sábado, 18 de outubro de 2025

Hollywood me enganou, por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Filmes me fizeram acreditar que americanos amavam a liberdade e a democracia e rejeitavam a tirania

Pouca resistência à escalada autoritária de Trump mostra que tal imagem não era real

Sou uma vítima de Hollywood. Algumas décadas assistindo a filmes de ação me fizeram crer que o amor pela liberdade, pela democracia e a rejeição à tirania estavam inscritos no DNA dos americanos. É claro que nunca comprei essas ideias pelo valor de face.

Acompanhei dezenas de intervenções dos EUA em outros países que não podem ser catalogadas como defesa da democracia. Mesmo as que podem foram muitas vezes marcadas por um escandaloso autointeresse de Washington.

Ainda assim, acho que é difícil negar que os EUA, em parte pelas preferências de seus cidadãos, foram uma peça-chave na construção da ordem mundial do pós-Guerra, indubitavelmente mais democrática do que todas as ordens mundiais que a antecederam. E as preferências dos americanos são em parte determinadas pela imagem que esse público projeta de si mesmo, o que tem a ver com Hollywood.

Nesse contexto, devo dizer que me surpreende a passividade com que os americanos estão aceitando a escalada autoritária de Trump. Até entendo que as maiorias republicanas na Câmara, no Senado e na Suprema Corte deem corda para o Agente Laranja, mas como explicar que universidades, escritórios de advocacia e empresários que até outro dia se proclamavam paladinos do liberalismo também estejam acedendo a exigências, às vezes claramente ilegais, do governo Trump?

O pragmatismo pode ser uma resposta. O poder que a Casa Branca tem de impor custos a seus desafetos é quase infinito. É sempre mais interessante deixar que os outros façam o combate. Também deve haver atores imaginando que Trump acaba constitucionalmente em 2029. Melhor esperar a tormenta passar sem se molhar.

Não digo que esses raciocínios estejam necessariamente errados, mas não dá para negar que envolvem um certo risco. Kim Il Sung foi escolhido como presidente da Coreia do Norte para um mandato de quatro anos e a ditadura já está na terceira geração. Vamos ver se os protestos anti-Trump convocados para este sábado (18) mudam a dinâmica, mas não estou muito otimista.

 

 

Nenhum comentário: