Presidente
mentiu categoricamente ao afirmar que a CoronaVac causava morte
A
contabilidade passava de uma dúzia de crimes de responsabilidade cometidos pelo
presidente da República quando ele deu uma freada por orientação do Centrão.
Não porque não tivesse outras barbaridades para dizer, mais ameaças a proferir,
novos crimes para cometer. Mas sim porque precisava dar uma envernizada no seu
perfil para que o agrupamento mais fisiológico do Congresso pudesse dele se
aproximar. Há dois dias, o escorpião venenoso não conseguiu se conter e voltou
a seu estado natural de irresponsável maior da República. Desta vez, o alvo do
seu atentado criminoso não foi o Congresso, o Supremo ou a democracia. Agora,
ele preferiu golpear a saúde do povo brasileiro.
Além
de festejar um hipotético fracasso da vacina que está sendo testada pelo
Instituto Butantan, órgão do governo de São Paulo, onde identifica um inimigo
na figura do governador, disse em rede social que ganhava mais uma sobre João
Doria. E mentiu categoricamente ao afirmar que a CoronaVac causava morte,
invalidez e anomalias. Foi um crime contra a dignidade, a honra e o decoro do
cargo que ocupa, previsto na lei do impeachment. Mas deste mato não sai
cachorro. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, único com poder para dar
andamento a pedidos de afastamento do presidente, já sentou em cima de mais de
30. Se um novo ocorrer, vai ser aquecido sob a mesma pilha gorda.
Talvez
o Tribunal de Contas da União possa identificar um outro crime, de
interferência indevida do presidente numa agência reguladora, se tocar para
valer a investigação solicitada pelo Ministério Público. Difícil não enxergar
essa interferência diante do que se viu antes e logo depois da decisão da
Anvisa de suspender as pesquisas do Butantan. Para começar, a nota noturna da
Anvisa suspendendo os testes já apontava o caminho pelo qual transitaria o
capitão logo em seguida. Ao afirmar que houve um evento adverso grave, e mesmo
já sabendo se tratar de possível suicídio, listou o que podem ser esses eventos
(morte, invalidez, anomalias), dando munição a Bolsonaro.
Todos
os erros cometidos pela Anvisa parecem deliberados. 1) A agência não esperou
nem sequer o amanhecer para tomar a decisão de suspender a pesquisa. 2) A
Anvisa não aceitou a ponderação do Butantan sobre a morte do homem que testara
a vacina por não a considerar formal (queria um boletim de ocorrência da
polícia), ao contrário do Comitê Internacional Independente e da Comissão
Nacional de Ética em Pesquisa. 3) O contra-almirante Antônio Barra Torres,
presidente da agência, disse não ser parceiro do Butantan. Patético. Os
responsáveis pelos testes mereciam confiança, e o BO poderia se ver depois;
claro que a Anvisa poderia esperar mais detalhes antes de suspender os testes.
E, evidentemente, todos deveriam estar do mesmo lado contra a pandemia.
O
contra-almirante e os dois subordinados que deram entrevista explicando a
decisão apressada foram instrumentos do presidente. O que Bolsonaro queria era
ter um ganho político sobre Doria na reta final da eleição municipal. Seu
candidato a prefeito de São Paulo, Celso Russomanno, vai tão mal que talvez nem
chegue ao segundo turno. Doria, por sua vez, torce para que ele avance e seja o
adversário de Bruno Covas, para dar uma coça em Bolsonaro. As explicações da
trinca da Anvisa, Barra Torres, Alessandra Bastos Soares e Gustavo Mendes, na
entrevista de terça-feira foram ridículas. Mesmo sabendo desde a véspera que a
morte não se devia à vacina, insistiram que o aspecto formal era inevitável.
Não era. Tanto que recuaram 24 horas depois.
Sabia-se desde sempre que o contra-almirante era um bolsonarista sem máscaras. Nos bastidores da Anvisa comenta-se que o mandato da diretora Alessandra Bastos Soares vence em abril do ano que vem, e ela busca sua recondução para o cargo. Talvez isso explique a condescendência com decisão baseada em premissas tão frágeis. Sobre o papel do técnico Gustavo Mendes, que disse na entrevista estar falando em nome de todos os seus colegas sem apresentar procuração, sabe-se na Anvisa que ele é daqueles quadros em que os chefes podem sempre confiar.
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