- O Globo
Congresso, ONGs, e os próprios cidadãos se manifestam e colocam barreiras contra o que acham inaceitável
A Câmara dos Deputados melhorou a proposta de reforma administrativa do governo. Anulou seu pior defeito que era a divisão da Funai e sua entrega às áreas erradas. Agora volta ao seu lugar original. Reverteu o esvaziamento da Finep. O retorno do Coaf ao Ministério da Economia não chega a ser um erro dos parlamentares. Afinal, por que considerar que com o ministro Paulo Guedes ele não desempenhará seu papel e com o ministro Sérgio Moro sim? É indiferente onde fique desde que tenha independência.
A sociedade se move. Nas democracias, é assim que funciona. O Executivo tem o direito de fazer suas propostas, como essa, de organização administrativa, e o Congresso influencia no resultado final. Às vezes piora, às vezes corrige. O governo faz as propostas de políticas públicas, mas os cidadãos se manifestam contra o que acham inaceitável. A pressão contra o contingenciamento na educação fez reverter uma parte dele. O grande problema continua a ser o setor à deriva, como se comprova a cada ida do ministro ao Congresso.
O desprezo pela questão ambiental e climática é enorme no atual governo, mas em depoimento na Câmara, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse que lutará pelo Código Florestal. E explicou o motivo: “agora que voltei da viagem à Ásia, tive cada vez mais a certeza da necessidade de produzirmos de forma sustentável.” Ela disse que o código é importante para que o seu setor acesse os mercados externos. O mundo gira.
A sociedade se organiza o tempo todo em uma democracia. Está sendo lançado agora o MapBiomas Alerta, uma ferramenta muito mais rápida para registrar o desmatamento em tempo real. Com ele se saberá em que propriedade, ou área protegida, está ocorrendo o desmatamento, se é ilegal ou se é a supressão natural da vegetação que o proprietário pode fazer. É uma plataforma aberta, que poderá ser acessada por um banco que queira ter certeza de quem é o tomador do crédito, ou pelo produtor que quiser provar que está dentro da lei, ou pelos órgãos públicos de fiscalização e controle.
Entrevistei na Globonews o coordenador do MapBiomas Alerta, o engenheiro florestal Tasso Azevedo. Ele conta que eles não têm uma sede física, porque são uma rede de ONGs, universidades, empresas de tecnologias. Reúne especialistas em sensoramento remoto, profissionais da ciência da computação, e gente que entende dos biomas. Ao todo, 120 pesquisadores. Eles atuam em nuvem, com a mesma tecnologia do Waze ou Google Earth.
— A gente é capaz de contar o que acontece em cada pedacinho de 30 a 30 metros no Brasil. São nove bilhões de pedacinhos e a gente conta a história de cada uma dessas partes ao longo das últimas três décadas — explicou Tasso.
Essa é a primeira iniciativa no mundo de fazer o mapeamento de todo um país com informação do que há na terra. No início, o desafio já era grande, o de registrar imagens de todos os biomas brasileiros, não só a Amazônia. Eles achavam que se estudassem o passado — o que levou ao aumento do desmatamento ou o que explica a agropecuária de baixa produtividade — poderiam saber o futuro. Agora decidiram acompanhar o presente. Ele mostra imagens impressionantes do avanço do desmatamento. Em um dos exemplos que mostrou, de São Felix do Araguaia, era possível saber que não só o desmatamento é ilegal como a data em que aconteceu.
O governo tem muitos poderes, mas ele não está só. Várias forças de diversas maneiras pressionam, influenciam, alteram as decisões. No caso dessa específica ferramenta da qual Tasso Azevedo fala, ela terá vários usos. O que está diante de nós é um governo cujo baixo apreço pelo meio ambiente se pode ver nas declarações do ministro do setor, e também na defesa de pôr fim à reserva legal que é feita pelo senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Mas a sociedade é viva.
O ministro Ricardo Salles quer impor mudanças no Conselho Orientador do Fundo Amazônia. Marcou reunião com os embaixadores da Noruega e Alemanha no último dia do prazo para mudar o conselho. Em vez de 23 conselheiros, ele só quer sete. Cinco do governo, um dos estados amazônicos e um da sociedade civil. Isso é o oposto do que foi prometido na campanha. É menos Brasil e mais Brasília. Terá que ter a aprovação dos financiadores e ser aceito pela sociedade que, contudo, se move.
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