de aposentadorias e pensões. E essa votação da PEC dos agentes de saúde é emblemática, pois no mesmo dia em que deputados derrubaram a MP exigindo que o governo corte gastos, eles mesmos expuseram toda a sua incoerência ao aprovar uma medida populista sem nenhum compromisso com o equilíbrio das contas públicas.

Aliás, no site da Câmara há uma citação do relator da matéria, deputado Antonio Brito (PSD-BA), que merece entrar para os anais como exemplo da irresponsabilidade fiscal de nossos representantes: “A PEC foi elaborada com zelo com o Erário e com o setor social. Não há qualquer ônus para os entes federativos. Nenhum prefeito e governador pagará nada, estará tudo arcado pela União”, afirmou o relator, que recomendou a aprovação da medida sem qualquer estimativa de custos e tampouco a indicação de onde vai ser tirado o dinheiro para o pagamento desses benefícios.

Se a irresponsabilidade fosse restrita ao relator, poderia ser contornada no plenário, mas a PEC foi aprovada com amplo apoio dos deputados: 446 votos a favor e apenas 20 contra em primeiro turno, e 426 contra 10 na segunda votação. Esse placar comprova, de forma cabal, como nosso Congresso, da direita à esquerda, se comporta em relação às finanças do Estado.

Para fechar a semana, recebi uma mensagem do escritório de relações públicas que atende ao grupo Porto a respeito da minha coluna de 06/10 (“Incentivos para quem não precisa do Estado”). Os dados apresentados por mim mostravam a Porto Seguro usufruindo de R$ 708,7 milhões em benefícios tributários para inovação.

Diz a nota da empresa: “A Porto esclarece que o valor informado publicamente sobre seus incentivos fiscais à inovação tecnológica está incorreto. Na primeira entrega da Dirbi, em fevereiro de 2025, houve um equívoco técnico no preenchimento. Em junho do mesmo ano, a companhia retificou oficialmente a declaração, e o valor correto é de R$ 73,7 milhões. A retificação já está registrada junto à Receita Federal e aguarda atualização na base pública.”

A equipe do Valor entrou em contato com a Secretaria da Receita Federal, que informou que, apesar de não comentar casos específicos, “as informações disponibilizadas para consulta pública no Painel da Dirbi têm como base as declarações prestadas pelos próprios contribuintes. Essas informações são periodicamente atualizadas”.

Levando em consideração que não houve mudança na base de dados públicos, este colunista permanece fiel aos seus princípios de basear suas análises com as informações oficiais disponíveis no momento.

 

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