terça-feira, 28 de maio de 2019

Opinião do dia: Zygmunt Bauman*

Nós nos acostumamos a encarar o ser humano apenas como unidade estatística. Não ficamos chocados ao vermos indivíduos como força de trabalho. O poder de compra de uma sociedade ou a capacidade de consumo tornaram-se critérios cruciais para se avaliar o grau de adequação de um país para se associar ao clube do poder, ao qual aplicamos os sonoros títulos de várias organizações internacionais. A questão de saber se você é uma democracia só se torna relevante quando você não tem nenhum poder e, portanto, deve ser controlado por meio de varetas retóricas ou políticas. Se você é rico em petróleo ou pode consumir ou investir muito, isso o absolve de suas falhas em respeitar a política e as sensibilidades morais modernas ou permanecer comprometido com as liberdades civis e os direitos humanos.

*Zygmunt Bauman (1925-2017), Filósofo polonês, foi o grande pensador da modernidade e deixou uma vasta obra. ‘Mal líquido’, p. 191. Editora Zahar, 2019.

Merval Pereira: Sem carta branca

- O Globo

Manifestações não foram desprezíveis mas não suficientes para levar presidente a ter poderes acima de Congresso e STF

A relação do presidente Jair Bolsonaro com seus assessores militares, além da amizade com a maioria, e do respeito à hierarquia inerente à corporação – o presidente da República é o Comandante em Chefe das Forças Armadas – tem um ingrediente especial: o respeito pela sua vivência na vida partidária dentro do Congresso.

Quando algum assunto relativo à política está sendo tratado, Bolsonaro é direto com quaisquer de seus interlocutores militares e civis não políticos: “Quem entende de política aqui sou eu”.

Os militares são os mais impressionados com essa habilidade, pois, ao entrarem no ministério, entraram também em um mundo político que desconhecem.

Ao dizer que as manifestações de domingo foram “maiores do que se esperava”, o General Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), estava refletindo essa admiração pela atuação de Bolsonaro na arena política.

Para muitos que estão de fora, o presidente tem feito trapalhadas seguidas, sendo obrigado a se retratar e a voltar atrás frequentemente. Esses já são a maioria, segundo as pesquisas.

Os militares, no entanto, estão convencidos de que tudo não passa de uma estratégia muito bem montada por Bolsonaro. A força das manifestações de domingo demonstraria o acerto do comportamento errático do presidente.

Um dia replicou em seu twitter convocação para as passeatas, quando elas ainda eram focadas em atacar o Congresso e o Supremo, defendendo até mesmo o fechamento das instituições simbólicas da democracia. No outro, orientou seus ministros e assessores a não irem às manifestações. E desautorizou usarem seu nome em reivindicações não democráticas.

A tática do morde e assopra, como agora, que se desculpou por ter chamado os estudantes que “idiotas inúteis”, seria uma maneira de manobrar entre os obstáculos políticos para chegar a um objetivo, no caso, a aprovação da reforma da Previdência.

Míriam Leitão: O limite entre as ruas e o governo

- O Globo

As ruas são livres para gritarem o que quiserem, mas o governo não pode ecoar ou estimular os discursos extremos e antidemocráticos

Quem foi para a rua, mesmo para criticar as instituições democráticas, tinha o direito de estar lá. Na democracia, essa liberdade é consagrada. A questão a discutir não é o ato em si, mas toda a ambiguidade que está presente em alguns atos e palavras das autoridades. O presidente Jair Bolsonaro que considerou legítimas as manifestações de domingo chamou de “idiotas” os que fizeram os protestos do dia 15. São dois pesos, duas medidas. Ele não foi, mas deu um mote enviesado quando divulgou, dias antes, texto em que sugere que está sendo impedido de governar, e ontem ao falar que o movimento fora “um recado contra aqueles que teimam nas velhas práticas”.

Bolsonaro deixa subentendidos demais quando fala sobre a relação com o Congresso. Dá a entender que seus problemas são derivados de os políticos o estarem pressionando para usar a moeda da corrupção nas negociações para formar uma coalizão. E essa mensagem esteve presente nos atos de domingo, personificada no ataque direto ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.

Já as críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) estiveram presentes até na boca de parlamentares do partido. O deputado estadual Filippe Poubel (PSL-RJ) repetiu a frase do terceiro filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro: “Para fechar o Supremo só precisa de um soldado e um cabo.” O senador Major Olímpio (PSL-SP) ameaçou: “Nos aguarde STF.”

Isso não quer dizer que a maioria dos que foram às ruas tinha esse objetivo, mas o fato de ser dito em alto e bom som por parlamentares do partido do presidente não pode ser subestimado. A democracia aceita protestos contra as instituições que a sustentam, mas essas falas, entre tantas outras, mostraram que o governo Bolsonaro flerta frequentemente com a ameaça à democracia.

José Casado: O país derrete sob Bolsonaro

- O Globo

A indústria completou três trimestres de queda na produção

Sete meses atrás, numa tarde de domingo, Jair Bolsonaro se elegeu presidente de um país com 12 milhões de desempregados.

Sucedeu a um fragilizado Michel Temer, sobrevivente de três tentativas de cassação na Justiça Eleitoral e na Câmara. Temer conseguira domar a inflação e reverter a tendência de declínio da economia. Recebeu de Dilma Rousseff um Produto Interno Bruto em queda de 4%. Entregou com crescimento de 1%.

Vinte e oito semanas depois, a fila de desempregados aumentou para 13,4 milhões. A perspectiva de recuperação se esvaneceu. No Brasil de Bolsonaro, economistas já disputam adjetivos —estagnação ou depressão.

O presidente se entretém na caça a fantasmas do sepultado comunismo, estimulando sectarismo e manifestações de apoio ao governo. Em cinco meses, da sua caneta saiu apenas uma iniciativa para imediata criação de empregos —na produção de armas.

Bernardo Mello Franco: O coro dos contentes

- O Globo

Ao estimular os atos de domingo, Bolsonaro quis demonstrar força e emparedar o Congresso e o STF. A primeira meta foi cumprida. A segunda é mais questionável

A economia está parada, a popularidade do presidente despencou e o desemprego continua a subir. Um governo com estes resultados ainda é capaz de mobilizar eleitores para defendê-lo? É, pelo que se viu nas manifestações de domingo.

O estímulo aos protestos a favor foi uma aposta arriscada. Jair Bolsonaro quis demonstrar força e emparedar o Congresso e o Supremo, que ele enxerga como obstáculos ao poder presidencial.

A primeira meta foi cumprida. Apesar das dissidências na direita, as marchas provaram que ainda há muita gente disposta a sair de casa para reverenciar o “Mito”. A segunda é mais questionável. Ao atacar o presidente da Câmara e os deputados do centrão, o bolsonarismo hostilizou personagens que decidirão o sucesso ou o fracasso das reformas.

Rodrigo Maia substituiu o ex-presidente Lula como alvo número um das passeatas. No Rio, ganhou até um boneco inflável para chamar de seu. O “pixuleco” usava camisa do Botafogo com logotipo da Odebrecht e escondia notas de dólar nos bolsos e sapatos. Nas costas, era rotulado como “Nhonho”, “Judas” e “171”.

*Ricardo Rangel: Uma manifestação contraditória

- O Globo

Pediram a reforma da Previdência quando todos sabem que ela está bem encaminhada

A manifestação de domingo foi convocada, a princípio, para hostilizar a classe política, os demais Poderes da República e a imprensa. A convocação repercutiu mal, e o governo reorientou a pauta para a defesa das reformas. Fez bem: de um lado, rebateu (em parte) a acusação de antidemocrático e golpista; do outro, atraiu gente que está mais interessada em melhorar o país do que em brigar. Encheu as ruas. Mas criou uma agenda dupla e realizou uma manifestação contraditória.

A agenda positiva, reformista, é boa, mas também é esquisita. Pediram a reforma da Previdência quando todos sabem que ela está bem encaminhada, que seu atraso é decorrente das trapalhadas do próprio governo, e que seu maior inimigo é o presidente da República, que volta e meia dá uma declaração que esvazia a proposta (na semana passada, uma dessas declarações levou o ministro da Economia a ameaçar, mais uma vez, pedir o boné).

Pediram a MP 870 depois que ela foi aprovada na Câmara. Pediram para manter o Coaf com Moro, coisa pela qual o governo jamais se interessou, que quase deixou de fora, e na qual é perigoso mexer pelo risco de a MP inteira cair. Pediram o pacote anticrime de Moro, pelo qual Bolsonaro nunca chegou a lutar, e que o governo fatiou em três, deixando o caixa 2 de fora. Quase caso de perguntar se a manifestação era mesmo a favor do governo.

A agenda negativa, a do confronto institucional, apesar da suposta mudança da pauta, persistiu. Houve forte hostilização ao “Centrão” (aquilo que o bolsonarismo chama de “velha política”) e a Rodrigo Maia. A manifestação que pedia a reforma da Previdência brigou com aqueles de cujos votos ela depende e, de maneira estapafúrdia, atacou Maia, justamente o maior aliado da reforma, peça-chave para sua aprovação. E ainda havia a minoria que pedia golpe militar.

Carlos Andreazza: O plebiscito permanente

- O Globo

Não acredito, por óbvio, na viabilidade desse norte plebiscitário

Não importa o volume das manifestações governistas de domingo. Avalio que foram de porte razoável e de caráter nacional tanto quanto expressivas de uma mentalidade autoritária, resumida no ataque direto ao Parlamento — motor original dos atos e ímpeto antidemocrático cujo propósito, apesar da competente campanha que tentou limpar a barra pesada das convocações, não se conseguiu disfarçar: o de esmagar o Legislativo sob a convicção de que o Congresso, o inimigo, sindicato do crime, seja poder menor destinado a mero despachante dos desejos do governante popular, um imperador eleito, um guerreiro de todos os lados acossado pelo monstro chamado establishment.

O tamanho e a representatividade dos protestos, porém, sempre independerão dos fatos, matéria que são para guerra de versões. Como escrevi: não importa. O que interessa tampouco deriva do sucesso populacional das manifestações e da qualidade de suas pautas — e pode ser resumido numa pergunta: em que os atos contribuem para a agenda de um governo que se vende como reformista e que, para ter êxito na empreitada, necessitará de mínima estabilidade? Mais precisamente: qual a aposta contida em dar vazão — com estímulo oficial desde o Planalto, inclusive do presidente — a uma estratégia de intimidação contra um Poder da República do qual o Executivo precisará?

Governo não pode achar que as ruas decidirão reformas: Editorial / O Globo

Nas manifestações, mudanças na Previdência receberam apoio, mas o foco tem de ser o Congresso

O domingo de manifestações em favor do governo Bolsonaro, realizadas em 156 cidades, distribuídas pelos 26 estados e o Distrito Federal, serviu para mostrar que a direita chegou mesmo às ruas, que eram monopólio da esquerda até junho de 2013, quando atos espontâneos, à margem das máquinas sindicais lulopetistas, denunciaram a má qualidade dos serviços públicos e da infraestrutura.

É possível inferir que a grande maioria dos que se vestiram de verde e amarelo no fim de semana seja bolsonarista de raiz, sem representantes daquela parcela dos eleitores do ex-capitão que votaram nele movidos por um forte sentimento antipetista. Demonstram pesquisas que estes já abandonaram o presidente.

O pretexto da mobilização foi a resposta a passeatas, também realizadas em todo o país, em defesa da Educação, depois que o novo ministro da área, Abraham Weintraub, fez um pronunciamento desastrado para anunciar “cortes” no MEC, quando, na verdade, era um contingenciamento. O ministro aproveitou para fazer críticas de fundo ideológico a universidades, em que reinariam “bagunça” e “balbúrdia”. Com isso, deu pretexto para a oposição organizar as manifestações, de que se aproveitaram até mesmo corporações sindicais de servidores públicos, privilegiadas na atual Previdência, e levaram às ruas palavras de ordem contra a reforma.

Eliane Cantanhêde: O bolsonarismo existe

- O Estado de S.Paulo

A existência do bolsonarismo projeta o antibolsonarismo e até o seu líder: Rodrigo Maia

O principal resultado das manifestações de domingo foi confirmar que a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência não foi só um episódio e que o bolsonarismo vingou. Ocupou um vácuo político na campanha e se consolida com a rejeição ao que o próprio presidente chama de “velha política” e os seus filhos e os olavistas desdenham como “establishment”, mas tem um nome: instituições, à frente os Poderes da República.

O bolsonarismo fecha os olhos, os ouvidos e a razão ao despreparo e aos erros crassos de Jair Bolsonaro em nome de “algo maior”: uma ideologia, o conservadorismo de costumes, as reformas liberais (que, aliás, vários outros candidatos defendiam) e o combate ao crime (que eles também pregavam), mas a liga mais poderosa é a rejeição contra o Congresso, o Supremo, a mídia. Ou seja, o “sistema”.

A economia derrete, mas o presidente dá prioridade a armas e transforma suas crenças pessoais em política de Estado, contra a defesa do meio ambiente, as universidades, as pesquisas, a área de Humanas.
E ele rechaça os políticos, mas dá um excesso de poder nunca visto aos próprios filhos – aliás, políticos, um deles enrolado com um esquema no Rio que pode ser tudo, menos uma saudável “nova política”.

Bolsonaro já derrubou ações da Petrobrás, criou sobressaltos na CEF, assustou a comunidade internacional, gerou temores na China e no mundo árabe e se mete despudoradamente nas eleições da Argentina.

O bolsonarismo, porém, não está nem aí para isso. Prefere acreditar, e alardear pelas redes sociais, que é tudo fake news, perseguição de uma imprensa esquerdista e mal-intencionada. O que importa para o bolsonarismo não é Bolsonaro, é o que ele representa. Bolsonaro é fraco, mas a simbologia (ou o marketing) dele é forte.

É hora de governar: Editorial / O Estado de S. Paulo

As manifestações de domingo passado em defesa do governo ocorreram de maneira ordeira, sem incidentes de maior gravidade e, principalmente, sem a radicalização que tanto se temia. O discurso predominante não foi o da minoria extremista que, às vésperas das passeatas, pregava o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso. Foram às ruas brasileiros interessados em reafirmar a importância das pautas que decidiram as eleições do ano passado, tais como a moralização da política e o combate ao crime. Houve ainda forte defesa da reforma da Previdência, o que é fato raro de ver em manifestações populares.

Espera-se que o presidente Jair Bolsonaro não tome esses protestos como uma espécie de carta branca para ampliar sua força na tumultuada relação com o Congresso, até porque o comparecimento não foi tão estrondoso como seus seguidores mais radicais esperavam. Mas é inegável também que essas passeatas, cuja afluência não foi nada desprezível, podem funcionar como uma espécie de confirmação da legitimidade de Bolsonaro obtida nas urnas no ano passado.
Nesse sentido, o presidente deveria aproveitar essa segunda oportunidade que seus eleitores lhe deram para, enfim, fazer política e governar o País.

Luiz Carlos Azedo: O tamanho do “mito”

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Ao não lotear o governo e recusar o chamado toma lá dá cá, o presidente Bolsonaro devolve a grande política ao Congresso, que está recuperando sua capacidade de mediação com a sociedade”

Quem apostou no fracasso das manifestações de apoio ao presidente Jair Bolsonaro no último domingo perdeu. Foi uma dupla demonstração de força: primeiro, do poder de mobilização de uma militância aguerrida e ideologicamente alinhada com seu líder; segundo, da capacidade de direção política dos protestos, que foram convocados para confrontar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), mas acabaram redirecionados para apoiar o presidente da República e a reforma da Previdência. Não é pouco.

Também perdeu quem apostou no emparedamento do Congresso e do Supremo, ainda que Bolsonaro tenha acarinhado seus partidários radicais com sua declaração de que o ato foi um protesto contra as “velhas práticas”. Motivação inicial dos protestos, essa intenção foi sendo frustrada por setores que apoiam o presidente da República, mas não são radicais, situam-se no espectro da centro-direita. Esses setores mais moderados estão ancorados nos ministros políticos, militares e técnicos que compõem o governo e não reproduzem a lógica do grupo ideológico que cerca o clã Bolsonaro. O agrupamento moderado faz o presidente da República ser maior do que o “mito”.

Como nos ensina o mestre Norberto Bobbio, todo governo é a forma mais concentrada de poder; porque as funções essenciais do Estado, que são normatizar, arrecadar e coagir, fazem dele o eixo da vida nacional. O poder do Estado, cujo vértice é a Presidência, é muito maior do que o carisma do líder, ainda que esse carisma seja uma via de chegada e conservação do poder. Essa relação é ainda mais complexa na democracia, porque existem as mediações do Congresso (que normatiza) e do Supremo (que delimita a autoridade). Talvez a melhor conclusão que possa se tirar das manifestações de domingo seja a separação das coisas, ou seja, deram mais nitidez entre o que é o poder do Estado e o carisma do “mito”.

Isso é bom para todos, porque há gente no governo que ainda não sabe separar alhos de bugalhos. Misturar essas coisas foi um dos defeitos do governo Lula, cujo enorme carisma era acompanhado também de grande capacidade de negociação. Juntando o poder do Estado com seu magnetismo popular, o petista abduziu do Congresso a grande política, levando toda a mediação do mundo dos interesses, tanto do trabalho como do capital, para o Palácio do Planalto. Restou ao parlamento a pequena política, cujo subproduto foi a propina miúda dos negócios, porque as grandes negociatas, essas rolavam mesmo é nos ministérios e nas estatais, sobretudo a Petrobras. Dilma não tinha a mesma capacidade de mediação, enveredou por um caminho desastroso na economia e acabou apeada do poder, pelo povo na rua e pelas raposas do Congresso. A Operação Lava-Jato se encarregou, depois, de passar o rodo em quase todo mundo que meteu os pés pelas mãos.

Pablo Ortellado: Protesto a favor

- Folha de S. Paulo

Manifestações de domingo foram mais a favor das reformas do que contra as elites

As manifestações do último domingo (26) consolidaram o impasse político que vive o país. Foram grandes o suficiente para, com boa vontade, poderem ser comparadas aos protestos contra os cortes na educação, mas não tão grandes para conseguir assustar o Congresso —supondo que esse era o objetivo maior do governo.

De um ponto de vista analítico, o principal desafio é entender se o que vimos foi o enxugamento e o encolhimento do campo antipetista ou, ao contrário, a emergência de um novo campo de mobilização, o do bolsonarismo puro, que poderia se expandir sem as amarras e contrapesos das lideranças do movimento anticorrupção.

Também precisamos entender a motivação dos protestos.

Meu grupo de pesquisa na USP investigou a questão, perguntando aos manifestantes na avenida Paulista qual, entre uma lista de motivos, tinha sido o determinante para irem às ruas. O resultado foi surpreendente. Não foi nem o apoio à Lava Jato (8%) nem a rejeição ao STF (6%) nem o rechaço ao centrão (6%) o que motivou os manifestantes, mas o “apoio às reformas” (75%).

Como interpretar esse estranho fenômeno do protesto a favor?

Sabemos que, originalmente, a convocação dos protestos enfatizou a crítica às elites políticas que criavam obstáculos à ação do governo (centrão), que limitavam a atuação da Lava Jato e que ameaçavam censurar as mídias sociais (STF).

Depois que se impôs o entendimento de que essas pautas soavam antidemocráticas, os líderes do bolsonarismo ressignificaram os protestos como a favor das reformas: a redução dos ministérios e a transferência do Coaf, a reforma da Previdência e o pacote anticrime.

Talvez a estratégia dessa mudança tenha sido captada pela base que entendeu que, no fundo, apoiar as reformas é também se opor às elites políticas que as impedem.

Joel Pinheiro da Fonseca: O que eu vi nas ruas

- Folha de S. Paulo

Só se desfazendo de justificativas fáceis enterraremos a tentação autoritária

O grande risco para o governo Bolsonaro nos protestos que ocorreram no domingo (26) em diversas cidades é que fossem um fiasco. Sua estratégia de não dialogar e nem fazer pontes com nenhuma instituição e confiar apenas na pressão popular direta para impor sua vontade depende da capacidade de colocar pessoas na rua continuamente.

Pelo menos no Rio e em São Paulo, os protestos não foram um fiasco. Fui à avenida Paulista (apenas como observador!) e pude constatar em primeira mão que a rua estava cheia de gente. Os manifestantes não passaram vergonha.

Dito isso, as fotos aéreas e estimativas oficiais indicam que os protestos do dia 15 de maio, contra o governo, atraíram mais pessoas, assim como as marchas pelo “Ele Sim” em apoio ao então candidato Bolsonaro no ano passado. Ou seja: Bolsonaro ainda conta com milhares de pessoas dispostas a ir às ruas para defendê-lo, mas o número delas vem caindo.

Não se viam pedidos de fechar o Congresso ou o STF na avenida (talvez um ou outro isolado). Pediam-se reforma da Previdência, o pacote de Sergio Moro e a MP 870.

Curiosamente, os discursos dos carros de som não faziam referência quase nenhuma ao conteúdo dessas medidas. Elas funcionavam apenas como palavras de ordem. O foco dos discursos estava quase todo na denúncia dos supostos inimigos do governo: Congresso, centrão, STF, imprensa, universidades.

Ao que tudo indica, os protestos de rua, embora tenham evitado o fiasco, não foram grandes o bastante para amedrontar o Congresso. Se pensarmos que eles tendem a diminuir conforme o tempo passe e as fragilidades do governo se tornem mais evidentes, eles podem até ter o efeito contrário. Fora das redes sociais, o bolsonarismo não mete tanto medo assim.

Ranier Bragon: O povo, segundo Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Para presidente, povo se resume a quem vestiu verde e amarelo no domingo

Ao se fiar nas manifestações de Jair Bolsonaro durante e após os atos de domingo (26), o presidente acredita que o povo brasileiro se resume aos que saíram a público com a camisa da seleção. Das ruas, Bolsonaro só escuta o que lhe convém.

O mar de gente que entupiu espaços públicos em 15 de maio nos protestos pela educação —em mais cidades e, na maioria delas, em número superior ao deste domingo— não é povo, mas idiotas, imbecis, inocentes nas mãos da corja do apagador e giz.

É melhor nem discutir o que pensam os que ficaram em casa ou foram ao Maracanã ver o Flamengo, por exemplo. Por 28 anos deputado, Bolsonaro age como se ainda fosse um deles, a representar um segmento muito específico da população.

Afinal de contas, o que quer o povo brasileiro? Qual é a voz das ruas?

Certamente não é uma só, nem duas, nem três. E nem de longe se resume aos verde e amarelo de domingo —os quais, tirante uma ala sequiosa por quarteladas e outras delícias vindas das trevas, têm o direito de serem ouvidos e representados.

Hélio Schwartsman: O voto tem consequências

- Folha de S. Paulo

Sabemos desde Platão que o eleitorado é presa fácil para demagogos

Fica cada vez mais fundo o buraco em que o Reino Unido se meteu ao decidir pelo brexit. Com a renúncia de Theresa May, ampliam-se as chances de o país deixar a União Europeia sem nenhum tipo de acordo, o que seria desastroso para a economia.

Também fica maior a probabilidade de “remainers” encontrarem alguma brecha política ou jurídica para exigir um segundo plebiscito, que, na hipótese de produzir um resultado diferente daquele do primeiro, causaria danos para o mecanismo de consulta popular e, por extensão, para a própria democracia.

Como os britânicos puderam cair nessa armadilha? A triste verdade é que a democracia, em especial a democracia sem filtros, traz esses riscos. Nós sabemos desde Platão que o eleitorado é presa fácil para demagogos. O que a ciência política e a psicologia modernas fizeram foi descrever com minúcia os vieses pelos quais as pessoas se deixam levar, além das aporias irredutíveis de processos de decisão por maioria.

Fernando Exman: Programa piloto de pressão popular

- Valor Econômico

Ambiente político polarizado é habitat natural de Bolsonaro

Pelo menos por enquanto, de uma coisa o presidente Jair Bolsonaro não pode ser acusado: ter praticado estelionato eleitoral na forma que conduz as relações entre o Executivo e o Parlamento. Bolsonaro até abriu um canal de diálogo com líderes partidários, mas insiste em buscar apoios das bancadas temáticas. E no domingo colocou em prática, pela primeira vez desde que tomou posse, outro aspecto da estratégia política formulada durante a corrida presidencial: o uso da pressão popular como ferramenta para impulsionar a sua agenda legislativa, mesmo sem ter uma base fixa de sustentação no Congresso Nacional.

Bolsonaro foi prudente. Enquanto aliados próximos e familiares trabalharam para dar volume à mobilização em defesa do governo e suas pautas, manteve-se longe o suficiente do movimento para evitar ser acusado de insuflar a população contra outros Poderes ou ser responsabilizado por um eventual fracasso. Mas perto o bastante para poder converter em capital político o potencial sucesso dos atos, que de fato reuniram milhares de pessoas em várias cidades de todas as regiões do país.

A eficácia de tal postura será testada de imediato. Esta semana é crucial para as reformas administrativa e previdenciária. Além disso, na quinta-feira a oposição também dobrará a aposta e promoverá nova mobilização nacional contra as políticas do governo para a área da educação.

No Congresso, um dos principais desafios dos articuladores políticos do Planalto é a MP 870. A medida provisória que dá à Esplanada dos Ministérios a cara do governo Bolsonaro precisa ser aprovada até o dia 3, e ironicamente corre mais risco de caducar se o Senado alterá-la a fim de manter o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sob responsabilidade do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.

Os senadores poderiam alegar que decidiram atender aos pedidos feitos nas manifestações de domingo, o que, na prática, faria com que a MP retornasse à Câmara. O governo seria forçado a retomar às pressas as negociações com os deputados, para evitar que o fim da vigência da medida provisória colocasse o governo numa barafunda burocrática de grande magnitude.

Manifestações não compensam a falta de articulação política: Editorial / Valor Econômico

As manifestações a favor do governo no domingo - com participações expressivas em São Paulo e Rio de Janeiro, baixa adesão no resto do país - não modificam em nada as dificuldades que o presidente Jair Bolsonaro tem de governar, muitas delas criadas por si próprio e por seus filhos. O presidente não terá um apoio maior no Congresso depois delas, e não é improvável que tenha ainda menos. O protesto contra "velhas práticas" dos políticos, a razão de ser das manifestações, segundo Bolsonaro, não terá efeito algum se o governo não vencer politicamente as forças que têm impedido sua agenda de progredir. Os atos de rua, organizados pela franja radical do bolsonarismo, personificaram o mal a ser combatido no Centrão, um agrupamento de partidos fisiológicos, e no presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. No caso de Maia, a satanização é típica do estilo do presidente, o de fustigar justamente quem mais está se empenhando em aprovar a reforma da previdência, em acordo com o ministro Paulo Guedes.

As manifestações foram pacíficas, ordeiras e sabiamente contidas por seus organizadores. A defesa das reformas propostas pelo governo, em especial a da previdência, compôs a maior parte das bandeiras e integrou a maioria dos discursos. Foram deixadas em segundo plano algumas das palavras de ordem lançadas no início da organização dos atos, que desmoralizavam o Supremo Tribunal Federal e Congresso. Bolsonaro incentivou as manifestações, não participou delas e em boa hora desautorizou os radicais de seu lado que pregavam o fechamento do Congresso e do Supremo.

Ajudou a engrossar as manifestações dos aliados fiéis a Bolsonaro a carga reativa trazida pelos massivos protestos de rua duas semanas antes em defesa da educação, contra as sandices em série produzidas pelo ministro da pasta, Abraham Weintraub. Elas não foram organizadas pelos partidos de esquerda, em especial o PT, desorientados e sem iniciativa relevante, no Congresso ou fora dele, como pensam bolsonaristas radicais. Mas deram um sinal forte de que há limites para o radicalismo ideológico do governo e de que, nessa trilha, acabará reconstruindo o poder que a esquerda já teve de mobilizar multidões.

Ricardo Noblat: Surdo de um ouvido

- Blog do Noblat / Veja

Pacto para salvar o governo
Por aqui, mas não só, governo em dificuldades costuma defender um pacto nacional para que possa tirar o país do buraco. Veja bem: não é para que ele, governo, saia do buraco, mas para que saia o país encalacrado por isso, por aquilo outro ou por um monte de coisas.

Há vezes em que os convocados para o pacto simplesmente dizem não – a história do Brasil está pontilhada de exemplos. Há outras em que dizem sim só para não serem acusados de radicais, intransigentes, refratários ao diálogo. Mas o pacto em nada resulta.

Esta manhã, em Brasília, a convite do presidente Jair Bolsonaro, os presidentes da Câmara e do Supremo Tribunal Federal, respectivamente Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Dias Toffoli, se reunirão para discutir um pacto entre os três poderes. Improvável que dê certo.

Como poderá dar certo se o anfitrião preside o país há cinco meses sem dispor sequer de um programa de governo? Se a cada semana surpreende os brasileiros com ideias sem pé nem cabeça que ele logo abandona ao primeiro sinal de inconsistência ou de encrenca?

De fato, a Bolsonaro não interessa pacto, acordo, entendimento, nem mesmo com os que o cercam de perto (alô, alô, Paulo Guedes, Sérgio Moro e os militares empregados no governo: não é verdade?). Interessa rendição às suas vontades. Rendição. E ponto final.

Foi por isso que estimulou os devotos a saírem às ruas em sua defesa no último domingo. Seu propósito era emparedar o Congresso e a Justiça. Ante o perigo de ser processado por crime de responsabilidade, pediu moderação aos manifestantes. O estrago, porém, já estava feito.

De lá para cá, Bolsonaro trava a batalha para lacrar seus adversários com o discurso de que se fortaleceu politicamente. Mas como, se as manifestações foram bem menores do que as protagonizadas dias antes pelos estudantes contra o corte de verbas para Educação?

Mas como, se as ruas só juntaram os chamados bolsonaristas de raiz ainda dispostos a ir para o céu ou o inferno na companhia do Messias? Mas como, se ele já perdeu até mesmo a confiança dos poderosos que preferiram fechar os olhos ao seu despreparo? Agora, abriram.

O café do pacto se dará depois que um Bolsonaro aparentemente sensato e convertido à democracia pregou que o povo nas ruas deve ser escutado. Que povo? Os chamados por ele de patriotas? Ou também os estudantes chamados por ele que de “idiotas úteis”?

Bolsonaro se elegeu com 58 milhões de votos. Fernando Haddad (PT) perdeu com 47 milhões. Onze milhões de pessoas se negaram a votar tanto num quanto no outro. No seu discurso de posse, Bolsonaro prometeu que governaria para todos os brasileiros. Era sua obrigação.

Não governa nem mesmo para todos os que o elegeram. Governasse e não estaria sangrando nas pesquisas, nem apelando para ilusórios instrumentos testados e reprovados em tempos passados. É o caso do pacto pela salvação do país. Ou melhor: pela salvação do governo.

Garoto em baixa

Para analistas, ‘espiral’ de protestos gera instabilidade

Cientistas políticos comentam possíveis desdobramentos das manifestações a favor e contra Jair Bolsonaro

Matheus Lara e Isadora Duarte / O Estado de S.Paulo

A projeção de novos protestos contra e a favor do governo Jair Bolsonaro pelas ruas do País pode representar um ameaça à busca por estabilidade. Esta é a avaliação de cientistas políticos que, a pedido do Estado, comentaram os possíveis desdobramentos dos atos do domingo, 26, em apoio ao governo. Estão previstos atos contra a administração de Bolsonaro, nos moldes dos de duas semanas atrás, para o próximo dia 30.

"Se a sociedade entrar numa espiral de protestos a favor e contra, isso vai tensionar ainda mais a governabilidade que já está bastante esgarçada. É preocupante", diz o cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Mackenzie, de São Paulo. "Tudo entra numa ótica quantitativa: quem consegue levar mais gente para a rua, e não numa ótica qualitativa, de pensar na superação das crises do País. Essa escalada de manifestações pode aprofundar a crise a paralisar o País. Sucessivas manifestações geram instabilidade."

O cientista político José Alvaro Moisés, da USP, afirma que há uma tendência de atos na rua desde 2013. "A tendência de manifestações de rua no Brasil vem se intensificando desde 2013. Em certo sentido, é um despertar de uma cidadania mais ativa, independente da posição ideológica dos participantes. No governo Bolsonaro, isso parece crescer porque o próprio governo incentiva as manifestações, sem que ele perceba que isso pode ser uma armadilha para um governo frágil, e que é mal avaliado. Talvez estejamos entrando em uma fase de mobilização permanente, e isso tem pontos a favor e contra a democracia representativa. Mas se isso cresce, pode suscitar conflitos."

"Trata-se da disputa por espaço midiático", afirma o cientista político Kleber Carrilho, da Universidade Metodista de São Paulo.

"As questões políticas se negociam em outros espaços. Além do show, ontem (domingo) pouca coisa foi importante. Como também no caso da oposição, que tem se manifestado, mas não tem proposta apresentada. Então, estamos vivendo nesse ambiente de uma política 'de verdade' e de uma política das redes sociais, do ambiente midiático. Por isso, a instabilidade do governo Bolsonaro continua igual ou maior do que já existia."

Na avaliação de Fernando Luiz Abrucio, da Fundação Getúlio Vargas, o ambiente político segue inalterado após os atos, sem mudanças no jogo de força entre Executivo e Legislativo. "O Congresso não foi pressionado pelo movimento. Ele causou certo constrangimento ao presidente, em vez de mostrar força. É um grupo relevante, mas é menor nas rua que outros grupos como os do Centrão e da oposição", observou o cientista político. "Bolsonaro não é a Dilma e nem o Temer. Ele ainda tem certo apoio popular, apesar de ser menor que o de outubro. O Congresso sabe disso", diz Abrucio.

"É contraproducente ficar procurando comparações entre o tanto de gente que foi às ruas dia 26 e o tanto de gente que protestou contra o governo dia 15. É um exercício que só faz separar a sociedade em dois blocos congelados, incomunicáveis", diz o cientista político Marco Aurélio Nogueira em seu blog no 'Estado'. "A polarização no chão social sobe fácil para o vértice do sistema. Faz a temperatura ficar elevada, com o Executivo atritando o Legislativo e sendo por ele atritado, sem que se veja no horizonte qualquer saída. O vértice, porém, tem suas responsabilidades. Não pode se deixar contagiar pelas vozes das ruas, cuja passionalidade separa “esquerdistas” e “direitistas”, vermelhos e verde-amarelos, sem que cada lado saiba bem de que matéria são feitas as suas escolhas."

Johann W. Goethe: Livro de leitura

O mais singular livro dos livros
É o Livro do Amor;
Li-o com toda a atenção:
Poucas folhas de alegrias,
De dores cadernos inteiros.
Apartamento faz uma seção.
Reencontro! um breve capítulo,
Fragmentário. Volumes de mágoas
Alongados de comentários,
Infinitos, sem medida.
Ó Nisami! - mas no fim
Achaste o justo caminho;
O insolúvel, quem o resolve?
Os amantes que tornam a encontrar-se.

Maria Bethânia: São João Xangô Menino