O
caso do Amapá é resultado de uma sucessão de erros de diversos órgãos. A
infraestrutura é totalmente insuficiente, a distribuidora é estadual, mas desde
2015 é controlada pela Eletrobras. Em Brasília, há um jogo de empurra entre a
Aneel e o ONS sobre quem deveria ter agido para evitar esse cenário. Ele era
previsível, porque há um ano um dos três transformadores do estado estava
quebrado. A companhia de transmissão foi comprada por um fundo abutre, que
pouco entende do assunto. O Ministério das Minas e Energia aceitou ser parte de
um teatro para o presidente Bolsonaro faturar politicamente.
O
estado é conectado ao Sistema Interligado Nacional (SIN) por apenas uma rede de
transmissão com três transformadores. Com o quebrado, sobraram dois. A empresa
diz que um raio caiu sobre um, que queimou o outro. Ontem, no entanto, a defesa
civil emitiu um laudo negando essa hipótese. Não havia guarnição do Corpo de
Bombeiros na subestação para atuar imediatamente. O risco era previsível.
Ninguém agiu preventivamente, nem o ONS, nem a Aneel nem o Ministério das Minas
e Energia. A empresa estadual de distribuição opera em regime jurídico
precário, ou seja, sua concessão chegou ao fim e foi prorrogada
provisoriamente. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, está preocupado com o
irmão, que concorre à prefeitura de Macapá.
O
governo federal demorou a agir. Para se ter uma ideia, quando o Amapá já estava
às escuras há três dias, o presidente Jair Bolsonaro pegou um voo na direção
oposta. Foi ao Paraná para inaugurar uma pequena central hidrelétrica, que nada
tem a ver com a crise. Na segunda, Bolsonaro tentou faturar politicamente.
Postou que 76% da energia no estado já havia sido restabelecida. Era falso.
Havia um fornecimento intermitente, com rodízio entre as regiões, e há queixas
de que as áreas mais ricas estão sendo beneficiadas.
Pior
foi o vídeo que Bolsonaro postou. Nele, o ministro Bento Albuquerque aparece
abraçado a duas pessoas. Uma mulher fala seguidamente em Deus, compara
Bolsonaro a Moisés e diz que a energia está restabelecida. O ministro completa:
“Parabéns presidente Bolsonaro, estou aqui com os seus filhos”. Mistura
explosiva: a luz não estava normalizada ao contrário do que o vídeo fazia crer,
o ministro de área técnica reforçava a exploração demagógica da pobreza, e tudo
isso usando o nome de Deus. Qualquer evento, por mais trágico ou penoso que
seja, está sempre sendo usado nesta abusiva propaganda eleitoral totalmente
fora de época, para 2022.
O
sistema elétrico brasileiro é dividido em três tipos de empresas: as geradoras,
que produzem a energia, as transmissoras, que levam energia por todo o país, e
as distribuidoras, que fazem a conexão com o consumidor final. O problema
aconteceu na transmissão, com o incêndio na subestação que receberia a energia
do sistema e repassaria à distribuidora estadual.
—
A maior responsabilidade pela crise é da empresa transmissora, que era de um
grupo espanhol, Isolux, que faliu. Foi comprado por um fundo abutre, que pouco
entende do setor elétrico. Mas o que espanta é que em Brasília os órgãos
reguladores não fizeram nada com a quebra do primeiro transformador. Se um
estivesse funcionando, não haveria o caos que estamos vendo— explicou um
especialista do setor.
O
consumo de energia no Amapá é baixo, cerca de 250 MWmédios, porque a população
é pequena, cerca de 850 mil habitantes. O problema não é falta de energia, mas
a infraestrutura precária do setor elétrico no estado, que concentrou os riscos
em uma única subestação.
A
Aneel baixou portaria na semana passada autorizando a Eletronorte a contratar
energia extra, mas os técnicos não sabem como essa energia chegará no
curtíssimo prazo. Geradores a óleo diesel têm sido enviados à região. A
agência, como sempre, repassou a conta não aos responsáveis pelo problema, mas
aos consumidores do país, pendurando mais esse encargo na conta de luz.
A crise está sendo usada para vários lobbies. Tem o que culpa a privatização. Só que venda de empresa com boa regulação já resolveu muito problema no passado. Há quem defenda que tem que construir gasoduto, há quem queira a construção de nova linha de transmissão. Não seria melhor, em vez de obras caras, pensar num sistema mais autônomo para locais muito distantes dos grandes centros consumidores? Apesar dos ganhos com o SIN, há também muitas vulnerabilidades. Um investimento em geração distribuída com energia renovável poderia dar mais segurança a quem importa: os consumidores.
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