A
prova de que o equilíbrio de Bolsonaro depende cada vez mais das fases da Lua
foi sua ameaça de declarar guerra aos EUA.
O presidente Jair Bolsonaro, como um valentão na hora do recreio, chamou o País para a briga. Descontrolado como poucas vezes se viu em sua vergonhosa Presidência, classificou como “maricas” os milhões de brasileiros que se preocupam com a pandemia de covid-19.
Donde
se depreende que corajoso, para Bolsonaro, é quem ignora as medidas de proteção
contra a pandemia, pois, afinal, segundo suas próprias palavras, “todos nós
vamos morrer um dia”. Ou seja, o presidente da República está explicitamente
incitando seus governados a correr risco de morte.
Mas
não ficou só nisso. Bolsonaro questionou a inteligência dos eleitores que
apoiam prefeitos “que fecharam as cidades” – isto é, que tomaram providências
para conter a pandemia: “Por que esses caras estão bem na frente nas pesquisas,
meu Deus do céu?”.
E
tudo isso depois de celebrar um suposto revés na pesquisa da vacina
desenvolvida pela China em parceria com São Paulo, Estado governado por seu
maior desafeto, João Doria.
Quase
nada escapou da logorreia de Bolsonaro. Ele atacou os jornalistas, chamando-os
de “urubuzada”, tornou a questionar a confiabilidade das urnas eletrônicas nas
eleições brasileiras e ainda fez piada grosseira com as movimentações políticas
de centro para enfrentá-lo nas eleições de 2022: “Aí vem a turminha aí falar de
‘ah, queremos um centro, nem ódio pra lá nem ódio pra cá’. Ódio é coisa de maricas,
pô. Meu tempo de bullying na escola era na porrada”.
Completou
a glossolalia queixando-se de que é responsabilizado “por tudo o que acontece
no Brasil” e que a Presidência é uma “biboca” que “tem criptonita ou um
formigueiro”. Emendou criticando os que querem seu lugar “falando besteira o
tempo todo, mentindo, provocando, caluniando, perseguindo os familiares o tempo
todo”. A menção aos “familiares” não foi gratuita: sempre que o cerco judicial
ao filho Flávio Bolsonaro no escândalo das rachadinhas se aperta, o presidente
perde as estribeiras.
Mas
a prova cabal de que o equilíbrio de Bolsonaro depende cada vez mais das fases
da Lua foi sua tresloucada ameaça de declarar guerra aos Estados Unidos. O
presidente queixou-se das cobranças feitas por Joe Biden, presidente eleito dos
Estados Unidos, a respeito da proteção da Amazônia e, após questionar “como é
que podemos fazer frente a tudo isso”, amparou-se no seu chanceler Ernesto
Araújo, outro selenita, para declarar: “Apenas a diplomacia não dá, não é, Ernesto?
Quando acaba a saliva, tem que ter pólvora, senão não funciona”. Custa a crer
que os militares que estão no entorno de Bolsonaro não se envergonhem de seu
“capitão” ante tamanho desatino, que enxovalha a Presidência da República.
Se
tudo isso somado não constitui clara afronta ao decoro do cargo, ou seja, crime
de responsabilidade passível de impeachment, como determina o artigo 7.º da Lei
1.079, é difícil saber o que mais seria. Mas Bolsonaro desafia os brasileiros e
suas leis há muito tempo, desde a época em que, como deputado, violava o decoro
a cada vez que abria a boca, sem contudo ser punido. E não será agora, pelo
menos enquanto estiver sob a proteção do notório Centrão – que, em troca,
coloniza um governo sem rumo, cujo símbolo maior é a inépcia de um ministro da
Economia que deu agora de falar em risco de “hiperinflação” em razão da
escalada da dívida que lhe cabe, e a seu chefe, administrar.
Mas
os brasileiros não responderão a mais esse repto do sr. Bolsonaro, pois têm
mais o que fazer do que dar atenção a um presidente que se comporta como o
buliçoso da turma do fundão. Há uma pandemia a enfrentar, uma economia a
recuperar e um País a reconstruir. “Entre pólvora, maricas e o risco de
hiperinflação, temos mais de 160 mil mortos, uma economia frágil e um Estado (o
Amapá) às escuras”, lembrou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que
completou: “Em nome da Câmara dos Deputados, reafirmo o nosso compromisso com a
vacina, a independência dos órgãos reguladores e com a responsabilidade
fiscal”. Para nossa sorte, nem todos em Brasília estão no mundo da lua.
O município e seus grandes temas – Opinião | O Estado de S. Paulo
A
escolha do voto para prefeito e vereador merece atenção e responsabilidade.
O Estado, em parceria com a Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e com o apoio do Twitter, realizou um debate com os seis candidatos à Prefeitura de São Paulo mais bem colocados na última pesquisa feita pelo Ibope. Bruno Covas (PSDB), Guilherme Boulos (PSOL), Celso Russomanno (Republicanos), Márcio França (PSB), Jilmar Tatto (PT) e Arthur do Val (Patriota) apresentaram seus diagnósticos da cidade e suas propostas para resolver questões como falta de vaga em creches, cracolândia, alagamentos e enchentes, déficit habitacional e problemas do sistema de transporte e da saúde pública.
Esse
diálogo direto entre os candidatos fornece elementos importantes para que cada
eleitor possa decidir responsavelmente o seu voto. Não há exercício livre e
maduro dos direitos políticos sem informação de qualidade – sem um conhecimento
de quem são os candidatos, suas trajetórias de vida, suas ideias, a viabilidade
de suas propostas, bem como sua capacidade de realizá-las. Por isso, a preparação
do eleitor nos dias que antecedem à eleição, procurando se informar bem sobre
as diferentes candidaturas, é decisiva para a democracia.
O
voto responsável – verdadeiro cuidado consigo mesmo, com a família e com toda a
pólis – envolve também conhecer as atribuições de cada cargo e de cada ente da
Federação. A Constituição de 1988 atribuiu importantes competências à esfera
municipal, como se pode constatar pela própria variedade dos temas discutidos
no debate promovido pelo Estado. São muitas as responsabilidades da
prefeitura e da Câmara Municipal.
Vale
lembrar, em primeiro lugar, que o município não é mera circunscrição
administrativa, mas verdadeiro ente político, apto a estabelecer leis, criar
impostos e definir sua própria organização. Cabe aos municípios, por exemplo,
legislar sobre assuntos de interesse local, além de suplementar a legislação
federal e a estadual no que couber. Assim, o voto no pleito municipal tem
consequências diretas sobre áreas como transporte público, limpeza urbana,
saneamento básico e urbanismo – todas elas de grande relevância para a
população.
Entre
as competências que a Constituição atribui ao município está a de promover um
“adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do
parcelamento e da ocupação do solo urbano”. Trata-se de um tema fundamental
para todas as cidades. Um adequado planejamento do espaço urbano pode
contribuir decisivamente para a qualidade de vida das atuais e das futuras
gerações, além de influir nos rumos, potencialidades e condicionantes do
desenvolvimento social e econômico de uma localidade.
Recentemente,
entidades da sociedade civil elaboraram estudos relativos à saúde e à educação
na esfera municipal, mostrando o quanto um bom prefeito pode fazer, ao longo de
quatro anos, nessas áreas essenciais. No caso da educação, o município,
contando com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, é o
responsável primário por manter os programas de educação infantil e de ensino
fundamental.
Em
relação à saúde, a Constituição define que os três níveis da Federação têm
competência compartilhada. Habitualmente, o município se encarrega, entre
outras tarefas, da atenção básica de saúde à população. Esse âmbito tem efeitos
sobre todo o sistema de saúde, em especial para as mães, as crianças e os
idosos. Que o atendimento médico possa chegar a tempo, ainda que sendo
primordialmente preventivo, depende em boa medida dos municípios.
A
eleição municipal não é uma eleição menor ou desimportante. Uma boa gestão
municipal tem efeitos de curto, médio e longo prazos sobre a vida da população.
Por exemplo, uma adequada oferta de creches é fator decisivo para o
desenvolvimento humano e social de muitas famílias, com reflexos sobre a renda
e a autonomia das mulheres. E o mesmo ocorre com tantos outros temas, como
transporte coletivo, iluminação das vias públicas ou manutenção das calçadas.
Assim, a escolha do voto para prefeito e vereador merece atenção e
responsabilidade.
A inflação na mesa e o consumo – Opinião | O Estado de S. Paulo
Varejo
cresceu em setembro, mas custo de alimentos já causa estragos.
Comida mais cara afeta o poder de consumo dos pobres, já prejudicado pela redução de salários, pelo desemprego e, desde setembro, pela diminuição do auxílio emergencial. O efeito perverso da inflação dos alimentos é bem visível no desempenho dos hiper e supermercados. O aumento de preços impulsionou a receita e ao mesmo tempo derrubou seu volume de vendas. Mas, apesar do aperto da maior parte das famílias, o volume vendido pelo comércio do dia a dia cresceu 0,6% em setembro, completando cinco meses de expansão e atingindo nível recorde na série iniciada em 2004, mesmo com a perda de ritmo, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O
crescimento mensal, de 0,6%, foi o menor desde o começo da recuperação, em
maio, e a desaceleração foi descrita como normal pelo gerente da pesquisa
mensal do comércio, Cristiano Santos. Foi uma acomodação, segundo explicou,
depois da forte reação inicial à queda de março-abril. Com cinco meses de
avanço, o varejo restrito já alcançou um nível 7,7% superior ao de fevereiro.
Acrescentando-se
veículos e material de construção, chega-se ao varejo ampliado, composto por
dez segmentos do comércio. As vendas desse conjunto mais amplo cresceram 1,2%
em setembro. Mesmo com o aumento mensal de 5,2%, o total vendido pelas lojas de
veículos, motos, partes e peças continuou 9,3% abaixo do resultado de
fevereiro. Em 12 meses a perda ficou em 11,6%.
O
auxílio emergencial ainda favoreceu o consumo em setembro, segundo o
pesquisador. O efeito da redução, iniciada nesse mês, só deve ter afetado as
vendas a partir de outubro. Mas os danos causados pelo encarecimento da comida
já eram evidentes. Entre abril e setembro a receita dos hiper e supermercados
cresceu 10,6%, mas o volume vendido só aumentou 4,7%.
Nos
últimos três meses apurados, lembrou Santos, a variação da receita foi positiva
em dois meses (0,5% em julho e 2,1% em setembro) e negativa em um (-0,7% em agosto).
Em todo o período, no entanto, a variação do volume foi negativa, com recuos de
0,3% em julho, 2,1% em agosto e 0,4% em setembro.
Os
mais sacrificados foram os consumidores de baixa renda, porque a alimentação
pesa mais em seu orçamento. De janeiro a outubro, a inflação das famílias mais
pobres chegou a 3,5%, enquanto a das famílias de renda mais alta ficou em
1%, segundo o
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Nesse
período, encareceram muito vários itens de grande peso na cesta de consumo dos
mais pobres, como arroz (+47,6%), feijão (+59,5%), leite (+29,5%), óleo de soja
(+77,7%) e frango (+9,2%). Ao mesmo tempo, houve alívio em preços de bens e
serviços importantes para as famílias de renda mais alta, como gasolina
(-3,3%), seguro de automóvel (-9,9%), hospedagem (-8,4%), passagem aérea
(-37,3%) e pré-escola (-1,7%).
Seis
faixas de renda são consideradas no levantamento do Ipea. Em outubro, a
inflação das famílias mais pobres chegou a 0,98%. A da faixa mais alta ficou em
0,82%, taxa também muito elevada, mas, ainda assim, as variações acumuladas no
ano permaneceram muito diferentes. No mês passado, a alta de preços da comida
teve impacto de 0,61 ponto porcentual na inflação da camada mais desfavorecida
e de 0,15 ponto na do grupo mais alto. No grupo de renda média, o quarto de
baixo para cima, o efeito foi de 0,32 ponto porcentual.
A
evolução das cotações internacionais, principalmente por causa das vendas à
China, explica em parte a inflação dos alimentos, mas o comércio externo afeta
diretamente apenas os preços de alguns produtos, como soja e derivados, milho,
carnes e café. O encarecimento de outros itens, como arroz, feijão e leite, é
atribuível mais facilmente a outros fatores, como o aumento da demanda para
consumo em casa e as fortes oscilações do dólar. A instabilidade do dólar tem
resultado principalmente das incertezas quanto à condução das contas federais e
à evolução da enorme dívida pública. Parte importante da inflação tem sido
fabricada na sede do Executivo – e a conta mais pesada vai para os pobres.
Pacotes de bondades ameaçam gestão de futuros prefeitos – Opinião | O Globo
Às
vésperas da eleição, proliferam auxílios, cortes de impostos e tarifas,
benesses a servidores que ninguém sabe como pagar
O
mundo encantado apresentado pelos candidatos no horário eleitoral costuma ser
um filme de curta duração, já que muitas das promessas que enchem os olhos dos
eleitores desaparecem como num passe de mágica ao fim da propaganda. Menos
efêmeras, por isso mais preocupantes, são as promessas traduzidas nos pacotes
de bondades dos atuais prefeitos, para tentar assegurar a reeleição ou
catapultar seus candidatos na disputa. Sem falar nos efeitos para a próxima
administração.
No
Rio, o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), em segundo lugar nas
pesquisas, enviou à Câmara um projeto para reduzir o IPTU, uma das principais
fontes de receita da prefeitura. Estima-se que a benesse acarretará perda de
até R$ 500 milhões por ano. Apesar de a proposta ter sido usada no horário
eleitoral, o presidente da Câmara, Jorge Felippe, sustou a tramitação do
projeto até que a prefeitura consiga dizer como compensará o déficit. Em 2017,
no seu primeiro ano de mandato, Crivella aumentou o IPTU em até 100%.
Em
Porto Alegre, o prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB), em segundo lugar nas
pesquisas empatado com Sebastião Melo (MDB), reduziu em R$ 0,15 a tarifa de
ônibus. A passagem caiu de R$ 4,70 para R$ 4,55 na última segunda-feira, a
menos de uma semana do pleito.
Em
Curitiba, o prefeito Rafael Greca (DEM), que lidera a disputa pela prefeitura,
lançou em agosto, às vésperas do início da campanha eleitoral, um programa de
R$ 200 milhões para a retomada da economia. Entre outras medidas, o plano prevê
a prorrogação do pagamento de IPTU, ISS e taxa de coleta de lixo.
O
prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), líder nas pesquisas, conseguiu que a
Câmara aprovasse no dia 22 de outubro, em plena campanha, um projeto do
vereador Eduardo Suplicy (PT) que destina uma renda emergencial de R$ 100, por
três meses, a trabalhadores informais e beneficiários do Bolsa Família. O
impacto de auxílios emergenciais na popularidade de qualquer gestor é
conhecido.
Em
Manaus, o prefeito Arthur Virgílio Neto (PSDB), que apoia Amazonino Mendes
(Podemos), líder na corrida para a prefeitura, decidiu antecipar o pagamento de
novembro dos servidores, que só ocorreria no fim do mês. Os salários serão
depositados a partir de hoje, a três dias do pleito.
Em
muitos casos, os atuais prefeitos alegam que os projetos já estavam previstos
ou em tramitação bem antes das eleições. Ou que foram uma imposição da crise
provocada pelo novo coronavírus. A legislação veda a concessão de novos
benefícios no período de três meses que antecedem o pleito, mas a pandemia
abriu uma exceção.
Todas
essas medidas afetarão os sucessores, ou até os atuais prefeitos que forem
reeleitos. Está contratado um caos ainda maior nas finanças municipais, já arrasadas
pela Covid-19. Os eleitores não devem se iludir. O pacote de bondades hoje
embalado para presente não passa de uma bomba-relógio, programada para explodir
no dia 1º de janeiro de 2021.
Política
externa de Bolsonaro funciona como biruta giratória – Opinião | O Globo
Qual
a lógica de desagradar, no mesmo dia, a nossos dois maiores parceiros
comerciais? Nenhuma
No mesmo dia, o Brasil logrou a proeza de desagradar aos dois maiores parceiros comerciais. De um lado, o presidente Jair Bolsonaro ameaçou veladamente o presidente eleito Joe Biden com “pólvora” caso o Brasil venha a sofrer pressão americana pela preservação da Amazônia. Do outro, o Itamaraty anunciou a adesão à Clean Network, iniciativa de Estados Unidos e Japão para conter o domínio da China sobre a quinta geração da telefonia celular (5G).
Qual
a lógica? Nenhuma. Trata-se de mais um sinal da incoerência, do desgoverno que
tomou conta da política externa brasileira, que funciona como uma biruta
giratória governada pelos ventos da ideologia. Bolsonaro não se mostra fiel ao
interesse nacional, mas a Donald Trump, que dissemina acusações falsas de
fraude eleitoral para tentar manter o poder. Enquanto ele está no cargo, o
Brasil espalha todos os sinais de que proibirá equipamentos da chinesa Huawei
no leilão brasileiro do 5G, em 2021. Será que a mesma posição será mantida no
governo Biden?
É
uma questão sem resposta. Num país em que a diplomacia funcionasse, o veto à
Huawei poderia ser um sinal de reconciliação com Joe Biden, a quem Bolsonaro
não enviou nem parabéns pela vitória. Em troca do pragmatismo, o Brasil poderia
negociar concessões americanas, como a suspensão de tarifas sobre produtos
brasileiros.
É
difícil, porém, acreditar que Bolsonaro seja capaz de tal sofisticação. Até por
despeito contra Biden, ele poderia voltar atrás na adesão à Clean Network e
autorizar a Huawei a participar do leilão do 5G. Não seria ruim, já que os
equipamentos chineses são mais competitivos, e não há justificativa econômica
para excluí-los em detrimento de empresas e consumidores brasileiros.
Para
isso, porém, Bolsonaro precisaria superar sua resistência ideológica a tudo o
que vem da China, manifestada com eloquência na celebração insensível e cruel
da morte de um voluntário do teste da vacina chinesa CoronaVac no Brasil (morte
que nada teve a ver com a vacina e fez a Anvisa passar a vergonha de revelar
sua ignorância sobre o que se passa nos testes, ao suspendê-los para retomá-los
no dia seguinte).
Se
Bolsonaro deixasse de lado seu bacamarte verbal, se abandonasse as espoletas da
pólvora ideológica que só provocam estalidos inúteis, a diplomacia brasileira
poderia trabalhar em paz e, qualquer que fosse a decisão sobre o 5G, negociar
com chineses ou americanos os maiores benefícios ao país.
Bastaria
usar aquilo que tem faltado ao Itamaraty de Ernesto Araújo: serenidade,
inteligência e foco no interesse nacional. O risco de uma diplomacia
contraditória, que funciona como uma biruta giratória capaz de desagradar aos
nossos maiores parceiros, é no final o Brasil ficar sem nada.
A vacina e a pólvora – Opinião | Folha de S. Paulo
Ao
recair na estupidez, Bolsonaro está no curso certo para ter o final de Trump
A
terça-feira (10) parece ter sido um momento de epifania verborrágica do
presidente Jair Bolsonaro, mesmo considerados os seus padrões dilatados. Mentiu
sobre efeitos de uma vacina em desenvolvimento, comemorou a
interrupção —já revertida— da pesquisa sobre o imunizante e
insultou homossexuais.
A
espiral de infâmias apenas tinha início quando o chefe de Estado celebrou, de
fato, a morte de uma pessoa —e um empecilho no desenvolvimento de um imunizante
que pode salvar milhões de vidas.
Do
vulcanismo presidencial continuaram jorrando boçalidades naquela data: “Quando falta
saliva, tem que ter pólvora”. Refletia sobre como reagir à hipótese
de que o presidente eleito dos Estados Unidos, o democrata Joe Biden, venha a
levantar barreiras comerciais adicionais, como retaliação à incúria ambiental
do governo federal brasileiro.
Não
se tratou, é preciso esclarecer, de alguma ironia ou tirada humorística. O
presidente da República Federativa do Brasil cogitou mesmo, com suas próprias
palavras, empregar força militar contra a maior potência do planeta.
O
que liberou a catadupa iracunda no mandatário brasileiro pode ser matéria
apenas de especulação. A queda rumorosa de Donald Trump na eleição americana
desponta como uma hipótese, pois ela mostrou o destino ao cadafalso de líderes
que, como seu bajulador Bolsonaro, vilipendiam pressupostos da civilização.
A
mudança na Casa Branca também prenuncia um tabuleiro geopolítico em que o
Brasil, caso seu presidente mantenha o curso de sua gestão ambiental, externa e
sanitária, ficará ainda mais isolado.
Se
foi esse o gatilho para a enxurrada de destemperança de Jair Bolsonaro, parece
então que estamos diante de um daqueles casos nos quais a reação à profecia
contribui para que ela seja cumprida.
Pois
a estratégia de conformidade aos novos horizontes requereria a atitude oposta
do governante brasileiro: prestígio ao desenvolvimento de vacinas eficazes,
venham de onde vierem; respeito aos que sofrem pela epidemia; guinada
preservacionista na área ambiental; deferência à verdade factual e à ciência; e
tolerância aos que não pensam nem se comportam conforme a cartilha dos
fanáticos.
A
esta altura dispensa comprovação a efetividade das instituições democráticas de
reprimir o cesarismo e o barbarismo que compõem a personalidade de Bolsonaro.
Proteger o ciclista – Opinião | Folha de S. Paulo
Morte
de pesquisadora em SP deveria inspirar medidas em prol das bicicletas
O
trânsito constitui uma das principais manifestações da violência na cidade de
São Paulo, conforme ficou evidenciado, mais uma vez, na trágica morte da
pesquisadora e cicloativista Marina Kohler Harkot.
A
jovem, de 28 anos, foi atropelada no último domingo (8) enquanto pedalava em
uma avenida do bairro de Pinheiros, na zona oeste. Covardemente, o motorista do
carro fugiu sem prestar socorro. No dia seguinte, enfim, apresentou-se às
autoridades policiais.
Para
além da fatalidade, a morte de Marina é um renovado e cruento lembrete da
insegurança a que estão submetidos os usuários de bicicletas, mas não apenas
eles, numa cidade que historicamente privilegiou o automóvel.
Em
2019, segundo dados do Infosiga, 36 ciclistas perderam a vida nas vias
paulistanas. Até setembro deste ano, foram 24. O cenário nacional não é mais
animador.
De
2017 a 2019, mais de 800 pessoas morreram por ano no país em decorrência de
colisões no trânsito enquanto pedalavam, de acordo com a Associação Brasileira
de Medicina de Tráfego.
A
despeito do quadro geral negativo, ao menos na capital paulista a situação dos
usuários de bicicletas vem melhorando ao longo dos últimos anos —muito em razão
da pressão de associações civis dedicadas ao tema, reconheça-se.
A
maior parte dos avanços ocorreu na gestão de Fernando Haddad (PT), que de 2013
a 2016 criou cerca de 400 km de ciclovias e ciclofaixas. Esse incremento
significativo não se deu, contudo, sem problemas. Trechos com buracos,
sinalização deficiente e traçados mal planejados não foram incomuns.
Com
o tucano João Doria, a expansão cicloviária foi freada, mantendo-se errática
nos últimos dois anos com seu antigo vice, Bruno Covas (PSDB). Hoje, São Paulo
conta com pouco mais de 500 km de vias com tratamento cicloviário permanente,
embora esse conjunto ainda esteja longe de perfazer uma rede unificada e
segura.
Problemas
à parte, a locomoção sobre duas rodas só faz crescer na capital. De 2007 a
2017, o número de viagens com bicicleta aumentou 25%, segundo a pesquisa Origem
e Destino, do Metrô. Trata-se, afinal, de meio de transporte limpo e barato,
que oferece a seus usuários uma alternativa às condições insalubres do trânsito
automotivo.
Ampliar,
integrar e aprimorar a malha existente impõe-se, portanto, como uma das tarefas
urbanísticas imprescindíveis para aquele que vier a ocupar a prefeitura
paulistana no próximo quadriênio.
Bolsonaro tenta de novo desacreditar a Coronavac – Opinião Valor Econômico
O
Congresso, pelos feitos e malfeitos do presidente, pode dar a ele a paz que
tanto diz almejar
Na
maior corrida do século para produzir, no mais curto espaço de tempo, uma
vacina eficaz e segura contra o novo coronavírus, obstáculos são previsíveis e
inevitáveis. Os cientistas aprendem muito com seus erros, o que, tragicamente
para os brasileiros, não é o caso do presidente Jair Bolsonaro. Só há motivos
para lamentar quando uma das tentativas de derrotar o vírus fracassa ou atrasa.
Paranoico, Bolsonaro encontrou um tétrico motivo de júbilo no episódio muito
estranho de suspensão dos testes da Coronavac, da chinesa Sinovac, que será
produzida pelo Instituto Butantan. O presidente acreditou que seu rival João
Doria fora decisivamente atingido pelo evento, que, no final, não era nada
daquilo que imaginava.
A
precipitação em obter um trunfo político lúgubre apequenou mais uma vez um
presidente já diminuído por várias demonstrações desumanas de insensibilidade.
Os efeitos nocivos do golpe falho não atingiram só o presidente, o que por si
só já seria grave. Com sua patuscada no Facebook, acusando a vacina que será
produzida em São Paulo de provocar “morte, invalidez, anomalia” colocou também
sob grave suspeita o presidente da Anvisa, o contra-almirante Antônio Barra
Torres, um amigo do presidente.
Um
dos voluntários no teste da Coronavac foi encontrado morto no dia 29 de outubro
e a polícia suspeita fortemente de suicídio. O óbito foi comunicado à Anvisa em
6 de novembro, uma sexta, e a mensagem ficou parada inexplicavelmente - a
versão oficial é de problemas técnicos - até o dia 9. Às 15 horas da
segunda-feira, a Anvisa solicitou informações de Dimas Covas, diretor do
Butantan. O ofício dava o prazo de uma dia para a resposta, que o instituto
disse ter enviado em seguida. No início da noite, um mail da direção do órgão
regulador convidara os técnicos do Butantan para um encontro, que não ocorreu:
38 minutos após o mail, a Anvisa suspendeu os testes (Folha de S. Paulo,
ontem).
Barra
Torres, em entrevista no dia seguinte, disse que suspendera os testes sem ouvir
previamente o Butantan. Após reunião com Covas na manhã de terça, decidiu
manter sua decisão por considerar as respostas insatisfatórias. Sugeriu um
parecer ao Comitê Internacional Independente, que pouco antes das 17h concluiu
o que já estava estabelecido - a morte não teve qualquer relação com a vacina.
Mas na manhã do mesmo dia, o presidente vangloriou-se no Facebook, “mais uma
que o Jair Bolsonaro ganha”, com a mesma alegria de alguém que vibra com
desventuras do vizinho após ter-lhe rogado terríveis pragas.
Há
mais a averiguar do que a morte do voluntário dos testes da Coronavac. Antes, a
importação de vacinas pelo governo paulista parecia prestes a atrasar por falta
de aval da Anvisa. O presidente já espinafrara o ministro da Saúde, Eduardo
Pazuello, por firmar acordo para a compra de 46 milhões de doses da Coronavac,
e jurara que a vacinação não seria obrigatória. Pazuello, Barra Torres e
Bolsonaro foram infectados pela covid-19.
A
atitude precipitada de Barra Torres interrompendo os testes serviu à exploração
política por Bolsonaro. Barra Torres exibiu condutas incompatíveis com o cargo
que assumira (então interinamente), de presidente de uma agência reguladora de
vigilância sanitária. Em março, quando o então ministro Luiz Mandetta tomava
providências contra a covid-19, apesar do presidente, Barra Torres foi com
Bolsonaro a uma manifestação, que certamente não foi a favor da democracia, sem
máscara. É um convicto aliado do presidente e ficou a seu lado contra Mandetta,
demitido. Ontem, a Anvisa liberou os testes.
Bolsonaro
seguiu roteiro igual ao de outras vezes em que sua família aparece em apuros,
desviando atenções com declarações bombásticas e provocativas. Dias antes, o
Ministério Publico denunciou o senador Flavio Bolsonaro como chefe de
“organização criminosa” no escândalo das “rachadinhas”. 162 mil mortes depois
da omissão imperdoável do presidente na coordenação do combate à covid-19,
Bolsonaro disse que a morte é inelutável e que o Brasil “tem de deixar de ser
um país de maricas”.
O presidente afirmou que não tem “tesão” pelo cargo, depois do opróbrio de comemorar falsa derrota de um político que quer seu lugar. “Minha vida aqui é uma desgraça, é problema o tempo todo. Não tenho paz para nada”, disse. A conduta de seu herói, Donald Trump, na pandemia, ajudou a sepultar sua ambição de um segundo mandato. Aqui pode ocorrer o mesmo. Ou então o Congresso, pelos feitos e malfeitos do presidente, pode dar a ele a paz que tanto diz almejar.
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