As manifestações a favor do governo no domingo - com participações expressivas em São Paulo e Rio de Janeiro, baixa adesão no resto do país - não modificam em nada as dificuldades que o presidente Jair Bolsonaro tem de governar, muitas delas criadas por si próprio e por seus filhos. O presidente não terá um apoio maior no Congresso depois delas, e não é improvável que tenha ainda menos. O protesto contra "velhas práticas" dos políticos, a razão de ser das manifestações, segundo Bolsonaro, não terá efeito algum se o governo não vencer politicamente as forças que têm impedido sua agenda de progredir. Os atos de rua, organizados pela franja radical do bolsonarismo, personificaram o mal a ser combatido no Centrão, um agrupamento de partidos fisiológicos, e no presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. No caso de Maia, a satanização é típica do estilo do presidente, o de fustigar justamente quem mais está se empenhando em aprovar a reforma da previdência, em acordo com o ministro Paulo Guedes.
As manifestações foram pacíficas, ordeiras e sabiamente contidas por seus organizadores. A defesa das reformas propostas pelo governo, em especial a da previdência, compôs a maior parte das bandeiras e integrou a maioria dos discursos. Foram deixadas em segundo plano algumas das palavras de ordem lançadas no início da organização dos atos, que desmoralizavam o Supremo Tribunal Federal e Congresso. Bolsonaro incentivou as manifestações, não participou delas e em boa hora desautorizou os radicais de seu lado que pregavam o fechamento do Congresso e do Supremo.
Ajudou a engrossar as manifestações dos aliados fiéis a Bolsonaro a carga reativa trazida pelos massivos protestos de rua duas semanas antes em defesa da educação, contra as sandices em série produzidas pelo ministro da pasta, Abraham Weintraub. Elas não foram organizadas pelos partidos de esquerda, em especial o PT, desorientados e sem iniciativa relevante, no Congresso ou fora dele, como pensam bolsonaristas radicais. Mas deram um sinal forte de que há limites para o radicalismo ideológico do governo e de que, nessa trilha, acabará reconstruindo o poder que a esquerda já teve de mobilizar multidões.
A mobilização pró-governo pode ter tido a serventia de acalmar um governo à beira de um ataque de nervos. Bolsonaro divulgou um texto que o isenta de qualquer responsabilidade pelo país ser "ingovernável" e afiança o leitmotiv do presidente - ser vítima de uma conspiração dos políticos, do Congresso, da Justiça, da mídia e até dos militares que lotam os ministérios. Às vésperas dos atos, o ministro Paulo Guedes desabafou à revista Veja que se a reforma não for robusta, deixará o governo. As declarações feriram brios de alguns parlamentares, que viram na entrevista a tentativa de Guedes de intimidar o Congresso.
Mesmo para presidentes à vontade com a política, como Fernando Henrique e Lula, sofreram reveses quando lidaram com essa reforma. Presidentes desconfortáveis com a política, como Bolsonaro, têm dificuldades quase intransponíveis, especialmente se no passado nunca mostrou apreço por ela. Maia pode ser um aliado a contragosto do governo, mas é providencial para as reformas. É, porém, quem mais tem sido desgastado por Bolsonaro e seus áulicos.
A força das manifestações de domingo é insuficiente para alterar as relações de poder entre Congresso e Executivo e apenas suficiente para mostrar que Bolsonaro ainda têm capital político para aglutinar seus eleitores mais radicais - os companheiros de viagem, os movimentos pelo impeachment de Dilma Rousseff, abandonaram o barco. Não há um modus operandi do governo com o Congresso que seja profícuo. Mas há uma linha de ataque à política em si, partindo do presidente e seus filhos, que é simplesmente destrutiva. Se não há sequer um partido digno de alianças e acordos provisórios, não há nada a fazer no Congresso, fora emitir projetos que serão aceitos ou rejeitados.
Bolsonaro está amarrado em uma camisa de força ideológica, que talvez não esteja disposto a romper. Como foram, as manifestações não emparedaram o Congresso, e podem ter lhe aumentado a hostilidade. Mobilizações permanentes dificilmente terão melhor resultado. Nesse caminho, quanto mais o presidente der murros na mesa ou mandar mensagens pelo Twitter, mais refém ficará do Congresso em relação ao governo. Ou constrói a articulação política possível com o Legislativo ou não haverá saída democrática para conseguir o que diz que pretende.
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