- Folha de S. Paulo
Na vida política, quase tudo depende de conexões intrapartidárias
John Berkow acaba de lançar "Unspeakable: the autobiography" (Weidenfeld, 2020). Nenhum "Speaker of the House of Commons" (presidente da Câmara dos Deputados) adquirira tamanha visibilidade: ele é criatura de uma nova política espetacularizada que produz personas exuberantes. São múltiplas as tramas que entrelaçam as instituições e o indivíduo e que são expostas em narrativa viva.
O jovem conservador —judeu e de origem modesta— foi atraído para a política por Thatcher, a quem admirava e abordou após uma palestra. Foi aconselhado que suas chances seriam maiores como quadro de partido se tivesse curso superior. Abandona então o sonho de tenista profissional e submete-se ao processo seletivo do curso de ciência política da Essex University. Ao se deparar com um enorme pôster de Karl Marx no escritório do entrevistador, o teórico marxista Ernesto Laclau, o jovem thatcherista concluiu que suas chances eram nulas. Estava enganado.
Sua militância em um meio universitário de esquerda forjou um quadro pronto para o confronto. A ascensão para a liderança da Associação Nacional de Estudantes Conservadores abriu o caminho para uma carreira política, inicialmente como "councillor" (vereador) e depois como membro do Parlamento.
A transição para a carreira parlamentar é minuciosamente narrada, e o quadro que emerge é ilustrativo de como as instituições políticas moldam os incentivos individuais.
A seleção de candidatos para eleições parlamentares é controlada pelas organizações partidárias: é fortemente centralizada, mas os diretórios locais também importam. Berkow participou de processos seletivos em 27 distritos eleitorais diferentes, na maioria dos quais nunca havia posto os pés. A primeira dessas seleções teve lugar na Escócia, região praticamente desconhecida para ele e que se havia convertido no que chamou de "estado socialista", por sua extrema aversão aos Tories.
Berkow passou da primeira fase em 18 das seleções e chegou à final em 4. Emplacou em Buckingham, após alugar um helicóptero para viabilizar sua participação, numa mesma noite, na votação de seleção também em Surrey Heath, a 120 km de distância. Valeu a pena, afinal era um "safe seat", um distrito onde os conservadores eram historicamente dominantes.
A centralidade do partido nos incentivos com que se deparou é patente: quase tudo depende de conexões intrapartidárias. A seleção centralizada de candidatos reduz problemas da chamada seleção adversa e garante maior coordenação. Em contrapartida, reduz a "accountability" vertical entre representante e representado. Aí está a chave para a crise de representação nas democracias atuais.
*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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