Folha de S. Paulo
Filmes me fizeram acreditar que americanos
amavam a liberdade e a democracia e rejeitavam a tirania
Pouca resistência à escalada autoritária de
Trump mostra que tal imagem não era real
Sou uma vítima de Hollywood.
Algumas décadas assistindo a filmes de ação me fizeram crer que o amor pela
liberdade, pela democracia e a rejeição à tirania estavam inscritos no DNA dos
americanos. É claro que nunca comprei essas ideias pelo valor de face.
Acompanhei dezenas de intervenções dos EUA em outros países que não podem ser catalogadas como defesa da democracia. Mesmo as que podem foram muitas vezes marcadas por um escandaloso autointeresse de Washington.
Ainda assim, acho que é difícil negar que os
EUA, em parte pelas preferências de seus cidadãos, foram uma peça-chave na
construção da ordem mundial do pós-Guerra, indubitavelmente mais democrática do
que todas as ordens mundiais que a antecederam. E as preferências dos
americanos são em parte determinadas pela imagem que esse público projeta de si
mesmo, o que tem a ver com Hollywood.
Nesse contexto, devo dizer que me surpreende
a passividade com que os americanos estão aceitando a escalada
autoritária de Trump. Até entendo que as maiorias republicanas na Câmara,
no Senado e na Suprema Corte deem corda para o Agente Laranja, mas como
explicar que universidades, escritórios de advocacia e empresários que até
outro dia se proclamavam paladinos do liberalismo também estejam acedendo a
exigências, às vezes claramente ilegais, do governo Trump?
O pragmatismo pode ser uma resposta. O poder
que a Casa Branca tem de impor custos a seus desafetos é quase infinito. É
sempre mais interessante deixar que os outros façam o combate. Também deve
haver atores imaginando que Trump acaba constitucionalmente em 2029. Melhor
esperar a tormenta passar sem se molhar.
Não digo que esses raciocínios estejam
necessariamente errados, mas não dá para negar que envolvem um certo
risco. Kim
Il Sung foi escolhido como presidente da Coreia do Norte para um
mandato de quatro anos e a ditadura já está na terceira geração. Vamos ver se
os protestos
anti-Trump convocados para este sábado (18) mudam a dinâmica, mas não
estou muito otimista.
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