segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

O que a mídia pensa – Editoriais

Responsabilidade ainda que tardia – Editorial | O Estado de S. Paulo

Na contramão do saneamento fiscal que a União e os Estados e municípios mais ajuizados vêm promovendo, a Assembleia de Minas Gerais aprovou um aumento salarial para o funcionalismo de quase 30%. O caso ilustra a necessidade de se implementar garantias constitucionais que imponham disciplina à contabilidade criativa engendrada por governantes locais para repassar a conta de seu populismo aos demais contribuintes do País e às futuras gerações.

Tudo começou com a pressão das corporações policiais. O governador Romeu Zema (Novo) encaminhou à Assembleia um projeto de reajuste de 41,7% apenas para os agentes de segurança. Numa retaliação peculiarmente oportunista, a oposição propôs uma emenda estendendo o aumento a outras categorias, incluindo as mais privilegiadas, como Ministério Público e Judiciário. O impacto no orçamento será de mais de R$ 20 bilhões. Agora, cabe ao governador vetar ou sancionar o reajuste.

Minas é um dos Estados com as finanças mais destroçadas do País. Sua economia está 3,5% abaixo do nível pré-crise, os salários dos servidores estão sendo parcelados e o 13.º está atrasado. No ano passado, o governo reduziu o déficit de R$ 15 bilhões para R$ 8 bilhões, mas agora o rombo deve aumentar para R$ 13 bilhões. O Estado ganhou uma liminar da Suprema Corte para não pagar o serviço da dívida com a União e negocia sua entrada no Regime de Recuperação Fiscal.

Assim como Minas, muitos Estados estão à beira do colapso. Nos anos 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal e vastas renegociações com o Tesouro mitigaram o desequilíbrio crônico dos Estados. Mas logo a política de créditos petista voltou a facilitar o endividamento irresponsável, que cobrou seu preço na recessão. Entre 2014 e 2018, as dívidas dos entes subnacionais subiram na ordem de 0,5% ao ano. Novas operações de socorro foram montadas, mas alguns governos – notadamente os do Rio de Janeiro – têm descumprido, com amplo endosso judicial, as condições negociadas.

Enquanto isso as despesas com o funcionalismo estão descontroladas. Entre 2011 e 2018, os gastos com pessoal nos entes subnacionais cresceram 40%. Atualmente, o déficit total já passa dos R$ 100 bilhões. No ano passado, a União teve de cobrir um calote que somou R$ 8,35 bilhões, quase o dobro de 2018.

Tudo isso evidencia a necessidade de se aprovar reformas de natureza fiscal, em especial as duas medidas emergenciais: a PEC dos gatilhos fiscais e o Plano de Promoção de Equilíbrio Fiscal (PEF). A PEC institui mecanismos de ajuste – como bloqueio de contratações, promoções e reajustes – sempre que as despesas dos Estados superarem 95% das receitas. Já o PEF prevê novas modalidades de socorro aos Estados hiperendividados que não preenchem as condições para pleitear novos financiamentos, desde que se comprometam com medidas de saneamento fiscal. O Plano é bastante maleável, dando aos Estados a possibilidade de selecionar três entre oito medidas mais adaptadas à suas condições. Estas, contudo, são apenas medidas emergenciais, capazes de dar algum fôlego aos Estados, mas não de arrancar pela raiz o problema: o crescimento descontrolado da folha de pessoal, especialmente o inativo.

Em Brasília, entre as resistências corporativas, as pautas heteróclitas dos parlamentares e a desarticulação crônica do governo, os projetos emergenciais estão encalhados, enquanto a reforma administrativa se desidrata antes mesmo de ser oficializada. Muitos Estados, por sua vez, relutam em aderir à reforma da Previdência e fazem ouvidos moucos à reestruturação do funcionalismo. É hora de governantes e governados decidirem se querem manter um pássaro na mão ou saltar sobre o abismo para apanhar dois voando, como fez Minas Gerais. Os últimos têm todo direito ao bônus de sua aventura. Mas cabe a União garantir que o ônus não seja repassado aos que preferirem manter os pés no chão áspero, mas firme, da realidade.

As greves de 2019 – Editorial | O Estado de S. Paulo

Promovido pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o balanço das greves deflagradas tanto no serviço público como na iniciativa privada em 2019 revela que elas caíram 23% em relação ao ano anterior. Também mostra que, depois de um crescimento constante entre 2009 e 2016, o número de paralisações diminuiu significativamente nos últimos três anos.

Foram 1.118 greves em 2019, ante 1.461 em 2018. Segundo o Dieese, essa queda ocorreu basicamente no primeiro semestre do ano passado, quando foram registradas 577 paralisias, contra 901 deflagradas no primeiro semestre de 2018. Foi o período com menos greves desde o primeiro semestre de 2012, quando 488 categorias cruzaram os braços para reivindicar melhoria das condições de trabalho, além de aumento salarial. Os números do Dieese também apontam uma importante inversão: em 2019, foram realizadas 566 greves no setor público, várias contra as reformas previdenciária e administrativa, ante 792 paralisações no ano anterior – uma queda de 29%. Já na iniciativa privada foram 548 greves em 2019 – uma redução de 17% em relação a 2018.

Uma parte dessas greves foi deflagrada por rodoviários do transporte coletivo urbano e técnicos e auxiliares de enfermagem. Outra foi protagonizada por trabalhadores terceirizados dos setores de limpeza, varrição, coleta de lixo e serviços gerais. As greves dessas categorias ocorreram, basicamente, por motivos de atraso do pagamento e descumprimento da legislação, como o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.

Vários foram os fatores responsáveis por essas mudanças. Um deles foi o agravamento da situação do emprego em 2019. Evidentemente, num cenário em que há 28,5 milhões de pessoas subutilizadas e a informalidade cresce assustadoramente, os empregados com carteira assinada pensam duas vezes antes de fazer greve. Para eles, a prioridade é manter o emprego e o salário, mesmo que este não seja reajustado. Outro fator foi a queda da inflação, o que levou várias corporações a se conscientizar de que os ganhos que se podiam obter por meio da paralisia do trabalho não compensavam os custos político, financeiro e jurídico de uma greve. O terceiro fator foi o fato de que as ameaças de greve e as paralisias efetivamente ocorridas no setor público se concentraram na categoria dos professores municipais de municípios pequenos, que contam com sindicatos fracos, que precisam de repasses financeiros de federações e centrais sindicais.

Como essas entidades tiveram de ajustar seus orçamentos para se adaptar à reforma trabalhista de 2017, que suprimiu parte de suas principais fontes de financiamento, o volume de recursos que repassavam para os pequenos sindicatos foi reduzido drasticamente. Além disso, segundo os especialistas, pesou na mobilização política do funcionalismo público a crise financeira da União, dos Estados e dos municípios, muitos dos quais enfrentaram enormes dificuldades para depositar os salários em dia.

Por isso, dois terços das greves deflagradas em 2019 foram de natureza defensiva, afirma João Guilherme Vargas Neto, consultor sindical e membro do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Ou seja, não foram paralisias por aumentos salariais, mas, sim, contra o descumprimento de direitos – como atraso no pagamento de vencimentos, férias, 13.° salário – e manutenção das condições vigentes de trabalho.

Segundo os técnicos do Dieese, é difícil saber se a sequência de quedas no número de paralisações será mantida em 2020. Em menos de dois meses, já foram contabilizadas 74 greves – cinco a mais do que no mesmo período em 2018. No setor público, muitas dessas greves são políticas, como a dos funcionários da Petrobrás. No setor privado, as estimativas são de que os trabalhadores empregados estarão mais preocupados em manter emprego e salário do que em cruzar os braços.

O começo do fim? – Editorial | O Estado de S. Paulo

A Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) anunciou no último dia 11 que, contrariamente às expectativas, no ano passado as emissões de dióxido de carbono relacionadas à energia pararam de crescer. É cedo para dizer, mas este pode vir a ser um ponto de inflexão histórico.

As emissões na Ásia cresceram, mas as reduções nas economias desenvolvidas as compensaram. Os EUA tiveram o seu maior declínio histórico, de 2,9%. Na Europa, ele foi de 5% e no Japão, de 4%. Isso se deve sobretudo à queda de emissões da geração de eletricidade, com a expansão de fontes renováveis como a eólica e a solar, às substituições de carvão por gás natural e à maior geração de energia nuclear.

Um dia após o anúncio, a IEA reuniu os ministros das nações responsáveis por hospedar a Conferência do Clima da ONU (COP), com embaixadores de 50 países, executivos da indústria e representantes de organizações financeiras e internacionais.

A indústria energética responde por mais de 70% do carbono lançado na atmosfera. “Se não solucionarmos o desafio do setor de energia, não temos chance de solucionar o desafio do clima”, apontou o diretor da IEA, Fatih Birol. “O debate sobre as mudanças climáticas é algumas vezes muito inflamado e há muita tensão entre a comunidade da energia e a comunidade ambiental”, disse Birol. “Acreditamos que ele precisa ser conduzido de cabeça fria. Isso pede uma grande coalizão que reúna todas as partes interessadas que têm um compromisso genuíno com a redução de emissões – governos, indústria, instituições financeiras, organizações internacionais e da sociedade civil”.

O ministro de energia da Polônia, Michal Kurtyka, responsável pela COP em 2018, destacou três pontos para uma redução sustentável: credibilidade, justiça e subsidiariedade. A pobreza energética está decrescendo, mas ainda afeta 800 milhões de pessoas, sobretudo na África. “Que mensagem podemos dar a eles?”, questionou Kurtyka. “Temos o direito de exigir que parem suas emissões, não produzam mais eletricidade ou devemos ajudá-los a desenvolver um sistema e garantir-lhes alguma flexibilidade?” Além disso, na transição para a neutralidade do carbono, cada vez mais grupos (transporte, indústria, agricultura, etc.) questionarão quem arcará com os custos antes que surjam os benefícios. Por fim, para uma transição bem-sucedida, caberá à administração pública hierarquizar segundo critérios técnicos os subsídios para a inovação. Além disso, “mais do que impor soluções”, ela deve abrir espaços para que os negócios privados tragam soluções.

O ministro do Reino Unido, Kwasi Kwarteng, destacou as imensas oportunidades na economia de baixo carbono. Por outro lado, a representante do Quênia, Judi Wakhungu, apontou a frustração com a irresolução da COP 25, especialmente em relação à regulação dos créditos de carbono, e lembrou aos organizadores da próxima COP na Escócia que o Acordo de Paris só foi conquistado devido aos intensos trabalhos de articulação prévia por parte do governo francês.

Esta mescla de entusiasmo e cautela que caracterizou o debate se mostra adequada, considerando que não é a primeira vez que as emissões de carbono parecem ter atingido o seu auge. Entre 2013 e 2016 elas ficaram em torno de 32,2 bilhões de toneladas, antes de aumentarem de novo em 2017 até se estabilizarem nos atuais 33,3 bilhões. Mas além das razões endógenas à indústria energética, essa estabilização pode ter sido causada por fatores exógenos e circunstanciais, como a desaceleração econômica e a redução do uso do carvão devido a um clima mais ameno que o habitual.

Ainda assim, é válido celebrar a boa notícia. Como disse o diretor da IEA: “Queremos que 2019 seja lembrado como o ano do pico das emissões globais e 2020 como a década do declínio”. Justamente por esse motivo, contudo, a celebração deve servir não para relaxar esforços, mas, ao contrário, para redobrá-los.

Mandatos para o BC – Editorial | Folha de S. Paulo

Projeto que dá autonomia ao órgão pode tornar controle da inflação menos custoso

Após décadas de discussão e algumas tentativas frustradas, parece provável que o Congresso em breve aprove uma lei destinada a conferir autonomia operacional ao Banco Central. O objetivo, correto, é proteger a autarquia de ingerências de cunho político e, assim, reforçar sua credibilidade na busca do controle da inflação.

Esse aperfeiçoamento institucional, que não deve ser tomado como panaceia, tornou-se possível a partir do aprendizado acumulado ao longo de 21 anos com o regime de metas para a variação dos preços —que fixa balizas razoavelmente transparentes e compreensíveis para a política de juros do BC.

Desde o Plano Real, além disso, vem se desenvolvendo no país o entendimento de que a estabilidade monetária é condição necessária para o avanço social.

O projeto de lei complementar aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado estabelece o controle da inflação como objetivo principal do BC.

De forma subsidiária, sem prejuízo da tarefa principal, a autoridade monetária também deve operar no sentido de suavizar o ciclo econômico —agir contra recessões e superaquecimentos insustentáveis da atividade— e zelar pela solidez do sistema financeiro.

Faz sentido explicitar em lei a necessária preocupação com a saúde da economia, que já ocorre na prática. Contribui-se, dessa forma, para a aceitação política do projeto e contornam-se demandas irrealistas por metas de crescimento do Produto Interno Bruto.

O BC pode contemplar o cuidado com a atividade por meio das margens de tolerância ao redor das metas de inflação. Assim se acomodam eventuais choques de preços, como os de alimentos, o impacto de eventos que interrompam a oferta de bens e serviços, como a greve dos caminhoneiros de 2018, ou desvalorizações abruptas do real.

Se a meta para o IPCA fosse inflexível, os juros teriam de subir em demasia nesses momentos. Em vez disso, a política monetária se limita a combater os chamados efeitos secundários, ou seja, os possíveis contágios em outros produtos e contratos, que podem levar à alta permanente da inflação.

O projeto também confere mandatos para a diretoria, não coincidentes com o do presidente da República, afastando a instituição do ciclo eleitoral. A demissão de qualquer diretor dependeria de recomendação do Conselho Monetário Nacional, aprovada por maioria absoluta do Senado.

Cumpre, agora, harmonizar o texto com outro, mais extenso, que tramita na Câmara dos Deputados, para uma tramitação célere. A disputa de protagonismo entre as duas Casas legislativas tem sido por vezes contraproducente, atrasando avanços importantes.

O país está maduro para dar esse passo institucional. Por certo a maior credibilidade reduz o custo de operação do regime de metas, mas o crescimento econômico depende de muito mais, a começar por prudência na gestão das contas públicas e por reformas que levem ao aumento da produtividade.


Direito à morte – Editorial | Folha de S. Paulo

Parlamento de Portugal aprova a legalização da eutanásia, discussão que deveria chegar ao Brasil

O Parlamento português aprovou na semana passada a legalização da eutanásia. Com isso, a nação europeia se une a uma lista pequena, mas crescente, de países que autorizam tal procedimento.

Hoje, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Colômbia e Canadá permitem a eutanásia ativa, quando alguém auxilia outro a morrer.

Esses países também permitem a prática do suicídio assistido, assim como a Suíça e alguns estados norte-americanos, entre outros. Nesta modalidade, um profissional de saúde ajuda outra pessoa a encerrar a vida, mas a ação para que isso aconteça é de responsabilidade de quem deseja se matar.

Ainda há detalhes a serem discutidos na legislação lusa. Em outros países, as regras para a eutanásia variam: em alguns deles, menores de idade não têm acesso ao procedimento, por exemplo.

A lei ainda poderá ser vetada pelo presidente do país, Marcelo Rebelo de Sousa. Ele é um católico praticante, e a igreja de Roma se opõe a qualquer forma de interrupção não natural da vida.

Influente em Portugal, a instituição vem pressionando pela realização de um referendo sobre o tema.

O exemplo português deveria chegar ao Brasil. A liberação da eutanásia representa um avanço acerca da forma com que são tratados pacientes em sofrimento, com doenças terminais ou degenerativas.

Hoje, quem promover uma eutanásia ou um suicídio assistido incorre em crime. Do ponto de vista ético, contudo, conselhos de medicina brasileiros consideram que tratamentos que prolongam a vida de pacientes terminais incuráveis podem ser interrompidos, se assim eles ou suas famílias desejarem.

Alguns optam por cuidados paliativos, outros preferem que sejam realizadas manobras para manter a vida até quando for possível.

São decisões de foro íntimo e que necessitam de apoio qualificado. Sem respostas padronizadas, elas dependem do estado do paciente e da doença, entre outros fatores.

A legislação deveria ampliar o leque de opções àqueles em tal situação, resguardando antes de tudo o direito à dignidade e à autonomia.

Cidades precisam refazer calçadas e proteger pedestres – Editorial | O Globo

Avaliação em passeios de 835 ruas de 27 capitais mostra que nenhum obteve padrão mínimo de qualidade

É do poder público a responsabilidade de mudar, adaptar e zelar por uma estrutura acessível à mobilidade das pessoas nas cidades.

Candidatos às prefeituras e às Câmaras Municipais nas eleições de outubro deveriam estar atentos à Lei de Inclusão, que obriga revisão e modernização dos espaços reservados a pedestres, com ou sem deficiência. Por essa lei (13.146/2015), gestores públicos se tornam passíveis de punições por crime de responsabilidade, com perda de mandato.

Esgotou-se a era do predomínio dos veículos na arquitetura urbana. Com o acelerado processo de envelhecimento populacional (14% têm mais de 60 anos), o espaço reservado à circulação dos pedestres, com segurança, se tornou fator determinante de qualidade de vida nas cidades.

Uma avaliação das calçadas em 835 ruas e avenidas de 27 capitais, realizada pelo movimento Mobilize Brasil, em 2019, mostra que o maior desafio das prefeituras está na mobilidade dos pedestres devido à sofrível qualidade das calçadas das cidades.

A análise foi feita com base em parâmetros universais, como regularidade do piso, largura total e da faixa livre à circulação, obstáculos, rampas de acessibilidade, sinalização para pedestres e segurança. Resultado: numa escala de 0 a 10, onde o mínimo aceitável é 8, a média das capitais ficou em 5,7. Nenhuma alcançou um padrão admissível de qualidade. Todos os 835 locais avaliados estão sob responsabilidade direta dos governos municipal, estadual e federal, com escolas, hospitais, creches, mercados e terminais de transporte.

Os problemas se repetem. Há ocupação indevida, concessionárias de comunicações, energia e saneamento que abrem buracos, não reconstroem ou mal refazem o piso. Rio e São Paulo convivem com um excesso de postes no meio das calçadas. Não há manutenção da iluminação, das faixas e, quase sempre, falta continuidade no trajeto.

São Paulo obteve a melhor avaliação (6,9), o Rio ficou abaixo (6,3) e Belém aparece na pior situação (4,52). Isso mostra a dimensão do problema, pois em 41% das calçadas paulistanas os pedestres são obrigados a se equilibrar, porque o espaço reservado até o meio-fio não alcança 1m90cm de largura, mínimo estabelecido na legislação local. A insegurança nas cidades se reflete no alto número de mortes por atropelamento (6,4 mil por ano) e invalidez permanente (78 mil/ano), com custo de cerca de R$ 5,4 bilhões.

Câmara e Senado têm discutido os problemas de acessibilidade e de segurança para pedestres, com ou sem deficiência. Dos 5.570 municípios, 3.342 estão obrigados pela legislação a ter um plano de mobilidade urbana. No entanto, apenas 175 prefeituras (5,2%) obedecem à lei e possuem esse tipo de planejamento urbanístico.

Eleitores podem e devem cobrar mudanças dos atuais gestores e dos candidatos às prefeituras e às Câmaras Municipais. É uma questão de qualidade de vida.

Pacto chileno é viável, mas depende da recuperação da ordem pública – Editorial | O Globo

Há chances reais de um novo entendimento nacional que pacifique a sociedade

O Chile amarga a conta de uma crise autoinfligida. O país ainda não recuperou totalmente o controle da ordem pública perdido nas violentas manifestações de rua em outubro, com incêndios de prédios públicos e saques ao comércio nas principais cidades.

A atuação descontrolada da polícia só agravou a situação nesses quatro meses. A reação extremada dos Carabineros aos protestos já tem como saldo 331 pessoas feridas nos olhos por armas, entre elas 21 que perderam completamente a visão. Sem mudança nos métodos da força policial, naturalmente, não haverá uma segura pacificação do país.

Esse é um elemento-chave ao futuro do Chile. O caminho da reconstrução foi traçado num acordo constitucional subscrito por quase todas as forças políticas – só ficou de fora uma ala do Partido Comunista.

Convocou-se, para abril, um plebiscito para que os chilenos digam se desejam ou não uma nova Constituição. Caso pretendam substituir a Carta legada pelo ditador Augusto Pinochet há 39 anos, devem indicar se querem uma Constituinte exclusivamente eleita para isso, ou se preferem que seja mista, com metade integrada pelos atuais parlamentares.

O calendário do novo pacto político chileno prevê que, uma vez aceita uma nova Constituição e definida a Constituinte, o futuro texto constitucional, quando pronto, seja submetido a referendo popular.

Essa rota para construção de uma nova estabilidade tende a se consolidar, sugerem as mais recentes pesquisas de opinião pública. Há vozes discordantes, claro, e nisso percebe-se plena harmonia entre agrupamentos opostos e minoritários, à esquerda e à direita. Manobram pela vitória do “não”, no plebiscito de abril. Suas chances, aparentemente, são escassas e já seria um êxito se conseguissem um terço dos votos.

A nova estabilidade tem chances reais de acontecer, via pacto político, também porque nesses quatro meses de aguda crise cuidou-se da sinalização de um acordo nacional sobre uma reestruturação do sistema tributário e da limitação ao aumento das despesas públicas. Isso deixou o Chile à margem de uma recessão, embora a queda na atividade econômica tenha sido expressiva (o crescimento previsto em 2,5% caiu para menos de 1% do PIB), com redução do investimento externo.

No melhor cenário, os chilenos passarão o próximo triênio pagando a conta dessa crise autoinfligida. Nesse desenho de um novo pacto, a peça-chave do equilíbrio político está na garantia de restauração da ordem pública, nos parâmetros de uma moderna democracia.

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