Apesar de todo o seu poder, Góis Monteiro não escapou da gozação, até mesmo entre os colegas de farda, no auge da luta para o Brasil entrar na guerra contra o nazifascismo
Desculpem-me
a analogia. Tem certas coisas no Brasil que não escapam da gozação, mesmo
quando são muito sérias e preocupantes. Por exemplo, o namoro de Getúlio Vargas
com o fascismo de Benito Mussolini, o ditador da Itália, e o nazismo de Adolf
Hitler, da Alemanha, cujo ponto alto foi a entrega da judia alemã Olga Benário,
a esposa do líder comunista Luís Carlos Prestes, grávida de sua filha Anita
Prestes, à Gestapo. Olga foi morta na câmera de gás do campo de extermínio de
Bernburg, mas sua filha foi resgatada antes disso, depois de uma grande
campanha internacional. Hoje é professora de História da Universidade Federal
Fluminense (UFF). Nessa época, em plena ditadura Vargas, havia uma luta surda
entre o ministro da Guerra, Góis Monteiro, e o chefe de Polícia do Distrito
Federal, Filinto Muller, que defendiam uma aliança com o Eixo, de um lado, e o
chanceler Oswaldo Aranha e o almirante Amaral Peixoto, genro de Vargas, que
articulavam a entrada do Brasil na guerra ao lado dos Estados Unidos e seus
aliados da Europa, de outro.
O
repórter David Nasser, no livro Falta alguém em Nuremberg, traça o perfil da
equipe de Filinto Muller, “recrutados entre a escória do Exército”: capitão
Felisberto Batista Teixeira, delegado especial de Segurança Política e Social:
capitão Afonso de Miranda Correia, delegado auxiliar; tenentes Emílio Romano,
chefe da Segurança Política, e Serafim Braga, chefe da Segurança Social, e,
ainda, o tenente Amaury Kruel e seu irmão, capitão Riograndino Kruel, ambos da
inspetoria da Guarda Civil, “indivíduos cujo servilismo ao governo e
brutalidade com os presos” contribuíram, segundo Nasser, para as violações dos
direitos humanos ocorrida na época. No Estado Novo, segundo o historiador
Cláudio de Lacerda Paiva, “quem censurava era Lourival Fontes, quem torturava
era Filinto Muller, quem instituiu o fascismo foi Francisco Campos, quem deu o
golpe foi Dutra e quem apoiava Hitler era Góis Monteiro”.
É
justamente nessa época que começa a gozação com o Góis Monteiro, dentro do
próprio governo. Alagoano de São Luís do Quitunde, fora o comandante militar da
Revolução de 1930 e chefiou as tropas federais que combateram a Revolução
Constitucionalista de 1932, em São Paulo. Na época em que foi ministro da
Guerra (1934 e 1935), elaborou a Doutrina de Segurança Nacional que inspirou
várias leis da ditadura de Vargas e do regime militar. Em 1937, articulou o
golpe do Estado Novo, sendo um dos responsáveis pelo famoso Plano Cohen, que
serviu de pretexto, planejamento de uma revolução comunista forjado pelo então
capitão Olímpio Mourão Filho. Góis Monteiro deu de presente ao temido deputado
fluminense Tenório Cavalcanti a sua famosa “Lurdinha”, uma metralhadora alemã
MP-40.
Alvorada
Apesar
de todo o seu poder, Góis Monteiro não escapou da gozação até mesmo entre os
colegas de farda. No auge da luta para o Brasil entrar na guerra contra o
nazifascismo, seus adversários políticos se divertiam com a seguinte piada
contada nos corredores do Palácio do Catete e nos bares do Rio de Janeiro: Góis
Monteiro resolvera conhecer de perto o treinamento das tropas do Eixo. Na
Alemanha, um oficial nazista formou um pelotão das SS e mandou que um oficial
demonstrasse sua disciplina e amor a Hitler: “Tenente Fritz, tiro na cabeça!”.
O jovem oficial disparou a Luger e caiu morto sem dizer um ai, enquanto a tropa
fazia a tradicional saudação nazista: “Heil, Hitler!”. Gois Monteiro ficou
impressionadíssimo.
No
Japão, visitou o porta-aviões do almirante Yamamoto, que formou o esquadrão de
pilotos e mandou que um deles dedicasse sua vida ao Imperador: “Capitão Tanaka,
seppuku!”. O camicase, como autêntico samurai, sacou seu espadim e rasgou o
abdômen; imediatamente, seguindo o ritual de honra, o líder da esquadrilha, num
golpe certeiro, cortou sua cabeça com a espada, para evitar maior sofrimento.
“Banzai!”. Foi demais para Góis Monteiro: mareado, vomitou.
De volta ao Palácio do Catete, o ministro da Guerra passou a noite em claro e mandou tocar a alvorada às 5 horas da manhã, uma hora mais cedo. Aguardou os Dragões da Independência nos jardins, cantarolando: “A voz do despertar/ Chega a nós/ Que a missão a se cumprir/ É função do que sentir/ Sentir/ Que ela vem dizer/ Com seu repercutir/ / O que é o dever/Quem entender/ Clarim tocar/ Antes do amanhecer/ Tem que se inflamar (…)”. Assustada e sonolenta, a tropa formou desengonçada, às pressas, com a farda mal-abotoada, rabos de cavalo dos capacetes embaraçados, sem saber o porquê da antecipação da alvorada. Góis Monteiro deu a voz de comando: “Primeiro pelotão, sentido!”. O sargento Tião, homem-base na formatura, soldado casca-grossa, já havia percebido a voz pastosa do general quando ele cantava, desconfiou que havia algo errado. Quando o general enrolou a língua no “Apresentar-armas”, Tião se deu conta de que a situação era crítica: “Vixe, está bebado!”. Levou o general para a cama, antes que ele fizesse mais besteira, sem saber de suas sinistras intenções.
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