- Folha de S. Paulo
Em 1984, profissionais da imprensa se arriscaram em nome do exercício digno da profissão
Era janeiro de 1984, ainda vivíamos sob ditadura e o presidente era João Figueiredo, que preferia o cheiro de cavalos ao do povo. O general estava aborrecido com os fotógrafos que cobriam o Palácio do Planalto porque os jornais noticiaram uma cena constrangedora entre ele e o então deputado Paulo Maluf, ocorrida no gabinete presidencial.
Naquela época, repórteres de texto não eram autorizados a entrar no gabinete. Os fotógrafos, então, relataram o que presenciaram aos seus colegas. E foi assim que o presidente e seus aspones perceberam que os fotógrafos tinham ouvidos e boca, além de olhos bem atentos.
Em represália, os fotógrafos foram proibidos de entrar no gabinete. E o Planalto passou a distribuir às Redações as fotos feitas apenas pelo fotógrafo oficial. O material chapa-branca era deixado nos escaninhos que os jornais tinham na sala de imprensa. Os fotógrafos passaram a rasgar as fotos.
Mas eles queriam um protesto de maior impacto e que desse um recado claro ao ditador de que não aceitariam restrições ao seu trabalho. Combinaram, então, que depositariam câmeras e equipamentos no chão quando o general descesse a rampa do palácio.
A única foto conhecida desse protesto —corajoso e inteligente— mostra os profissionais de braços cruzados enquanto o presidente passa por eles com sua carranca habitual.
O documentário “A Culpa É da Foto”, disponível no YouTube, reconstitui o episódio em todos os detalhes. Sobressai no filme a postura altiva dos profissionais que se arriscaram em nome do exercício digno da profissão —e foram readmitidos no gabinete presidencial. Não custa lembrar: Figueiredo era o presidente do “prendo e arrebento”.
Hoje, temos um presidente que se compraz em distribuir bananas e todo tipo de ataque sórdido contra jornalistas que ousam desagradá-lo. Que a rebeldia de 36 anos atrás nos sirva de inspiração.
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