João
Paulo Saconi | O Globo
Há
nove meses, desde que a Covid-19 se transformou em uma tragédia diária na vida
dos brasileiros, o cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getulio
Vargas (FGV), tem conduzido uma pesquisa acadêmica para observar como eleitores
de diferentes espectros políticos pensam a respeito de temas políticos e
sociais. Com mais de 20 mil respostas colhidas até agora, o estudo ainda está
em curso e, conforme publicou a coluna do jornalista Merval Pereira, os
resultados indicam que a pandemia foi
uma “bomba atômica” para a polarização ideológica que guiou o
país nos últimos anos. Os motivos foram abordados na entrevista abaixo.
A
pandemia transformou o pensamento do brasileiro?
Sim.
Um dos nossos principais achados, em três rodadas de perguntas ao longo do ano,
foi o rompimento com o presidente de pessoas que, mesmo sem serem próximas à
base dele, optaram por não votar no PT em 2018. A pandemia custou eleitores a
Bolsonaro, por causa da forma como ele a tratou. É o que o estudo sugere, ainda
que 2022 esteja longe e o cenário possa mudar.
Qual
foi o peso da Covid-19 nesse processo que o senhor descreve?
Esses
eleitores se afastaram à medida em que estavam próximos de pessoas
contaminadas, familiares ou amigos em casos graves ou fatais. Eles se tornaram
mais favoráveis ao isolamento social e mais críticos a Bolsonaro, além de
passarem a se importar menos com os riscos econômicos do momento,
independentemente de sua renda. O presidente manteve seus eleitores que
chamamos de “identitários”, que se nutrem do conservadorismo e dos valores a
ele associados.
Qual
o destino desses eleitores?
Identificamos
que eles migraram para o centro, em busca de moderação. A pandemia foi uma
bomba atômica para a polarização que, antes, equilibrava o bolsonarismo e o
petismo em polos opostos. Diante do risco de vida da Covid-19, as pessoas se
tornaram dispostas a saídas menos radicais. Estão querendo previsibilidade e
conforto em vez de surpresas.
Essa
tendência interfere na eleição municipal?
Sim.
Por isso é possível notar que candidatos apoiados por Bolsonaro e Lula estão
pessimamente posicionados nas pesquisas. A polarização não acabou, mas perdeu a
competitividade.
Bolsonaro
assumiu um tom moderado ultimamente. Qual o efeito desse processo?
No
caso do presidente, o tom moderado ajuda na governabilidade, mas não em ganhos
eleitorais. A base orgânica dele precisa ser alimentada com o racialismo e, até
aqui, não estava participando do processo eleitoral. Talvez o acirramento das
falas de anteontem, sobre a vacina, possa cumprir esse papel de aglutinação em
torno dos candidatos que ele apoia.
A
vacinação pode ser utilizada para alimentar a polarização?
Sim.
As pessoas estão cansadas do isolamento social, que foi motivo de discussões em
outro momento. O debate em torno da obrigatoriedade das vacinas e dos países
onde estão sendo desenvolvidas pode nutrir a polarização. É preciso observar se
o presidente manterá suas posições.
Os
últimos dias foram marcados por comparações com a eleição americana. Há
semelhanças com o Brasil?
Guardadas
as devidas proporções e diferenças, existem muitas similaridades nas formas de
governar de Donald Trump e Bolsonaro. Joe Biden talvez tenha sido o melhor
representante de um governo sem surpresas, desejado por causa da pandemia. Isso
pode acontecer no Brasil, embora ainda seja cedo para cravar nomes. O centro
pode se tornar uma alternativa crível.
Bolsonaro
conseguiria reconquistar os eleitores perdidos? De que maneira?
Depende do oponente. As pessoas que migraram da direita para o centro nos dizem que só votam em Bolsonaro novamente se o adversário dele for da esquerda mais uma vez.
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