O Globo
Chegou nossa vez de garantir que o eleito
pelos brasileiros no dia 30 tenha a segurança de ser empossado
Faltando a eternidade de sete dias até o
Brasil cravar nas urnas que tipo de nação gostaria de chamar de sua, estamos em
pico de ansiedade. Tateando. À falta de qualquer certeza, tornamo-nos
sommeliers de pesquisas à procura de apaziguamento em seus muitos microdados.
Se ficarmos só no geralzão das declarações de intenção de voto coletadas pelos
institutos ao longo da semana, o ex-presidente Lula mantém a liderança. O
candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, contudo, embicava para um empate técnico
dentro da margem de erro estatístico. Placar do agregador de pesquisas
divulgado pelo site Jota Info: Lula 47% , Bolsonaro 43%, 4% de indecisos.
É nessa estreiteza que mora o perigo.
Estivesse o Brasil respirando uma democracia a plenos pulmões, a vitória de qualquer candidato por uma diferença de alguns milhões de votos, ou menos, deveria significar contenda encerrada e sacramentada no mesmo dia. Restaria ao perdedor lamber suas feridas cívicas. Só que o clima eleitoral no Brasil de 2022 pode ser chamado de tudo, menos de lisamente democrático ou respeitoso do voto popular.
Em setembro, quando já estava atrás em
todas as pesquisas qualificadas da época, o presidente informou ao país que sua
não reeleição no primeiro turno por 60% dos votos indicaria “algo de anormal”
no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Ficou em segundo lugar, com 43,2% dos votos, e Lula com 6,2 milhões de votos a
mais (48,4%). Jair deixou passar, não era o momento de se insurgir. Preferiu
apostar numa escancarada derrama de compra de votos para dar o bote no segundo
turno. Vimos desfilar o Auxílio Brasil, os vales gás, taxista e caminhoneiro, o
empréstimo consignado do Auxílio Brasil, a redução do combustível, a
antecipação do FGTS para financiamento de moradia e outros mimos. Somado, o
custo dessas benesses ultrapassa a casa dos R$ 68 bilhões, segundo o jornal
Valor Econômico. As instituições supostamente existentes para conter o
descalabro — Congresso, Tribunal de Contas da União, Procuradoria-Geral da
República, Supremo Tribunal Federal, TSE —preferiram silenciar.
Inversamente, o governo Bolsonaro continuou
dando vazão a seu doentio impulso de erradicação do futuro nacional. Sua
proposta orçamentária para 2023, enviada ao Congresso refestelado pelo maná de
R$ 19,4 bilhões do orçamento secreto, inclui, entre outros horrores, o corte de
96% da verba para a educação infantil. Isso num país que tem 20 milhões de
crianças de até 3 anos. Sobraria a migalha de R$ 2,5 milhões para construir
creches em todo o território nacional — valor equivalente à metade (sim,
me-ta-de) do que o senador Flávio Bolsonaro desembolsou para comprar uma mansão
em Brasília. Flávio, como se sabe, é o Zero Um do clã presidencial que, em duas
décadas, já negociou 107 imóveis, 51 dos quais adquiridos com dinheiro vivo,
como foi revelado pelos jornalistas Juliana Dal Piva e Thiago Herdy, do UOL.
A tudo isso, as instituições democráticas
só despertaram para valer a partir desta semana. Em tom quase emergencial, o
presidente do TSE, Alexandre de Moraes, convocou as principais plataformas das
redes sociais com medidas tardias para tentar conter a avalanche de fake news.
Até o momento, elas têm sido usadas com maior eficácia pelo campo bolsonarista,
desviando o eleitor do acesso a informações ancoradas em fatos.
O próximo domingo se avizinha com três
hipóteses: Lula vence o segundo turno por ampla margem e leva. Bolsonaro vence
por qualquer margem e leva. Lula vence por uma margem que Bolsonaro declara
suspeita e não leva porque os operadores bolsonaristas armam um “terceiro
turno” nas ruas, nas redes sociais, na Presidência, entre militares e
milicianos. O Ministério da Defesa não liberou até hoje o relatório sobre a
fiscalização da confiabilidade das urnas, realizado pela equipe que atuou no
primeiro turno junto ao TSE. Segundo reportagem de Felipe Frazão no Estado de
S. Paulo, o parecer de que o sistema se mostrara “muito consistente” chegou a
ser comunicado a Bolsonaro, mas talvez não tenha agradado. Permanecerá em
sigilo até 30 dias depois do segundo turno, se é que algum dia verá a luz.
Na eleição presidencial de 2020, nos
Estados Unidos, o democrata Joe Biden venceu o titular Donald Trump em todas as
frentes. No voto popular, por 51,3% a 46,9% (7 milhões de votos a mais); no
Colégio Eleitoral determinado pelo sistema de votação no país, obteve 306 do
mínimo necessário de 270 para ser considerado eleito. Trump teve apenas 232.
Ainda assim insurgiu-se feito insano, entrou em modo bunker e mantém 78% de seu
vasto eleitorado convencido de que houve fraude nas urnas. Também armou o
ataque ao Capitólio de 6 de janeiro e fez do Partido Republicano um puxadinho
golpista. Fraturou de forma irreparável a sinuosa democracia americana.
Chegou nossa vez de garantir que o eleito
pelos brasileiros no dia 30 tenha a segurança de ser empossado.
Um comentário:
Eu tenho dois medos,medo do Lula perder,e medo dele ganhar e Bolsonaro não aceitar o resultado e os militares darem um golpe.
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