quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Entrevista | ‘A pandemia custou eleitores a Bolsonaro’, diz cientista político da FGV

Carlos Pereira conduz, desde março, pesquisa que identifica uma transição de pensamento entre os brasileiros

João Paulo Saconi | O Globo

Há nove meses, desde que a Covid-19 se transformou em uma tragédia diária na vida dos brasileiros, o cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getulio Vargas (FGV), tem conduzido uma pesquisa acadêmica para observar como eleitores de diferentes espectros políticos pensam a respeito de temas políticos e sociais. Com mais de 20 mil respostas colhidas até agora, o estudo ainda está em curso e, conforme publicou a coluna do jornalista Merval Pereira, os resultados indicam que a pandemia foi uma “bomba atômica” para a polarização ideológica que guiou o país nos últimos anos. Os motivos foram abordados na entrevista abaixo.

A pandemia transformou o pensamento do brasileiro?

Sim. Um dos nossos principais achados, em três rodadas de perguntas ao longo do ano, foi o rompimento com o presidente de pessoas que, mesmo sem serem próximas à base dele, optaram por não votar no PT em 2018. A pandemia custou eleitores a Bolsonaro, por causa da forma como ele a tratou. É o que o estudo sugere, ainda que 2022 esteja longe e o cenário possa mudar.

Qual foi o peso da Covid-19 nesse processo que o senhor descreve?

Esses eleitores se afastaram à medida em que estavam próximos de pessoas contaminadas, familiares ou amigos em casos graves ou fatais. Eles se tornaram mais favoráveis ao isolamento social e mais críticos a Bolsonaro, além de passarem a se importar menos com os riscos econômicos do momento, independentemente de sua renda. O presidente manteve seus eleitores que chamamos de “identitários”, que se nutrem do conservadorismo e dos valores a ele associados.

Qual o destino desses eleitores?

Identificamos que eles migraram para o centro, em busca de moderação. A pandemia foi uma bomba atômica para a polarização que, antes, equilibrava o bolsonarismo e o petismo em polos opostos. Diante do risco de vida da Covid-19, as pessoas se tornaram dispostas a saídas menos radicais. Estão querendo previsibilidade e conforto em vez de surpresas.

Essa tendência interfere na eleição municipal?

Sim. Por isso é possível notar que candidatos apoiados por Bolsonaro e Lula estão pessimamente posicionados nas pesquisas. A polarização não acabou, mas perdeu a competitividade.

Bolsonaro assumiu um tom moderado ultimamente. Qual o efeito desse processo?

No caso do presidente, o tom moderado ajuda na governabilidade, mas não em ganhos eleitorais. A base orgânica dele precisa ser alimentada com o racialismo e, até aqui, não estava participando do processo eleitoral. Talvez o acirramento das falas de anteontem, sobre a vacina, possa cumprir esse papel de aglutinação em torno dos candidatos que ele apoia.

A vacinação pode ser utilizada para alimentar a polarização?

Sim. As pessoas estão cansadas do isolamento social, que foi motivo de discussões em outro momento. O debate em torno da obrigatoriedade das vacinas e dos países onde estão sendo desenvolvidas pode nutrir a polarização. É preciso observar se o presidente manterá suas posições.

Os últimos dias foram marcados por comparações com a eleição americana. Há semelhanças com o Brasil?

Guardadas as devidas proporções e diferenças, existem muitas similaridades nas formas de governar de Donald Trump e Bolsonaro. Joe Biden talvez tenha sido o melhor representante de um governo sem surpresas, desejado por causa da pandemia. Isso pode acontecer no Brasil, embora ainda seja cedo para cravar nomes. O centro pode se tornar uma alternativa crível.

Bolsonaro conseguiria reconquistar os eleitores perdidos? De que maneira?

Depende do oponente. As pessoas que migraram da direita para o centro nos dizem que só votam em Bolsonaro novamente se o adversário dele for da esquerda mais uma vez.

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