segunda-feira, 20 de julho de 2020

Fareed Zakaria - O plano econômico ambicioso dos democratas

- The Washington Post / O Estado de S. Paulo

Com a pandemia ofuscando a nossa realidade, às vezes nos esquecemos de que estamos em plena campanha presidencial. O que permite compreender melhor por que, nas duas últimas semanas, a mídia prestou pouca atenção quando Joe Biden divulgou seus planos para combater a mudança climática e reanimar a economia.

O plano ambiental é ambicioso e mostra uma grande visão do futuro, mas o mais interessante é o plano econômico, que promete garantir que o futuro chegue a “toda a América”. O que soa como o slogan “A América em primeiro lugar”, o que fez o presidente Donald Trump acusar Biden de roubar as suas ideias. Mas, na realidade, embora o programa seja inteligente do ponto de vista político, por avançar diretamente no terreno do nacionalismo econômico de Trump, é muito melhor do que a estratégia do presidente.

A primeira coisa, a mais importante, é o que o programa não faz. Não se trata de uma insistência mercantilista na aplicação de tarifas e em guerras comerciais, as marcas registradas da presidência. Trump falhou neste ponto em todos os sentidos. A evidência é tão clara que, quando a campanha de Biden divulgou um anúncio inflamado afirmando que Trump “perdeu” a guerra comercial com a China, a única crítica do Politifact em relação a esta afirmação foi que ele deveria ter usado o tempo presente “está perdendo”.

Os seus editores apontaram para os seguintes estudos de 2019: um relatório do Banco Central americano, que determinou que “as tarifas não contribuíram para aumentar o emprego na indústria ou a produção e elevaram os preços ao produtor”; uma análise da Moody’s que concluiu que a guerra comercial custou 300 mil empregos americanos; e um estudo do Fed que avaliou o custo dessas tarifas para as famílias americanas em aproximadamente US$ 800 ao ano, anulando os benefícios da redução de impostos de Trump. A Oxford Economics calculou que, no ano passado, a guerra comercial cortou 0,3% do crescimento do PIB dos EUA.

A ideia mais audaciosa do programa de Biden é um aumento maciço dos investimentos nas áreas de pesquisa e desenvolvimento. Ele propõe elevar os gastos em US$ 300 bilhões ao longo de quatro anos, o que representa um aumento de 60% em relação aos gastos de 2018. Se for colocado em prática, o programa reverterá o declínio persistente dos investimentos federais em ciência e tecnologia desde o seu apogeu, nos anos 50 e 60 – para chegar atualmente a esses níveis, seriam necessárias centenas de bilhões a mais. Tais investimentos permitiram produzir o computador pessoal, a internet, o Sistema de Posicionamento Global (GPS) e uma série de outras tecnologias que transformaram a economia.

Mais recentemente, é importante lembrar, um empréstimo do Departamento de Energia de US$ 465 milhões permitiu que a Tesla se estabelecesse e realizasse experimentos com carros elétricos. O plano de Biden propõe investimentos na tecnologia 5G, em automóveis elétricos, em materiais leves e inteligência artificial. Parte do dinheiro será desperdiçada – como acontece também nos investimentos das empresas de capital de risco –, mas só bastarão algumas, como a Tesla, para conseguirmos um enorme sucesso.

O programa tem também um componente de US$ 400 bilhões do “Buy American”. A teoria em que ele se baseia é sensível. Mas o perigo desse tipo de estratégia é que, frequentemente, ela pode se tornar uma “política industrial”, na qual o governo tenta reviver setores mais antigos, como o aço (como Biden quer fazer) e favorecer as empresas com os melhores lobistas.

Em geral, o histórico da maioria dos países ricos na atuação da política industrial tem sido bastante ruim. Os especialistas costumavam apontar para o Japão como o país que dominava os investimentos dirigidos pelo governo, com a exceção de que o que ocorreu foi que as melhores companhias japonesas saíram do setor privado, ferozmente competitivo. As que eram controladas pelo Estado, em geral, não tiveram sorte. A China é diferente, porque sua maior vantagem não são os investimentos inteligentes do governo, mas os baixos salários.

O melhor modelo não é aquele em que o governo cria ou subsidia companhias ou setores específicos, mas o que deixa o mercado saber que comprará certos tipos de produtos inovadores, dando ao setor privado um incentivo para produzi-los. Já em 1962, o governo americano era responsável pela compra de 100% de todos os chips semicondutores produzidos nos EUA. O que permitiu que a indústria se tornasse viável.

Do mesmo modo, as encomendas da Nasa contribuíram para o setor de computação nos anos 60. Biden quer emular esta estratégia e apoiar as tecnologias de ponta dos dias de hoje. Mas as agências fundamentais do governo federal, naquela época, eram mais eficientes e operavam em um isolamento muito maior de interesses específicos.

Uma cautela, porém. O lema “Buy American” (Compre produtos americanos) existe há muito tempo. Na realidade, começou em 1933, no último dia de mandato do presidente Herbert Hoover, respondendo ao plano “Comprem produtos britânicos”, anunciado em Londres. O resultado dessas estratégias impeliu o mundo para uma espiral descendente de protecionismo e nacionalismo, empobrecendo as pessoas comuns, criando um clima internacional perigoso. Tenhamos essa história em mente ao implementarmos a futura versão do “Buy American”.
Tradução de Anna Capovilla

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