Apego
a ideias arcaicas impede que o país volte a ter relevância internacional nas
questões ambientais
A
vitória de Joe
Biden abre uma fresta de esperança de que se possa evitar a
catástrofe climática provocada pelo aquecimento do planeta. O esperado retorno
dos EUA ao Acordo de Paris, a disposição da União Europeia a abraçar uma agenda
de recuperação econômica verde e o compromisso unilateral da China com a
descarbonização total até 2060 dão margem a moderado otimismo.
Nesse
quadro, o Brasil poderia voltar a ser um ator internacional relevante, numa das
poucas arenas nas quais tem trunfos consideráveis. Para tanto, porém, o governo
teria de abandonar a sua tola atitude negacionista, munindo-se de ânimo e
aptidão para conter o desmatamento, a fim de proteger a Amazônia e sua
biodiversidade —o cerne de nossa questão ambiental.
Apesar
da limitada capacidade estatal de fazer cumprir as regras existentes, o país
tem um bom marco legal e bons instrumentos de monitoramento —ainda que
deliberadamente debilitados pela dupla Bolsonaro-Salles. Obstáculo tão ou mais
importante é a concepção de soberania nacional que enquadra o pensamento dos
militares no governo em relação ao meio ambiente.
Há
pouco, o Conselho
Nacional da Amazônia Legal, presidido pelo vice, Hamilton Mourão, ao
lado de uma agenda de temas relevantes —combate aos ilícitos ambientais e
estímulo à inovação e à bioeconomia—, debateu um documento revelador. O texto
fala da gula das grandes potências e organizações internacionais pelo estoque
de recursos hídricos do país e o suposto conluio entre entidades ambientalistas
e governos europeus. No mesmo tom, durante a reunião se propôs o controle das
ações das ONGs presentes na região, em nome do interesse nacional.
A
fantasia de que toda pressão externa visa o acesso a nossos recursos
estratégicos e que organizações não governamentais —ou mesmo populações
indígenas— estão prontas a servir à ganância estrangeira cria uma linha de
defesa contra inimigos imaginários e tolhe a capacidade de mobilização
necessária para uma ação eficaz.
Há
no Brasil forças valiosas —na opinião pública, na sociedade organizada, no
empresariado e nos governos subnacionais— capazes de dar lastro a iniciativas
comprometidas com a sustentabilidade, o que transformaria cobranças em apoio
externo concreto. Mas, sem aposentar ideias arcaicas, fortalecer os meios de
monitoramento e controle, incorporar a experiência das comunidades locais e das
organizações ambientalistas enraizadas há décadas na região, e ainda sem
recursos internacionais, as vistosas operações militares e os pronunciamentos
do vice-presidente serão apenas jogo de cena, em prejuízo do país.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap
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