quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Fabio Graner - O susto da inflação e seu risco para o futuro

- Valor Econômico

Para Paulo Guedes, a pressão de preços tende a se aliviar com o retorno da política fiscal ao seu padrão do ano passado

Em agosto deste ano, a pesquisa semanal Focus, realizada pelo Banco Central junto a economistas, previa inflação de 1,6% em 2020. Três meses depois, o ponto central das estimativas dobrou: 3,2%. Já são 17 altas consecutivas capturadas no levantamento.

Para 2021, a previsão está em 3,17%, subindo há três semanas, mas em ritmo menor. No mercado de títulos, a chamada “inflação implícita” projetada para um ano está em 4,93%, subindo em relação aos 4,8% verificados no início do mês. Ela é calculada pela diferença entre os papéis prefixados (LTN) e a taxa fixa dos títulos indexados à inflação (NTN-B). Em prazos mais longos, está pouco acima de 4%.

Na sexta-feira passada, o IBGE divulgou que o IPCA chegou a 3,92% nos últimos 12 meses, após alta de 0,86% em outubro. O quadro para as famílias com renda mais baixa está pior. Como mostrou o Ipea ontem, puxada pela disparada de alimentos em domicílio, a alta média de preços para quem ganha até R$ 1,65 mil foi de 0,98% em outubro, chegando a 5,3% em 12 meses, o dobro da verificada para as famílias mais abastadas.

Todos esses dados explicam por que a inflação, em um espaço tão curto de tempo, passou de um não assunto para ser um dos principais focos de preocupação na economia. Alta de preços sempre foi um elemento de desestabilização social, política e econômica. Em um país com o histórico do Brasil, mais ainda.

É preciso, porém, cautela na análise. Afinal, mesmo com toda surpresa recente, o IPCA corrente (e também o projetado) está abaixo da meta deste ano, de 4%.

Além disso, o momento tem particular complexidade. Após uma paralisação econômica sem precedentes pela covid-19, que exigiu as maiores expansões fiscal e monetária da história do país, é natural que desarranjos apareçam na retomada em curso.

A questão é saber se esse processo é passageiro ou é o início de algo que só vai piorar.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse ao Valor que a recente alta de preços e as revisões para cima das expectativas são movimentos temporários, localizados e devem perder fôlego mais à frente. Na visão dele, a subida do IPCA ocorre na esteira do auxílio emergencial, que já está sendo reduzido (caiu à metade) e vai deixar de existir em 2021. Ou seja, para Guedes, a pressão de preços tende a se aliviar com o retorno da política fiscal ao seu padrão do ano passado, restrita ao teto de gastos.

Outro fator que o ministro enxerga como componente para uma inflação comportada é a abertura comercial. Ele lembra que reduziu tarifas de importação de alguns produtos, como o arroz, e garante que esse instrumento continua no cardápio da Economia.

Guedes também declara confiança na atuação do BC, destacando que o IPCA, mesmo subindo recentemente, está abaixo da meta. E reforçou a defesa da autonomia do órgão, aprovada no Senado e que ainda precisa de aprovação da Câmara.

O ministro criou polêmica ao mencionar, em um evento na última terça-feira, um suposto risco de hiperinflação caso o país tivesse problemas para rolar sua dívida. Em um contexto de inquietação com os preços, o ministrou arrumou uma dor de cabeça desnecessária.

À coluna explicou a declaração. Disse que “certamente” não ocorrerá hiperinflação neste governo e que o trabalho é para apagar esse risco para os próximos, já que um processo desses demora anos. Ele argumentou que falava em um contexto de análise estrutural, sobre a dinâmica econômica do Brasil nas décadas passadas. O objetivo era alertar para a necessidade de se endereçar a questão fiscal, garantindo que uma alta permanente e descontrolada de preços não volte a assombrar o país.

“[Hiperinflação] Não está no horizonte deste governo. Estamos muito longe disto. Eu estava descrevendo uma dinâmica do endividamento em bola de neve. O nosso esforço é para quebrar essa dinâmica e afastar o risco de dominância fiscal e endividamento que já encurralaram rolagem de dívida e nos empurraram para hiperinflação no passado.”

Citando o falecido ex-ministro Roberto Campos, um dos ícones do pensamento liberal no Brasil e avô do atual titular do BC, Guedes salientou que é preciso não só atacar o problema do déficit primário (fluxo), mas também reduzir o estoque da dívida pública, principalmente por meio de privatizações. Essa já era a estratégia do governo, recorda, e com a necessidade de se atuar para combater a covid-19 e seu consequente impacto de alta na dívida, se tornou ainda mais importante e urgente.

Para o economista-chefe do Banco Votorantim, Roberto Padovani, apesar do ambiente mais adverso na inflação, este não é o principal problema do país. “A expectativa de regularização da produção de bens agrícolas e industriais, associado ao fim dos fortes estímulos fiscais, reforça a leitura majoritária de que o choque é temporário”, disse, em artigo distribuído a clientes. “Vale lembrar que os preços agrícolas estão entre os mais voláteis da economia e, por isso, a experiência das últimas duas décadas mostra que as altas nos preços de alimentos costumam ser passageiras”, acrescentou.

Para ele, o principal risco para a inflação está em uma eventual mudança na gestão econômica, de um abandono das regras fiscais. “Mas, como o aumento da inflação seria uma escolha política com custo muito alto, principalmente diante da crise que o país atravessa, dificilmente irá ocorrer”, disse.

O economista-chefe do banco Fator, José Francisco Gonçalves, recorre à memória para dizer que o IPCA não vai desgarrar. Ele lembra que em 2018 houve pressões de câmbio e de preços (puxadas por greve de caminhoneiros, problemas no exterior e eleições). Como agora, foram seguidas de subidas nas taxas de juros de mercado. E o BC soube lidar com a situação sem elevar a Selic, à época em 6,5%.

Gonçalves apoia a postura atual da autoridade monetária, de manter os juros em 2%. “Não consigo vislumbrar inflação. Não tem renda para isso. A taxa de desemprego vai para 16%. O crescimento econômico será baixo, na margem, estará andando a 1% no ano que vem. Há um risco de queda de atividade do primeiro trimestre, por causa da contração fiscal e de alguma antecipação de encomendas neste ano”, disse. “Em situação de atividade zerada e desemprego em níveis inéditos, não tem como ter inflação.”

Seja como for, o quadro não é trivial. E vai exigir muita sabedoria do BC para manejar a política monetária em meio às pressões que se avolumam.

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