- O Estado de S.Paulo
O presidente Jair Bolsonaro deixou escapar mais uma ideia estapafúrdia. Quer arrecadar mais de R$ 1 trilhão, mais do que o ministro Paulo Guedes pretende arrancar com a reforma da Previdência em dez anos, com um esquema que implique reavaliação a mercado do patrimônio declarado no Imposto de Renda.
O capitão ainda procurou mostrar prudência a respeito do assunto, porque pediu que a Receita Federal estudasse o tema “com muito cuidado”. Mas não escondeu o entusiasmo: “Com certeza, será aprovado por unanimidade nas duas Casas do Congresso”...
Embora queira aumentar arrecadação, explica ele com estranha inocência (ou desconhecimento), não se trata de aumento de imposto, apenas de antecipação. Faltam pormenores sobre a proposta. Não se sabe quem teria assoprado essa esquisitice ao presidente. Uma das confusões consiste em pretender que valorização de patrimônio equivalha a aumento de renda e, portanto, constitua fato gerador de imposto.
Nessa toada, o proprietário acabaria por ter de vender seu pedaço de terra de um dia para outro para antecipar o recolhimento de um imposto futuro que, nesse caso, não iria acontecer porque a propriedade teria sido vendida antes de o futuro chegar. E se o imóvel não for vendido, como descontar a antecipação cobrada desse jeito?
Mesmo considerando a viabilidade da proposta e ainda se tratando de um imóvel, que critério usar para definir o valor atualizado de mercado? Será preciso recorrer a avaliadores profissionais? E as dívidas serão atualizáveis e dedutíveis do patrimônio positivo?
Imagine-se agora que se trate de semoventes, bois, cavalos, cabras. Outra vez, que critério de avaliação adotar? O do boi gordo ou o do boi magro? Quem vai fiscalizar a procedência da avaliação transmitida à declaração?
A proposta é alcançar tanto pessoas físicas como empresas. Agora, imagine-se o que seria uma empresa ter de reavaliar seus ativos (incluindo-se aí os intangíveis, como marcas, pontos de venda, etc.) e, uma vez sendo isso possível, em seguida desovar milhares de reais do seu caixa para alimentar a voracidade do Fisco. O impacto sobre o capital de giro e sobre o emprego só poderia ser desastroso. Consequência previsível seria a fuga da indústria ou a desistência de investir no Brasil pelo capital estrangeiro.
O impacto não seria apenas no setor privado, mas também no setor público. É só pensar o que aconteceria com as finanças da Eletrobrás (e com suas usinas hidrelétricas) e da Petrobrás (com suas refinarias, reservatórios, oleodutos e tudo o mais).
Outra ideia velha de guerra, que nada tem a ver com essa maluquice, é instituir um imposto sobre patrimônio, e não nova aplicação do Imposto de Renda. Ainda na condição de senador, Fernando Henrique Cardoso chegou a encaminhar projeto de lei nesse sentido, que não foi adiante por sua inviabilidade técnica e política. Entre outras razões que tornariam esse imposto inviável, uma seria a inevitável debandada de capitais financeiros para onde não existissem garfadas desse tipo.
Talvez ainda mais esquisita do que a formulação da proposta tenha sido a repentina acolhida dos ouvidos presidenciais a essa coisa confusa.
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