O Globo
O novo presidente não pacificará o país —
ao contrário, ampliará o fosso. Terá contra si, se não o ódio, pelo menos o
ranço de metade da população
Digam o que disserem antropólogos,
sociólogos e cientistas políticos, ninguém conhece melhor a alma de um povo do
que seus artistas. Eles são “a antena da raça”, na definição do poeta Ezra
Pound. Antena, radar, sonar, telescópio, microscópio, tradutor, oráculo, o
artista atira no que sente e acerta no que talvez apenas pressinta. Mesmo
quando fala de uma dor de corno ou de cotovelo, pode estar retratando o
relacionamento tóxico de um povo consigo mesmo e com suas escolhas.
“Esses moços, pobres moços (...)/Saibam que
deixam o céu por ser escuro/E vão ao inferno à procura de luz”, cantou
Lupicínio Rodrigues com o pensamento nos que buscam os altos voos do amor se
atirando no precipício da paixão. Mais ou menos o que temos feito na vida
política.
Com Mário Covas, Ulysses Guimarães e
Roberto Freire na disputa, elegemos Fernando Collor. Agora abrimos mão de
Simone Tebet, Ciro Gomes e Luiz Felipe d’Avila para encarar uma escolha de
Sofia entre o que deu errado e o que não tem como dar certo.
Mantidas as tendências apontadas nas pesquisas de opinião, Bolsonaro (em ascensão) poderia alcançar Lula (estabilizado). Mas isso foi antes das entrevistas no JN e dos debates, em que Lula leva vantagem.
Como o impossível sempre nos acontece,
resta torcer por gafes, revelações bombásticas, plot twists e armadilhas do
destino. Não havendo, entretanto, fato novo que nos faça dar uma chance ao bom
senso, algumas previsões podem ser feitas, com probabilidade de 150% de virem a
se cumprir:
O novo presidente não pacificará o país —
ao contrário, ampliará o fosso. Terá contra si, se não o ódio, pelo menos o
ranço de metade da população. Não respeitará o teto de gastos. Adotará medidas
que já não funcionaram em governos anteriores.
Será alguém que não nutre simpatia pela
imprensa livre. Que se sente perseguido, injustiçado e sonha com uma cobertura
chapa branca — devidamente recompensada.
Será um iliberal. Que não esconde uma queda
por regimes autoritários. O representante de um anacronismo — a velha esquerda
antiamericana (ops, agora é antiestadunidense) com camiseta de Che Guevara, ou
a velha direita reacionária, com bandeira do Império e mentalidade das
capitanias hereditárias.
Alguém com um passivo de conivência com a
corrupção, esteja o balcão de negócios no MEC, na Saúde, nos Transportes ou na
Previdência dos Correios; sejam as jocosamente diminutivas rachadinhas ou os
superlativos petrolão e mensalão. E que não se arrepende dos malfeitos, nem
garante que não voltará a cometê-los.
Alguém que odeia a Lava-Jato — e pelos
motivos errados. Que não se compromete com a lista tríplice para a escolha do
PGR. Que terá deixado um país pior para o sucessor, ainda que atribua a
maldição à herança recebida. Alguém incapaz de metáforas — no máximo, analogias
rasas com casamento e futebol.
Será o governo de um tigrão nos cercadinhos
e uma tchutchuca diante do Centrão. E de quem não admite ser comparado a seu
suposto antípoda.
Sobre essa nossa sina, já cantava
Lupicínio: “Se deixo de alguém por falta de carinho/Por brigar e outras coisas
mais/Quem aparece no meu caminho/Tem os defeitos iguais.”
5 comentários:
A pessoa pode nao gostar de Lula e Bozo. Mas defender candidatura da Tebet colocando no mesmo nível de excelência que Ulisses Guimarães e Mario Covas é muita cegueira. Mais justo é fazer campanha do voto nulo.
Essa eleição será lembrada para sempre e com a culpabilidade de uma corte que se pretende justa. Uma piada muito sem graça. Isso é corte que se preze?
Mas a eleição mais inesquecível por décadas será a de 2018, quando 55% do povo brasileiro elegeu um genocida mentiroso, que na eleição seguinte não chegará nem ao segundo turno...
Eu também gostaria que o segundo turno ficasse entre Ciro e Simone,mas não há simetria nenhuma entre Lula e Bolsonaro,Bozo é incomparável.
Com mais de 50% dos votos válidos, Lula poderá ganhar a eleição no primeiro turno!
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