Apagão deve acender alerta em Brasília
Por O Globo
Acidentes acontecem, mas sistema elétrico
brasileiro está mais instável em razão da regulação deficiente
Ainda estão sob investigação as causas do apagão
que atingiu todas as unidades da Federação na madrugada desta terça-feira,
provocando interrupções no fornecimento de energia a
partir de 0h32. A falta de luz durou entre menos de dez minutos e duas horas.
Tivesse acontecido durante o dia, certamente o apagão teria levado o caos à
população, como já se viu noutras ocasiões. Por isso o episódio deve servir de
alerta em Brasília.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, minimizou a falha, dizendo que o dano foi “pontual”. “Não é falta de energia, é um problema na infraestrutura que transmite a energia. Não houve grandes danos ao sistema”, afirmou. Pelas informações divulgadas pelo ministério, um incêndio na subestação de Bateias, na Região Metropolitana de Curitiba (PR), derrubou o fornecimento, desconectando o fluxo de energia entre as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Com isso, foi necessário desligar 10 megawatts de carga, por prevenção. O sistema, diz o governo, cortou de forma controlada a energia em cada estado próximo para que não houvesse interrupção de maior porte.
Acidentes acontecem. Mesmo assim chama
atenção a proporção que a situação tomou. “Esperava-se que o problema ficasse
restrito àquela região, mas não foi o que aconteceu. Repercutiu por todo o
Brasil, chegando até o Amazonas”, afirma Edvaldo Santana, ex-diretor da Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel). “Foi um apagão de grandes proporções num
período em que o consumo estava em declínio. Não há dúvida de que houve falha
grave. Precisa ser investigado. Tudo isso mostra a fragilidade do sistema
elétrico brasileiro, que perdeu confiabilidade.”
É o segundo apagão de grandes proporções no
atual governo. Em agosto de 2023, a falta de energia se espalhou por ao menos
20 estados e pelo Distrito Federal, afetando 29 milhões de brasileiros e
causando transtornos em todas as regiões. Em alguns locais a energia só foi
restabelecida mais de seis horas depois da queda. À época, o Operador Nacional
do Sistema (ONS) informou que a causa foi uma falha no funcionamento de
equipamentos de controle de tensão de usinas eólicas e solares de uma linha de
transmissão no Ceará.
O sistema elétrico brasileiro, por muitos
anos baseado exclusivamente na geração hidrelétrica, passa por um período de
diversificação, em que têm ganhado espaço fontes alternativas (eólica e solar)
e termelétricas a gás. Em princípio, a diversificação entre fontes de geração
contínua e intermitente permite uma gestão eficiente, otimizando o uso de
recursos e controlando as emissões de gases. Parece evidente, porém, que a
regulação do setor tem deixado a desejar, refém de todo tipo de lobby, sempre
pronto a espalhar seus “jabutis” por qualquer legislação.
Um dos efeitos dos incentivos a fontes
alternativas tem sido o excesso de energia gerada durante o dia, obrigando o
ONS a jogar fora eletricidade subsidiada por falta de demanda (mecanismo
conhecido como curtailment). Tal desequilíbrio deteriora a confiabilidade e
aumenta a chance de apagões. Aparentemente não foi o problema desta vez, mas o
risco só tem crescido.
Em vez de minimizar o apagão, o governo
precisa identificar e sanar as falhas. E cuidar para que um sistema outrora
considerado exemplar em razão da matriz energética limpa não se torne uma rede
instável, sujeita a apagões recorrentes, cuja única razão de ser é a pressão de
grupos de interesse.
Censo 2022 mostra necessidade de estímulo ao
transporte coletivo
Por O Globo
Quase um terço dos brasileiros vai de carro
ao trabalho, e apenas 1,6% usa trens ou metrô, segundo IBGE
Pela primeira vez o IBGE mapeou,
no Censo 2022,
o uso dos diversos meios de locomoção em todo o Brasil. O resultado não
surpreendeu: quase um terço da população (32,3%) se desloca de carro para o
trabalho. O ônibus é o principal meio de transporte de 21,4%; a moto de 16,4%,
17,8% andam a pé — e apenas 1,6% usa meios de locomoção de alta capacidade,
como trens ou metrô. O dado ajuda a explicar resultado anterior que constatou,
nas dez maiores capitais brasileiras, um tempo médio diário de deslocamento de
quase duas horas (ou 116,5 minutos). O tempo perdido no trânsito e
em engarrafamentos resulta não apenas em perda de produtividade para a
economia, mas também cobra seu custo em termos de saúde da população e poluição
ambiental.
Tal quadro é resultado da opção que a
sociedade brasileira fez por meios de transportes individuais e motorizados
desde os anos 1960. A distorção do rodoviarismo também contaminou o transporte
nas regiões metropolitanas brasileiras. A última edição da tradicional pesquisa
Origem e Destino do Metrô Paulistano, um dos levantamentos mais bem feitos e
consistentes a respeito do uso do transporte, constatou que, num período de
cinco anos, o transporte individual na maior metrópole do país manteve
aproximadamente o mesmo patamar de viagens, ao passo que os ônibus registraram
queda de 32%, o metrô de 18%, e o trens de 13%. Ao todo, houve 15% menos
deslocamentos, ainda que a população tenha aumentado 2%, a frota de automóveis
22%, e os empregos 12%.
Mesmo que parte da mudança de comportamento
possa ser atribuída ao trabalho remoto, a radiografia do IBGE reforça a
preferência pelos meios individuais. No Rio e em São Paulo, apesar da rede de
metrô e trens metropolitanos, 33,2% da população se deslocam por automóveis,
causa de engarrafamentos infernais. Em São Paulo, a média de congestionamentos
por dia útil aumentou 8% entre janeiro e abril, ante idêntico período de 2024.
Às quintas-feiras, há em média 378 quilômetros de vias paradas, pelos dados
oficiais. Em dezembro, mês de compras e festas, os engarrafamentos podem chegar
a 500 quilômetros ou mais.
Não é casual a opção da população por meios individuais como carros ou motos. A alternativa é a rotina de atrasos e aperto para quem se desloca por serviços cuja qualidade deixa a desejar. Rio e São Paulo, as duas maiores cidades do país, padecem do ritmo lento na construção de uma rede confiável de transportes coletivos. A prioridade devem ser veículos sobre trilhos ou eletrificados, uma forma de reduzir as emissões de gás carbônico. E é impossível melhorar e expandir redes de trens urbanos ou metrôs sem participação da iniciativa privada. Os dados do Censo são mais uma prova da urgência de investimentos e incentivo ao transporte público.
Muitos passos para a paz no Oriente Médio
Por Folha de S. Paulo
Trump obtém vitória com soltura de 20 reféns
israelenses e quase 2.000 prisioneiros palestinos
Republicano celebra "o fim da era de
terror", mas governo de Gaza, desarmamento do Hamas e solução de dois
Estados são incertezas
Por repugnante que sua administração seja em
inúmeros aspectos, inclusive na fanfarronice ligeira com que trata de temas da
paz mundial, é de Donald Trump o
crédito pelas cenas emocionantes recém-vistas no Oriente Médio.
O presidente americano foi decisivo, sim,
para tornar viável a primeira etapa de um acordo para pôr fim ao conflito
iniciado pelo Hamas ao
atacar Israel em
7 de outubro de 2023.
Coube a Trump, incomodado por ofensiva
israelense em território do seu aliado Qatar e obcecado por reconhecimento como
pacifista, pressionar o primeiro-ministro Binyamin
Netanyahu até obter um cessar-fogo.
Ao Hamas,
sobraram poucas opções, dada a obliteração militar a que foi
submetido em dois anos de guerra na Faixa de Gaza,
que outrora governava de forma ditatorial, e o enfraquecimento de seu patrono,
o Irã.
Com 67 mil cadáveres na conta, países árabes
se convenceram da impossibilidade de manter os terroristas no comando, algo que
até o ataque era confortável inclusive para Netanyahu, desejoso do cisma
palestino com a autoridade corrupta da Cisjordânia.
Com isso, as imagens de 20 reféns debilitados
voltando para o lar, e quase 2.000 palestinos deixando prisões israelenses, são
um sopro raro de otimismo no ar carregado da região.
Trump fez uma aposta. Quando o democrata Bill
Clinton costurou os Acordos de Oslo, que selaram a paz de 1994, o pacote era
completo: previsão do Estado palestino, criação de uma governança local,
reconhecimento mútuo e negociações futuras.
A empreitada foi um fracasso pelo seu escopo,
inalcançável. Agora, o republicano buscou trabalhar uma etapa por vez —e talvez
tenha mais sucesso ao tirar da equação os reféns, cuja situação trágica
paralisava Israel.
Daí a celebrar
"o fim da era de terror" e a "paz no Oriente
Médio", como fez Trump, há longa distância. O caminho que levava ao acerto
final entre Israel e a referencial Arábia Saudita, aberto em 2020, está bem
interditado.
Além do mais, há a novela inconclusa em Gaza,
já com as primeiras rusgas devido ao atraso do Hamas em devolver
todos os 28 reféns mortos. O plano prevê agora que o grupo se
desarme e desista do poder —só não dizendo como isso ocorrerá.
Em princípio, será tarefa de uma força
multinacional árabe e muçulmana cuidar dessa transição. Mas não há uma palavra
sobre criação de Estado e sob que condições, até porque a Cisjordânia é um ente
corroído por colônias judaicas ilegais, e Gaza, uma ruína a ser reconstruída.
Com o Irã e seu arcabouço recolhidos, a
oportunidade para avançar é agora. Manietado por Trump, Netanyahu enfrenta a
revolta da extrema direita que o mantém no poder. Poderoso, mas isolado, o
Estado judeu pode celebrar o fim de um pesadelo, assim como os gazenses ora
poupados de bombardeios. Mas o sonho da paz demandará trabalho.
Foco global em doenças crônicas e saúde
mental
Por Folha de S. Paulo
Aumenta o impacto de enfermidades não
transmissíveis em taxas mundiais de mortalidade e incapacitação
Com o processo de envelhecimento da
população, governos precisam alocar recursos para cuidar da prevenção
monitorando fatores de risco
O relatório Global Burden of Disease 2023,
publicado recentemente na revista científica The Lancet, mostra que, desde
2010, houve reduções
significativas no impacto de doenças infeciosas, maternas, neonatais
e nutricionais nas taxas de mortalidade e incapacidade.
Contudo surgem novos desafios. O aumento
expressivo da carga de doenças
crônicas não transmissíveis (DCNT) e transtornos psicológicos é
o principal deles.
Considerando a elevação da expectativa de
vida global, pressionando sistemas de saúde,
governos precisam direcionar atenção para as DCNT, que surgem ou se
intensificam com o avançar da idade e muitas vezes exigem tratamento por toda a
vida.
De 2010 a 2023, o número global de anos de vida
saudável perdidos devido a incapacitação ou morte por causa de doenças crônicas
não transmissíveis passou de 1,45 bilhão para 1,8 bilhão.
Cardiopatia isquêmica, acidente vascular
cerebral (AVC) e diabetes foram
as condições que mais contribuíram para a alta. Transtornos depressivos e
de ansiedade e
diabetes foram as doenças que apresentaram crescimento mais acelerado no
período.
Globalmente, os casos de ansiedade e depressão subiram
respectivamente 70% e 30% desde 2010, com piora preocupante na faixa etária
entre 15 e 19 anos. Ademais, verificou-se expansão nas mortes causadas por
suicídio, overdose de drogas e álcool entre jovens adultos (20 a 39 anos) nas
Américas do Norte e Latina.
Não há dados sobre o Brasil no relatório,
mas, segundo o Ministério da
Saúde, de 2016 a 2021 a taxa de
suicídios na faixa de 15 a 19 anos cresceu 49,3% —ante alta de
17,8% na população total. Já o Datafolha mostrou que 8 em cada 10 pessoas entre
15 e 29 anos haviam apresentado recentemente algum problema de depressão ou
ansiedade em 2022.
O bullying online, o aumento do tempo de uso
de telas e a pressão por aprovação em redes sociais podem produzir impactos
psicológicos. Cuidado maior, por meio de protocolos, com crianças e
adolescentes na atenção básica à saúde e ações de conscientização e de educação
midiática nas escolas são medidas indicadas.
Com relação a DCNT, é preciso conter fatores
de risco, como alta pressão arterial, glicemia, obesidade, sedentarismo e
tabagismo.
Em 2023, 7 em cada 10 municípios brasileiros não mediram hemoglobina glicada e pressão arterial em ao menos 50% dos pacientes com essas condições. Dado o progressivo envelhecimento da população e orçamentos públicos deficitários, é necessário que o país dê mais atenção à prevenção.
Aumento de déficits fiscais é risco para
expansão global
Por Valor Econômico
Déficit e endividamentos altos reduzem espaço
para respostas do Brasil a adversidades futuras
A economia global manterá seu ritmo de
crescimento um pouco mais lento que o do período pré-pandemia, de 3,2% até
2030, mesmo com o choque tarifário inédito dos Estados Unidos, segundo prevê o
Panorama Econômico Mundial do Fundo Monetário Internacional (FMI). Há uma
grande variedade de riscos rondando o planeta, e o tarifaço de Trump é mais um
entre eles. Para o Brasil, pouco afetado até agora pelo fechamento comercial do
mercado americano, o risco maior advém de sua fragilidade fiscal, um dos elos
tradicionais de transmissão de turbulências financeiras aos indicadores
domésticos. Elas poderão ser desencadeadas pelo fim da valorização exuberante
das bolsas americanas com a mudança de preços dos ativos relacionados à
Inteligência Artificial, ou guinadas abruptas em rendimentos de títulos soberanos
e reversão de expectativa sobre rumos da economia dos Estados Unidos.
O FMI mudou muito suas projeções sobre o
crescimento mundial, lembrando os erros cometidos pelos economistas brasileiros
sobre desempenho do PIB doméstico. Em julho, a previsão do Fundo para a
expansão global era de 0,2%, enquanto agora vê um avanço de 3,2%. Para 2026, em
vez de 0%, projeta 3,1%.
Há dois mistérios principais após o tarifaço
americano: a inflação ainda não subiu de forma significativa nos Estados
Unidos, nem o crescimento global encolheu drasticamente, aproximando-se de uma
recessão. No primeiro caso, o FMI aponta que os aumentos das tarifas foram
menores do que se poderia imaginar pelo anúncio inicial e que os estoques
preventivos feitos para conter seus efeitos contribuíram para dilatar a pressão
sobre o nível de preços. Uma parcela dos aumentos foi contida por esses
estoques, outra pela redução da margem de lucro das empresas americanas, pelo
não repasse total pelos exportadores para o país e, por fim, o que deve ser
mais sentido agora, pelo reajuste de preços diretamente. O Fundo fala em “repasse
retardado” e antevê que a inflação subirá nos próximos meses, como já vem sendo
registrado pelo núcleo do índice de preços ao consumidor nos EUA.
Já o crescimento não apontou muito para baixo
porque o tarifaço se iniciou com a economia americana, e a dos demais países
desenvolvidos, em boa forma, o que deve prosseguir — a projeção é que os países
avançados cresçam 1,6% neste ano e no próximo. Além disso, os países emergentes
estão avançando ao dobro dessa velocidade, 4% neste ano e 3,8% no próximo, e,
como a fatia dos emergentes no PIB mundial se aproxima dos 50%, isso impediu a
desaceleração abrupta.
O enfraquecimento do dólar, que não era
esperado, contribuiu para a manutenção de condições financeiras favoráveis e
evitou pressões tradicionais sobre os preços dos países emergentes com inflação
alta (caso do Brasil). Pela primeira vez houve desconfiança sobre a
continuidade da moeda americana como defesa segura em ambientes de graves
instabilidades.
Os riscos para o cenário principal pendem
para o lado negativo. O primeiro deles é a incerteza prolongada sobre as
tarifas, junto a um acirramento de medidas protecionistas. Um outro é o de
choques na oferta de trabalho, mais provável nos Estados Unidos, onde a oferta
de mão de obra imigrante recuou de 1 milhão a 1,4 milhão de trabalhadores no
ano por causa das batidas feitas pelos EUA contra a mão de obra estrangeira. O
FMI não deixa de apontar a “erosão na governança e independência
institucional”, um eufemismo para qualificar os ataques ao Federal Reserve
(Fed, o banco central americano) pelo governo Trump, que detém a maior quota na
instituição multilateral e votos decisivos.
Duas ameaças parecem prementes. A primeira é
a do fim da hipervalorização das ações de setores envolvidos na IA, que
concentram um nível de risco que, pelos cálculos do Fundo, já supera o da bolha
das pontocom no início de 2000. Qualquer desmonte nessas apostas pode causar
grandes turbulências e reduzir as perspectivas de crescimento nos EUA, o
epicentro dos investimentos em IA, com efeitos globais.
A ameaça maior, porém, vem dos déficits fiscais, em alta em todo o mundo, dos EUA aos emergentes. O aumento dos rendimentos dos títulos soberanos de França, Reino Unido e Japão nos últimos dias — em um ambiente de alto endividamento privado e público, baixos spreads entre títulos de alto e baixo risco, ampla liquidez e alavancagem - indica problemas que podem conduzir a estresses financeiros mais adiante. Pouco atingido pelo tarifaço, o Brasil está mais vulnerável a esse tipo de risco. Segundo o FMI, o país vai crescer 2,4% e 2,3% neste e no próximo ano, mas com uma inflação (5,2% e 4%, respectivamente) mais elevada que seus vizinhos da América do Sul, exceto Argentina e Venezuela. O Fundo aponta que o déficit fiscal subiu significativamente no Brasil, ao lado de China, EUA e França, e o endividamento elevado do país reduz o espaço para respostas a eventuais adversidades futuras e ampliando sua fragilidade ante fuga de capitais ou depreciações fortes do real.
Todos querem um pedaço do STF
Por O Estado de S. Paulo
Mal Barroso anunciou a aposentadoria, a
disputa por sua vaga foi logo capturada por pressões políticas e identitárias,
o que só prenuncia o agravamento da crise de credibilidade da Corte
O ministro Luís Roberto Barroso mal anunciou
a antecipação de sua aposentadoria no Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 9
passado, e os telefones em Brasília já fervilhavam com lobbies por candidatos à
sua sucessão. A nova indicação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que
deveria ser ocasião para um debate qualificado sobre o papel do STF e o perfil
ideal de seus ministros à luz do interesse público, transformou-se, mais uma
vez, em um balcão de reivindicações políticas e identitárias – o que só
confirma o que todos já sabem: que o Supremo se tornou um Poder político.
Há quem defenda a indicação de uma mulher
para a vaga aberta por Barroso. É um pleito legítimo. A presença feminina no
STF, de fato, é ínfima – apenas três ministras em toda a história da Corte. Mas
o critério de gênero, por si só, não pode se sobrepor à exigência do notório
saber jurídico e da reputação ilibada, fundamentos da magistratura
constitucional. Isso também vale para a mobilização de movimentos negros em
favor da indicação de um ministro negro, pleito compreensível pela demografia e
pelos marcadores de desigualdade, ainda presentes, de três séculos e meio de
escravidão, mas que também não podem se sobrepor aos critérios fixados pela
Constituição.
Já o PT defende o nome do advogado-geral da
União, Jorge Messias. Próximo do presidente da República e visto como alguém de
sua absoluta confiança, Messias reúne o apoio de setores da esquerda que veem
em sua indicação uma garantia de alinhamento político entre o STF e o atual
governo. Ademais, para seus patrocinadores, o fato de ser evangélico seria um
ativo eleitoral para 2026 – o que só reforça a mixórdia entre a militância
política e a função jurisdicional da Corte. O próprio líder do governo no
Senado, Jaques Wagner (PT-BA), reconheceu em entrevista ao jornal O Globo que Messias é “com
quem Lula tem mais convivência”, o que desnuda a natureza dos interesses que
rondam seu nome.
No Congresso, parte dos políticos defende a
escolha do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que conta com o apoio dos
ministros do STF Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes e, sobretudo, do
presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). A força de Alcolumbre nesse
tipo de decisão é conhecida. Basta lembrar que ele retardou por meses a
sabatina de André Mendonça, indicado por Jair Bolsonaro em 2021, até que o
Palácio do Planalto cedesse às suas pressões. Bruno Dantas, ministro do
Tribunal de Contas da União, é outro que aparece como “supremável”, como se
diz, favorecido por seu bom trânsito entre políticos de diferentes partidos.
Essa profusão de articulações diz muito sobre
o futuro do Supremo, que tende a seguir a trilha da politização e, assim, a
degradar ainda mais a aura de imparcialidade que deve recobrir a judicatura. Em
vez de discutir as credenciais acadêmicas, os compromissos institucionais e a
leitura da Constituição que um ministro do STF há de ter, os lobbies em ação
parecem interessados em saber o que cada um de seus protegidos poderia fazer
pelo grupo, pela “causa” ou pelo governo – não o que poderia fazer pelo Brasil.
O debate republicano sobre o papel da Corte e de seus ministros foi substituído
por uma lógica pervertida segundo a qual um ministro do Supremo deve
representar um segmento da sociedade ou uma corrente ideológica, ou ainda atender
a uma conveniência política.
Essa distorção, alimentada pelo comportamento
de ministros do próprio STF, explica a importância inédita que a eleição para o
Senado assumirá em 2026. Ao se arvorar em protagonista da vida política
nacional, o Supremo despertou a reação de parlamentares que hoje falam
abertamente em “conter o ativismo” do tribunal. Na próxima eleição, serão
renovados dois terços das cadeiras do Senado – e só cresce o número de
pré-candidatos que apregoam usar o cargo para promover o impeachment de
ministros. O fato de que essa retórica tenha ganhado corpo mostra o quanto o
Supremo se permitiu bandear para o terreno da política.
O Brasil precisa de um STF que opere como
contrapeso republicano, não como extensão do governo nem como “motor” de causas
políticas e identitárias. Enquanto as indicações forem tratadas como
oportunidade para presentear aliados ou satisfazer lobbies, o País seguirá
pagando o altíssimo preço de ter um Supremo percebido como um tribunal político
– e, portanto, parcial.
O passado ensina
Por O Estado de S. Paulo
Em alta no mundo, intervenção estatal na
indústria é cheia de riscos. O FMI compara o passado de Brasil e Coreia do Sul
e alerta para a importância de políticas bem desenhadas
Cada vez mais países têm utilizado as
chamadas políticas industriais para apoiar setores e empresas, em um esforço
para remodelarem suas economias, afirma o Fundo Monetário Internacional (FMI)
em capítulo recente da publicação Perspectiva
Econômica Global (WEO, na sigla em inglês).
De acordo com o fundo, os subsídios
industriais estão em alta desde 2009, com marcada aceleração a partir da
pandemia de covid-19, sobretudo no setor de energia. Várias nações decidiram
apoiar esse segmento para reduzir a dependência das importações de combustíveis
fósseis e promover a transição energética.
Embora reconheça que intervenções do tipo
visam ao aumento da produtividade, bem como a redução da dependência de insumos
e suprimentos estrangeiros, o FMI alerta que a eficácia das políticas
industriais depende de características sensíveis do setor contemplado com a
ajuda governamental, características essas difíceis de determinar
antecipadamente.
Além disso, se o governo decide que o país
deve ser forte num dado segmento, precisa estar ciente de que tal iniciativa
pode levar, por exemplo, a um período prolongado de preços mais altos ao
consumidor, que é quem paga a conta da estratégia como um todo. Tradução: toda
política industrial, por melhor que seja a intenção, embute riscos.
Esse contexto é especialmente relevante em
uma era de países altamente endividados, com grandes desafios de ordem fiscal,
caso do Brasil. Mas se a realidade de momento não basta para refrear a
conhecida fixação dos governos petistas por conteúdo local, o passado recente
oferece lições que o Brasil não deveria ignorar.
Nos anos 1970, tanto o Estado brasileiro
quanto o sul-coreano adotaram políticas industriais de larga escala com o
objetivo de transformar suas economias. Mas enquanto o Brasil focou
primordialmente na substituição de importações, tendo o Estado como principal
ator de tal estratégia, a Coreia do Sul adotou um caminho bem diferente.
O país asiático perseguiu um modelo
exportador, com base nos chamados chaebols,
grandes conglomerados industriais privados. Os conglomerados tinham de cumprir
metas para manter o apoio estatal. Internamente, as fábricas competiam entre
si, tentando fazer domesticamente versões ainda melhores do que vinha de fora.
Segundo a análise do FMI, as duas
experiências revelam o papel crucial da boa modelagem de políticas industriais.
No caso sul-coreano, as empresas privilegiaram a contratação de engenheiros, e
não de burocratas. No chão de fábrica, sul-coreanos absorveram tecnologias
estrangeiras, o que lhes permitiu desenvolver soluções domésticas.
O modelo sul-coreano voltado à exportação
também permitiu às empresas do país ter acesso aos mercados globais,
beneficiando-se de economias de escala.
No caso brasileiro, a política de
substituição de importações tocada pelo Estado prescindiu do setor privado,
aquele que na Coreia se beneficiou imensamente do processo de aprender fazendo.
Voltado para si mesmo, sem metas ou supervisão, o Brasil desperdiçou
oportunidades e dinheiro público.
Não por acaso, poucas décadas mais tarde, a
Coreia do Sul converteu-se em um país desenvolvido, enquanto o Brasil, apesar
de seu imenso potencial, segue sendo uma nação de status emergente. Enquanto os
sul-coreanos produzem carros vendidos no mundo todo e equipamentos eletrônicos
de alta inovação tecnológica, o Brasil continua a ser basicamente um grande
exportador de commodities, de menor valor agregado.
Ser um grande fornecedor de grãos e minerais
para o mundo não é demérito algum nem exclusividade brasileira. Mas países da
estatura do Brasil não devem abdicar do seu potencial industrial, o que passa
bem longe da distribuição de subsídios e benesses governamentais para os
eleitos de sempre.
Em momento em que as tentações
intervencionistas estão em alta mundo afora, o Brasil não precisa nem deve
apostar naquilo que, como prova o passado, já deu errado. Como destaca o FMI,
políticas industriais efetivas dependem de planejamento e implementação
cuidadosos, instituições robustas, reformas estruturais complementares e
política macroeconômica sólida.
Nem juro zero resolve
Por O Estado de S. Paulo
Baixa adesão à generosa renegociação de
dívidas estaduais mostra que governadores só se contentam com o perdão
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva decidiu facilitar a vida dos governadores que ainda relutam em aderir à
sua generosa proposta de renegociação de dívidas dos Estados. Reduzir os juros
reais das dívidas estaduais de 4% para zero, aparentemente, foi visto como
insuficiente, haja vista que apenas Goiás aderiu à proposta até o momento.
Assim, um decreto publicado na semana passada estendeu o prazo de aderir ao
programa e concluir as negociações, que se encerrava ao fim deste ano, para 31
de dezembro de 2026.
Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas
Gerais e São Paulo, os quatro mais endividados do País, ainda não aderiram
porque alimentam a esperança de que o Congresso derrube vetos presidenciais ao
projeto de refinanciamento das dívidas dos Estados e reduzam ao mínimo o
esforço que teriam de fazer para renegociar seus débitos. Eles querem utilizar
receitas futuras de um fundo que ainda será criado após a implementação da
reforma tributária sobre o consumo, aprovada no fim de 2023, para diminuir o
estoque de suas dívidas.
Talvez na expectativa de que haja um acordo
para que os vetos sejam mantidos, o governo decidiu contrariar a orientação dos
técnicos da área econômica e flexibilizar ainda mais as contrapartidas do
programa. Adotar um teto para limitar o crescimento dos gastos dos Estados que
aderirem à proposta, por exemplo, deixará de ser obrigatório. Já a precificação
das estatais que serão utilizadas para abater parte das dívidas dos Estados com
a União, que seria feita pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES), poderá ser feita por outras empresas.
O decreto escancara a disposição do governo
Lula em perder dinheiro já de saída. Sem as mudanças, o governo estimava abrir
mão de até R$ 1,3 trilhão em receitas financeiras até 2048 se todos os Estados
aderissem ao programa. Com elas, essa renúncia deve aumentar ainda mais.
Exigir um teto para limitar o crescimento das
despesas dos Estados é o mínimo, até por uma questão de princípios. Em primeiro
lugar, porque a União já se submete a um dispositivo dessa natureza. E em
segundo lugar, porque é ela quem garante essas dívidas caso os Estados deixem
de pagá-las.
Já abrir mão da exclusividade do BNDES no
processo de precificação de estatais é contratar longas e caras disputas
judiciais no futuro. Não faltarão Estados dispostos a brigar com a União no
Supremo Tribunal Federal (STF) apresentando laudos com valores diferentes e
maiores para as estatais federalizadas.
A baixa adesão que o programa registrou até
agora pode dar a falsa impressão de que a União exige demais dos Estados
endividados. Não é nada disso. Eles nem sequer precisariam cortar gastos, mas
direcioná-los para áreas que o Executivo considera prioritárias, como o ensino
médio técnico.
A realidade é que, de um lado, a maioria dos Estados não está em dificuldades financeiras e consegue pagar suas dívidas sem muita dificuldade. Do outro, estão os poucos Estados encalacrados, que estão entre os mais ricos do País e que não buscam nada menos que o perdão de suas dívidas à custa dos contribuintes.
O necessário cerco aos cursos de medicina
Por Correio Braziliense
A categoria médica reclama há anos da
necessidade de melhoria em determinados cursos de graduação da iniciativa
privada, que visam somente o lucro diante das altas mensalidades pagas por
esses estudantes
O Ministério da Educação aplica, neste
domingo, pela primeira vez em sua história, o Exame Nacional de Avaliação da
Formação Médica (Enamed). Com selo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a mesma instituição que organiza o Enem, a
prova vem para medir a qualificação dos cursos de medicina no Brasil, após o
setor apontar uma queda na qualidade da formação superior.
A ideia do Inep, que conduzirá a prova em
parceria com a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), é
realizaro exame anualmente. Na prática, o teste vem para verificar se os
estudantes concluintes dos cursos de medicina adquiriram as competências e
habilidades exigidas pelas diretrizes curriculares. Em outras palavras, se
estão realmente preparados para exercer a profissão.
Em entrevista recente, o ministro da Saúde,
Alexandre Padilha, reconheceu a necessidade da criação do exame para evitar que
médicos despreparados cheguem ao SUS. "A gente precisa dar um grande freio
de arrumação (nos cursos de medicina atualmente em vigor). [...] Um médico mal
preparado pode ser mais prejudicial à saúde do que a ausência dele", disse
na semana passada.
Para as instituições de educação superior, o
Enamed representa um desafio que pode mexer diretamente na arrecadação,
sobretudo daquelas que promovem cursos de nível baixo.
O MEC estabeleceu cinco níveis de notas
globais para classificar os cursos. As formações com conceito 2 terão redução
de vagas para ingresso de novos alunos de medicina. Aqueles com conceito 1
terão suspensão total das matrículas, ou seja, fecharão.
Serão 100 questões de múltipla escolha
cobrando conteúdos, habilidades e competências nas áreas previstas nos cursos
de medicina. A prova é obrigatória para estudantes concluintes da graduação,
portanto, ninguém conseguirá o diploma sem antes fazê-la.
A iniciativa é importante e vem em boa hora,
apesar de contar com certo atraso. A categoria médica reclama há anos da
necessidade de melhoria em determinados cursos de graduação da iniciativa
privada, que visam somente ao lucro diante das altas mensalidades pagas por
esses estudantes.
É óbvio que o Brasil ainda vive uma crise de
assistência em saúde, sobretudo nos municípios mais interioranos de um país com
dimensões continentais. Esse foi um dos motivos de o governo recorrer ao
Programa Mais Médicos na década passada, quando trouxe mão de obra estrangeira
para ampliar e qualificar a oferta médica.
No entanto, esse problema histórico não pode
ser porta de entrada para formação de médicos despreparados, longe do rigor que
qualquer profissão exige, sobretudo aquelas ligadas à área da saúde, onde um
erro é capaz de ceifar a vida do paciente - vide a recente indenização obtida
pelo ministro Flávio Dino, que perdeu o filho Marcelo Dino em 2012, vítima da
negligência médica durante tratamento de uma asma.
O exemplo usado na saúde, inclusive, deveria se estender a outras áreas do conhecimento. Engenheiros mal formados, por exemplo, trazem risco à população ao assinarem pareceres técnicos com erros, sejam eles básicos ou não. O mesmo vale para professores responsáveis pela educação básica, média e superior; advogados; jornalistas; contadores; e qualquer outro profissional.
Presidencialismo de coalizão sofre abalo
Por O Povo (CE)
O que dificulta a governabilidade, no caso
específico da atual gestão de Lula, é a desconexão entre um presidente de
esquerda e a maioria do Congresso Nacional de direita ou de centro-direita
A ministra da Secretaria de Relações
Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT-PR), começou a "meter a faca" —
expressão usada pelo líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães
(PT-CE) — para retirar dos cargos públicos os indicados por partidos que derrubaram
a medida provisória 1303/25.
A MP taxaria rendimentos de aplicações
financeiras e casas de apostas onlines — e era fundamental para o governo
equilibrar as pontas públicas. Aliados do presidente Lula acusam o Centrão de
ter quebrado um acordo para aprovar a medida. O presidente teria então decidido
manter nos cargos somente indicados por partidos que mantiveram a fidelidade às
propostas do governo.
As demissões começaram na sexta-feira e já
foram exonerados de cargos que ocupavam os indicados pelo senador Ciro Nogueira
(PP-PI), por Gilberto Kassab, presidente do PSD, além de aliados do União
Brasil e do MDB. Segundo o Uol, o Centrão tem cerca de 380 filiados com cargos
comissionados na Esplanada dos Ministérios. Estatais também entram nessa conta;
a Caixa Econômica Federal tem aliados do PP e PL ocupando vices-presidências e
outros cargos no banco, que também estão sendo demitidos.
O governo age em coerência com a lógica
vigente, qual seja, a troca de cargos e de emendas parlamentares por apoio político,
portanto, quem não cumpre esse acordo não escrito fica sujeito a retaliações.
Mas o problema é que esse modo de fazer política, ainda que não seja ilegal,
arranha os princípios que devem nortear a administração pública.
Se há partidos dispostos a oferecer apoio ao
governo em troca de cargos, é um forte indicativo de que estão mais preocupados
com as benesses que vão auferir do que em diferenciar o certo e o errado ou
afinados com os interesses da população. Por outra vista, se o governo abdica
dessa fórmula, a governabilidade fica em risco, assim, o mandatário termina por
resolver o dilema optando pela ética da responsabilidade.
O que também dificulta a governabilidade, no
caso específico da atual gestão de Lula, é desconexão entre um presidente de esquerda
e a maioria do Congresso Nacional de direita ou de centro-direita. Reconheça-se
ser difícil ao eleitor identificar a ideologia que move cada sigla entre os 29
partidos com registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Frise-se, no entanto, que o problema se repete um governo após outro, provocando crises e instabilidades políticas, com repercussão na vida das pessoas. A ver agora como a realidade vai se desenrolar com esse abalo sofrido pelo presidencialismo de coalização, que já vinha rateando.
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