- Folha de S. Paulo
Policiais estão sendo assediados de todos os lados
Um dos mais perigosos sinais da deterioração das instituições é a politização das polícias. Forças políticas estão doutrinando e disputando a lealdade das polícias para utilizá-las como salvaguarda do poder, ameaçando, no limite, a rotatividade conferida por mecanismos eleitorais. A história dos nossos vizinhos sul-americanos deveria servir de alerta.
Na Venezuela, o controle político dos militares e das forças policiais e a constituição de uma retaguarda civil armada não apenas deram respaldo à progressiva ingerência do Executivo sobre o Judiciário, o Legislativo e a imprensa como impediram a tomada do poder por forças adversárias —de um lado, garantiram o crescente autoritarismo do regime bolivariano, e, de outro, impediram um novo golpe como o que havia acontecido em 2002.
Na Bolívia, uma polícia politizada se aliou à revolta popular contra Evo Morales e garantiu que a insurreição desse posse a um governo de transição de extrema direita que perseguiu os apoiadores do regime anterior e talvez não entregue o poder para o MAS caso ganhe as próximas eleições. Evo, por seu lado, demonstrou arrependimento por não ter seguido os passos de Chávez e armado os movimentos civis que eram seus aliados.
Aqui no Brasil, policiais estão sendo assediados de todos os lados.
Bolsonaro professa uma ideologia abertamente punitivista e a combinou com uma postura corporativista pró-polícia que quer reduzir o controle pelas corregedorias e pela Justiça e conceder reajustes salariais extraordinários, além de conferir privilégios como aposentadorias especiais. Isso tem servido de base para uma ativa cooptação de policiais para seu projeto político.
Já a Igreja Universal, que controla o PRB, criou um programa de orientação espiritual para policiais que alegadamente alcançou 980 mil pessoas, entre agentes e familiares.
O principal intelectual do bolsonarismo, Olavo de Carvalho, também tenta ampliar sua ascendência sobre a Polícia Militar com um programa de bolsas gratuitas para seu infame curso online de filosofia.
Até mesmo a esquerda brasileira, que já teve penetração em associações de praças, tenta agora uma politização menos disfarçada com a formação do movimento de policiais antifascismo.
Essa disputa tem uma dimensão mais ou menos legítima, que é a expressão de diferentes concepções sobre a política de segurança pública; mas, em momentos de profunda crise política e diante da experiência internacional na região, seria ingênuo não vê-la também como uma iminente ameaça à democracia.
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.
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