- O Globo
Casos de coronavírus na Itália e na Coreia do Sul derrubam as bolsas e aumentam risco de desaceleração da economia mundial
O mercado financeiro global vai entendendo por espasmos o impacto da crise do coronavírus na economia, o que deveria estar claro desde o início, porque a China é o país mais inserido na globalização. Segunda-feira de carnaval foi um destes dias de compreensão do grau de risco em que todos os países estão. No mar das quedas abruptas de ontem, as cotações de produtos que exportamos e as ações de empresas brasileiras foram afetadas. Desta vez, o susto veio da Itália, com cidades isoladas e o carnaval de Veneza suspenso, e do aumento de casos na Coreia do Sul e no Irã.
A China é o hub global. O mundo quase todo importa de lá ou vende para o país. Ela produz milhões de peças para todo o tipo de indústria, eletrônica, digital. O Japão não produz sem a China. A Coreia do Sul proclamou alerta máximo e pôs sete mil soldados em quarentena. Diante dos 43 casos no Irã, com 12 mortes, Turquia, Jordânia, Paquistão e Afeganistão fecharam as fronteiras ou restringiram as viagens com destino ou origem no país. O turismo, a indústria de aviação, a farmacêutica, tudo depende da potência asiática, é o que alertam observadores que acompanham de forma mais atenta a economia chinesa.
A Itália atingida, com 10 cidades isoladas, coloca em questão a política das fronteiras abertas na qual a Europa se assenta. Investidores ontem alertavam sobre a proximidade da região com a zona industrial alemã. O país faz parte de um continente que dissolveu as fronteiras. Bruxelas está emitindo sinais de que é preciso agir, mas evitar o pânico. Produtos que são importantes para a exportação brasileira, como minério de ferro, caíram e derrubaram as ações de grandes mineradoras internacionais. BHP, Rio Tinto e Vale caíram 7% nos mercados internacionais.
Bancos brasileiros caíram 5%. Petrobras, 6%. Tudo isso lá fora, já que a bolsa brasileira só reabre na próxima quarta. A segunda-feira começou mostrando que enquanto nos países mais devotos da folia a população se diverte, o mundo vivia um momento de queda nos preços dos ativos. O mercado de ações no mundo todo despencou, e os investidores correram para as proteções de sempre, o ouro e os títulos do Tesouro americano. A Ásia teve queda forte e foi seguida pela Europa, enquanto o futuro do S&P já apontou que seguiria a mesma tendência. Assim começou a segunda-feira. Ao fim do dia, ficou claro que a parada do Mardi-gras seria muito bem-vinda para que todos pudessem tentar refletir sobre a real dimensão dos acontecimentos.
Aqui neste espaço, alerta-se desde o começo que este é um evento sem precedentes, porque na última pandemia, a do Sars, o mundo era menos conectado e a China era menos importante para as cadeias globais de suprimento. Então, estamos no terreno das incertezas no qual a volatilidade é a regra.
O mercado financeiro oscila entre dois polos. Ou subestima os riscos ou tem picos de pânico. Quando o mais racional seria ter análises mais profundas sobre o grau de conexão entre as cadeias globais de produção.
Na China, há algumas boas notícias. A província de Guangdong, cuja capital Guangzhou fica a uns 500 quilômetros do centro da crise, baixou o nível de gravidade. A partir desta segunda-feira puderam ser abertos restaurantes, bares, fast foods. As escolas, inclusive as estrangeiras, voltaram a funcionar no dia 16.
Apesar das muitas críticas feitas ao governo chinês, diplomatas que vivem lá dentro do país reportam que é impressionante a rapidez com que a sociedade respondeu ao problema. No começo, e instantaneamente, todos os locais públicos, hotéis, shoppings, estações de metrô passaram a ter sempre pessoas medindo a temperatura de todo mundo. Uma semana depois, os termômetros foram substituídos por câmeras infravermelhas capazes de identificar, em uma multidão, quem tem temperatura acima de 37,3 graus. Agora, todo cidadão tem um código e a cada lugar que entra, shopping, metrô, ônibus tem que registrar o seu código. Se por acaso ele aparecer com sintomas, será possível rapidamente refazer seus passos. A tecnologia na qual a China investiu para ser vencedora no mundo globalizado e digital, e para controlar sua vasta população num regime autoritário, está sendo usada, desta vez, para criar a cordão de proteção sanitária.
Ainda não está claro o quanto o mundo será atingido, mas qualquer avaliação que subestime os riscos não é aconselhável. O fato é que o mundo ainda não sabe. E esse é o terreno mais pantanoso para a economia.
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